O WhatsApp acabou com o mundo (como nós conhecíamos)

Seis ou sete anos atrás era perfeitamente possível dizer que talvez estivéssemos na melhor época em todos os tempos para se estar vivo. A tecnologia avançava, conectava os povos, facilitava e transformava a vida de muita gente. Era possível ver um avanço mundial nas políticas públicas de bem estar social. A tolerância em relação as minorias sempre discriminadas parecia aumentar, direitos sempre negados eram garantidos para muita gente. Havia uma razoável tendência global de eleger governantes conciliadores, inclusive com preocupações com os riscos de esgotamento do planeta. Vejam vocês, até o papa era uma figura tolerante.

Em relação a outros tempos, não havia nenhuma pandemia global de doenças e mesmo as que ameaçavam de alguma forma a humanidade eram controláveis pelo avanço da ciência. Vivíamos um momento de considerável paz, sem nenhuma grande guerra envolvendo potências militares, exceção feita as velhas pendências norte-americanas no Iraque e no Afeganistão. Mesmo os países árabes mais radicais passavam por uma inédita insurreição democrática. Tenho a impressão de que até israelenses e palestinos não estavam no auge da tensão bélica.

Enfim, era possível pensar que, apesar de todos os problemas ainda existentes, parecia que o mundo caminhava em um rumo positivo, que as coisas iriam melhorar. Só que, passados esses seis ou sete anos, este momento hipotético não existe mais. Ninguém em sã consciência vai dizer que vivemos grandes e gloriosos dias e a impressão generalizada é que o mundo já até teve dias piores, mas nós não estamos tão distantes assim deles.

Senão vejamos: o ódio tomou conta das pessoas. De um momento para o outro passou a ser normal dizer que você odeia alguma coisa e os vocalizadores desse ódio se tornam lideranças políticas de projeção. Na esteira do combate norte-americano no Iraque e da Primavera Árabe, o terrorismo floresceu como nunca antes, trazendo o medo para o cotidiano das pessoas e uma crise humanitária mundial de refugiados.

Doenças que pareciam erradicadas voltaram a atacar, inclusive nos países mais ricos, porque aumentou o número de pessoas que se recusam a tomar vacinas. O aquecimento global é negado pelo líder da maior potência mundial e esses dois fatores significam apenas uma coisa: são dias difíceis para a ciência, deixada em segundo plano diante das convicções pessoais. Falando em plano, se multiplicaram também o número de pessoas que dizem que a terra não é redonda e sim plana, no que poderia ser uma espécie de máquina do tempo que nos transporta de volta ao século 14.

Ódio, ressentimento e mágoa. Até o Papa não esta imune a esses sentimentos nos quais a vida de todo mundo se transformou, mesmo que involuntariamente. Você pode até achar que está tudo bem, mas a draga que te carrega para uma espiral de sofrimento psicológico pode te apanhar a qualquer instante. Esse, definitivamente, não é o caminho que a vida parecia nos destinar uns anos atrás e só nos resta perguntar: o que foi que tudo deu errado?

A resposta para mim é clara: WhatsApp. O aplicativo de mensagens foi criado em 2009, mas começou a se popularizar em 2011 e explodiu de vez na metade de 2012. Justamente esses seis, ou sete anos que parecem separar a prosperidade da desesperança.

Primeiramente, pode parecer que não há nada de errado no WhatsApp. Afinal, o aplicativo faz parte justamente dessa virada tecnológica que aproxima os coabitantes da Terra, é a integração definitiva entre todos os povos do planeta. Se já estávamos a um clique de encontrar familiares e amigos nas redes sociais, o WhatsApp trouxe todas essas pessoas para dentro do seu bolso. Basta destravar a tela e conversar com quem você quiser em qualquer lugar do mundo.

Talvez o problema seja esse: aproximar os humanos. Ou talvez esteja nos desafios e mudanças que novas tecnologias de comunicação de massa proporcionam. Não é de estranhar que a 2ª Guerra Mundial e ascensão de dezenas de governos totalitários tenha ocorrido logo após a Era de Ouro do Rádio, nos anos 30. Quando uma nova tecnologia surge, quem consegue controlá-la primeiro, tem grandes chances de dominar a população. O WhatsApp é a nova fissão nuclear.

Teoria aparte, o fato é que o WhatsApp é um pequeno inferno na vida das pessoas. Aumentou a nossa ansiedade cada vez que ele vibra nos nossos bolsos ou em cima da mesa e precisamos saber urgentemente o que é que estão falando, na expectativa de que seja uma mensagem importante, mas é apenas uma imagem aleatória em um dos 27 grupos dos quais você precisa participar por convenção social. O que são os grupos do Zap? Uma enorme discussão de mesa de bar na qual as pessoas não estão bêbadas, o que é uma desvantagem, porque a única coisa que torna a discussão de mesa de bar agradável é o álcool que perturba os nossos sentidos. Milhares de grupos que te escravizam e prendem sua atenção em discussões inúteis que demoram 24 horas que te absorvem do momento em que você acorda até o momento em que você vai dormir. Não é como um chat do MSN que você escolhia a hora em que estava disponível para conversar. O WhatsApp é o verdadeiro banco 24 horas, só que o banco é você e ao invés de dinheiro, você gasta energia, com pessoas muitas vezes desprezíveis, que você talvez pagasse dinheiro para não ter que encontrá-las nas ruas, mas agora você não precisa ter o azar de encontrá-las nas ruas, elas te encontram onde quer que você esteja. E as correntes, as malditas correntes? O tempo todo tem algum golpe novo na praça, um crime bárbaro que ocorreu ao seu lado e é preciso tomar cuidado e é preciso fazer alguma coisa.

O WhatsApp é também, provavelmente, o primeiro veículo de comunicação de massa completamente privado e autônomo, que cresce longe dos olhos de todo mundo, o que é ótimo, mas criou um mundo paralelo. O WhatsApp pauta as nossas vidas. Ele constrói consensos silenciosamente. Para muitas pessoas, o WhatsApp é o mundo em que elas vivem, esse mundo de correntes, mensagens de paz e bom dia, disseminação de mentira, um mundo distópico que George Orwell jamais iria pensar, um mundo que faz com que roteiros de Black Mirror pareçam redações infantis pouco imaginativas.

Ao construir o seu universo paralelo, aliás, milhares de universos paralelos e privados, o WhatsApp destruiu o mundo como nós o conhecíamos. E não há como reconstruir o que foi destruído, apenas se acostumar com a nova realidade que paira sobre nossas vidas.

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