Camisa de time de futebol é um dos poucos assuntos no qual eu sou conservador em meus princípios. Um clube de futebol é justamente reconhecido pelas cores que veste. O que faz o São Paulo, o Flamengo, o Corinthians ou o Primavera de Indaiatuba serem reconhecíveis são os uniformes. Não são os jogadores (que mudam de time e se aposentam), o estilo de jogo (uma utopia), o estádio (que pode ser reformado ou demolido). O que faz um time em campo são suas cores.
Esta relação transcendental entre torcida e equipe é representada por um conjunto de cores e padrões. Quando você torce para um time, de certa forma você pertence àquela combinação. Se o Cruzeiro entrar em campo vestido de Cinza, toda aquela massa apaixonada pelo azul perde um pouco do sentido de sua vida.
Desta forma, sempre me incomodei com os times alemães, que mudam seus padrões de uniforme com frequência assustadora. O Bayern de Munique, por exemplo, já jogou todo de vermelho, com camisa predominantemente branca, listrada em branco e vermelho (tanto na horizontal, quanto na vertical), listrada em vermelho e azul, vermelha com mangas brancas, grená com mangas azul petróleo, vermelha com mangas azuis e até mesmo azul escuro com uma faixa vermelha no centro da camisa. Isso nos últimos 30 anos. O Bayer Leverkusen, coitado, não sabe se seu uniforme é vermelho, ou se é preto, ou se é listrado em vermelho e preto.
Esta tendência, é claro, chegou nas seleções nacionais nos últimos anos. O atual uniforme reserva da Alemanha tem tons estranhos de roxo e rosa, sendo que a tradição sempre foi verde. Você bate o olho no campo e não tem a menor ideia de que aquela seleção que parece uma lata de refrigerante é a Alemanha. Camisas pretas então proliferaram em quase todos os países do mundo.
Esta tendência nada mais é do que um produto do marketing. Fornecedoras de material esportivo precisam vender camisetas. Vender camisas amarelas da Colômbia todo ano é muito difícil. Então eles precisam lançar um uniforme branco, preto ou laranja para que os jovens achem aquilo bonito e comprem camisas diferentes. Portanto, em nome de uma ação de marketing, toda uma simbologia é sacrificada. Todo um senso de pertencimento e identificação será deixado de lado em nome do lucro de grandes corporações. É a vida.
Chegamos aí então a camisa vermelha da seleção brasileira.
Faz alguns dias que algum grande site noticiou que o segundo uniforme do Brasil para a Copa de 2026 não seria azul, como diz a tradição. Ontem, o site FootyHeadlines, especialista no assunto, anunciou que a camisa seria vermelha. Informação que foi sendo confirmada por veículos nacionais. A cor, um vermelho mais para o fogo, teria relação com a origem do nome do Brasil. (Para quem não sabe, vem do pau brasil, madeira que quando cortada apresenta uma coloração avermelhada, como se estivesse em brasas). O símbolo do Michael Jordan em vez da Nike gerou uma estranha associação com o Chicago Bulls, mas enfim.
As primeiras montagens da camisa parecem bem esquisitas. Sim, o uniforme vem sendo maltratado nos últimos anos com as golas de oncinha, mas esse vermelho é um pouco demais. (Para quem não sabe, o uniforme tradicional do Brasil era branco. Após a derrota na Copa de 1950, foi necessário apagar o passado e um concurso foi lançado, resultado na camisa amarela, com calções azuis e meias brancas. No entanto, ninguém pensou em uma segunda camisa - até porque não havia muitas seleções que jogavam de amarelo por aí. No entanto, na Copa da Suécia em 1958, calhou que a final fosse contra os donos da casa, que justamente jogam de amarelo. Paulo Machado de Carvalho, o senhor Pacaembu, que era o chefe da delegação, saiu correndo nas malharias de Estocolmo em busca de novas camisas. Escolheu o azul, que segundo ele, era a cor do manto de Nossa Senhora. O Brasil entrou na final com camisas azuis, calções e meias brancas, venceu a Suécia por 5x2 e conquistou sua primeira Copa do Mundo. O azul passou a ser oficialmente a cor de nossa segunda camisa. Importante lembrar que camisas azuis foram utilizadas esporadicamente antes de 1950).
Como as camisas, é bom lembrar, são um produto de marketing, eu fico pensando na reunião que levou a esse resultado. Publicitários e estilistas pegaram esse job e chegaram ao target da camisa vermelha. Alguém achou que era uma puta ideia. Mas será que o público iria gostar? Uma busca em uma bolha social com os perfis AnarcoFino, Jairmearrependi e etc, mostrou que a camisa vermelha faria sucesso.
Bem, nos últimos anos a camisa nacional foi sequestrada por um grupo político extremista. O amarelo nos causa um certo asco, porque sua visualização logo nos remete ao ex-presidente Jair Bolsonaro carregando a camisa sobre sua barriga supurada.
Então, a Nike resolveu colocar o vermelho, o que para esse mundo de abilolados é a cor do comunismo. Um prato cheio para polêmica.
Enfim, depois de passar os primeiros momentos em negação, essa sensação foi revertida ao ver posts de conservadores em combustão espontânea, afirmando que a cor do Brasil não pode ter a cor do comunismo. Na cabeça dessas pessoas, se o Brasil usar vermelha, o Lula será o centroavante da equipe, Neymar será mandado para um campo de trabalho forçado, os grandes capitalistas serão expropriados e o proletariado tomará conta do poder.
No fim das contas, passei a ser totalmente favorável à medida. Que estejamos prontos para cantar a Internacional Comunista quando o Brasil entrar em campo em 2026.
Comentários