Em 16 de outubro de 1991 eu fui levado pela minha mãe e pela minha avó para presenciar aquele que é provavelmente o maior evento realizado em Cuiabá em todos os tempos: a visita do Papa João Paulo II. A presença do Santo Padre em nossa distante e pequena capital é algo até hoje difícil de compreender.
Minhas lembranças não chegam a ser muito claras. Pelo que compreendo nos dias atuais, todos sabiam que o papa chegaria no Aeroporto Marechal Rondon (onde se transformaria no primeiro cidadão a beijar o solo várzea-grandense; sob risco de queimar a boca) e iria rezar uma missa em um enorme descampado no bairro da Morada do Ouro. Minha avó morava nesse bairro.
Todos tentavam utilizar a intuição e a estratégia para descobrir a rota que seria feita pelo papa. Depois de andar de lá para cá, paramos em algum ponto da Avenida Leônidas Mendes. Após alguns alarmes falsos, o papa passou na nossa frente e, ao que consta, acenou em nossa direção. Minha avó ficou emocionada, mas eu não me lembro de nada. Não tenho a menor ideia de como voltamos para casa.
João Paulo II era um polonês de sobrenome impossível de ser escrito sem uma consulta ao Google. Foi o primeiro não italiano a ocupar o Trono de Pedro em séculos. Carismático, ficou 26 anos no comando do Vaticano. Tanto tempo que, para quem é da minha geração, ele é sinônimo de papa. Não era nem possível pensar que um dia haveria outro, ou que outro houvera um dia. Ele estava lá, simplesmente.
Quando ele morreu após um longo e doloroso processo público de declínio físico, ficamos sabendo de toda a magnífica cerimônia que existe no processo de sucessão. Uma longa votação chamada conclave. As portas sendo fechadas. Os cardeais reclusos. A fumaça negra indicando a falta de consenso ou a fumaça branca anunciando o novo representante de deus na terra. Os anúncios em latim. O senhorzinho que diz Habemus Papam. A aparição de vossa santidade na janela principal da Capela Sistina enquanto outros se posicionam na lateral. O novo nome e a benção. Como diria o locutor do Esporte Interativo: SHOW!
João Paulo 2 foi substituído pelo sinistro Bento 16. Que acabou renunciando ao cargo e dando lugar ao simpático Francisco. Agora viveremos a era do Leão 14.
Esta mudança sempre é cercada de uma expectativa da imprensa e de parte da bolha na qual eu vivo sobre os posicionamentos do novo papa. Uma torcida meio maluca para que ele seja alguém liberal. Uma torcida tão alucinada que acaba por esquecer um importante detalhe: o cidadão em questão é um padre.
Mais do que isso: um padre de mais de 60 anos e que será responsável por comandar a Igreja. As possibilidades de ele ser liberal são apenas um pouco superiores as de Israel resolver reconhecer o Estado Palestino.
O Papa Francisco mesmo, tido como mais liberal, ficou desta forma reconhecido por defender os pobres. O que, mais do que liberalismo, significa uma visão humanitária. Foi tido como liberal por afirmar que a homossexualidade é pecado sim, mas não é doença. Por dizer que animais de estimação podem ir para o céu e outras visões de mundo que, mais do que libertárias, são empáticas.
Aceitação da homossexualidade, fim do celibato e outros assuntos debatidos tão fervorosamente são miragens distantes. A Igreja não aceita o divórcio em pleno 2024 minha gente, como é que vai aceitar penetração anal entre homens. Eles são contra o uso de camisinha mesmo em países com epidemia de AIDS, o que dirá sobre a possibilidade de padres fornicarem.
O lado liberal dos papas se concentra em defender mais ações para os menos favorecidos. O que mais do que liberalismo, é uma visão de mercado para o futuro da Igreja.
A liberdade por si só vai contra tudo o que representa uma religião. A religião nada mais é do que um conjunto de dogmas e procedimentos aos quais os cidadãos devem se submeter caso queiram ter um benefício póstumo ou uma benção em vida. Em tese, nenhuma religião vai querer que as pessoas sejam livres para fazer o que elas quiserem, porque se isso acontecesse, elas não teriam controle sobre ninguém e não teriam poder.
O novo papa pode até ser simpático, ter um discurso acolhedor e etc. Mas jamais será alguém que promoverá reformas liberais.
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