Aplausos, aplausos

No último fim de semana, o mais novo filme de Kleber Mendonça Filho fez sua estreia oficial no Festival de Cannes. O Agente Secreto entrou ao som de frevo e saiu aclamado pelo público, com 15 minutos ininterruptos de aplausos, segundo fontes presentes.


O Festival de Cannes é um dos mais glamorosos eventos do cinema internacional e tem os aplausos efusivos como sua marca principal. Notícias sobre películas novas sendo freneticamente saudadas pelo público presente são frequentes. Há até um ranking informal da categoria, liderado por O Labirinto do Fauno da categoria, com 22 minutos de saudações entusiásticas. 

O cinema nacional também tem história de palmas francesas. No ano passado mesmo o filme Motel Destino recebeu 12 minutos de aplausos, conforme informado à época. São números sempre surpreendentes.

O aplauso, em geral, é uma das principais formas de se reconhecer um artista, uma espécie de alimento da alma criativa. Em peças de teatro o aplauso de pé é a aclamação máxima do artista. Shows de stand up são interrompidos por palmas festivas quando as piadas são muito boas. Shows musicais tem seus artistas ovacionados ao fim de cada música. Discursos políticos e paraninfos também são pontuados com palmas, mesmo que protocolares.

Apesar de ser uma reação quase instintiva, há profissionais dos aplausos. Geralmente trabalham em órgãos públicos, ou a serviço de figuras públicas como bons puxadores de saco, digo, de palmas. São os responsáveis por identificar os ápices das celebridades e começar a bater as mãos e dar gritos efusivos. Um trabalho difícil, porque há uma linha tênue entre iniciar uma ovação pública e parecer um lunático desligado do cotidiano.

Tudo isso para dizer que os números do Festival de Cannes me parecem sempre inflados. Algo como aquela contabilidade de pessoas presentes em manifestações públicas. O número é sempre jogado para cima e muitas vezes combinado. Se os organizadores concluem que é preciso falar que eram 500 mil pessoas presentes no ato público, eles dirão que é esse número, mesmo que as imagens mostrem um número vinte vezes menor.

(Certa vez um prefeito de Cuiabá divulgou que 100 mil pessoas estavam no carnaval organizado por ele na Orla do porto. Um número maior do que o que cabe na Sapucaí, por exemplo. De repente Cuiabá organizou o maior carnaval do Brasil e ninguém estava sabendo)

O número base me parece ser o do filme O Artista, que, dizem, teve 12 minutos de aplausos. Nenhum filme aceitaria ter menos minutos de saudações do que esta porcaria, este delírio coletivo que levou as principais premiações cinematográficas do mundo. Imagino os organizadores falando “para esse aqui tá bom a gente falar que foram seis minutos né”. Parece até que existem imagens, mas imagino que ninguém vá se dar ao trabalho de assistir 15 minutos de alguém batendo palma, para saber se nesse meio o pessoal tomou uma água, conversou amenidades e etc.

O próprio Agente Secreto foi tendo seus números revisados. Primeiro para 13 minutos e depois para 9. Aos poucos as pessoas talvez foram percebendo que é muito tempo de aplauso. Como forma de comparação, um Parabéns Pra Você cantado em ritmo lento e acompanhado pela parte do ratimbum não demora mais do que 40 segundos. E geralmente chegamos cansados no fim deste tempo. Mais de dez minutos batendo palma me parece, acima de tudo, humanamente impossível.

Outra hipótese possível é a distorção do tempo proporcionada por determinados momentos. Pense que o já citado Parabéns de 40 segundos parece demorar pelo menos três quando você está cantando ou sendo homenageado. Uns dois minutos efusivos de aplausos vão parecer uma eternidade mesmo. Se chegar a 5, a impressão é de que foi meio tempo de uma partida de futebol, como é o caso do Labirinto do Fauno.

Nada contra, afinal. Faz parte criar essa mitologia sobre os fatos. O problema é o dia em que essa bolha estourar.

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