Comportamento de WhatsApp

O WhatsApp revolucionou a maneira como as pessoas se comunicam e de certa forma destruiu a humanidade junto com eles. Várias normas de etiqueta e conceitos de cordialidade de outrora foram abandonados e fico imaginando como teria sido o mundo, se as pessoas sempre tivessem se comunicado à moda WhatsApp.

Imagine acordar todo dia de manhã e ir checar a sua caixa de correio e encontrar um cartão postal de extremo mau gosto estético lhe desejando um bom dia. E perceber que esse cartão postal foi enviado por uma pessoa que você conhece, mas com a qual tem pouco contato. E isso se repete todos os dias: a cada manhã um cartão postal colorido está depositado na sua caixa de correio lhe desejando um bom dia.

Você nunca responde essa pessoa, mas as mensagens teimam em chegar. De certa forma você se impressiona com o fato de que nunca houve um cartão repetido e tenta entender como isso é possível. Até que um dia, ao abrir a porta de casa, o próprio mensageiro do bom dia está lá para te entregar o cartão postal e reclamar que você nunca responde as mensagens de bom dia.

Após uma breve discussão sobre a falta de tempo e outras contemporizações você se vê sem escapatória e passa a ter que, todo dia, enviar um cartão postal também desejando bom dia para essa pessoa que, repito, é sua conhecida, mas com quem você mantém muito pouco contato.

Outro dia, um carteiro bate na porta da sua casa e te entrega um envelope. Não há nenhuma identificação de quem é que possa ter te enviado aquele conteúdo, apenas os dizeres “eu amo minha família” escritos na dobra do envelope. Dentro dele, há um papel no qual estão escritas apenas duas palavras: “Boa Tarde”.
Seus memes chegaram senhor



Isso já deveria ser suficientemente perturbador, mas quinze minutos depois o carteiro volta com outro envelope não identificado, dentro do qual há outra folha de papel com duas palavras, dessa vez com uma pergunta: “tudo bem?”. Você segue sem responder essa pessoa até porque você não sabe quem ela é. Apenas meia hora depois o carteiro retorna à sua casa com uma terceira carta, na qual, dessa vez, a pessoa se identifica, informa o que ela quer e as razões pelas quais ela está realizando o contato.

Mas essa é uma possibilidade remota. O mais provável é que, quinze minutos depois da segunda mensagem não identificada, o seu telefone toque e do outro lado uma pessoa informe que mandou cartas para você, mas que você não respondeu, e só aí ela se apresente e conte quais são suas intenções. Ou talvez essa pessoa mandasse um carro de som com uma longa mensagem de áudio sobre o assunto, te obrigando a respondê-la.

As relações de trabalho certamente seriam muito piores, porque, imagine, seu chefe poderia bater na porta da sua casa por volta das 21h30, te encontrar de cueca samba-canção e levemente embriagado, apenas para avisar que na manhã do dia seguinte irá te pedir para fazer um serviço. Ele sabe que está sendo inoportuno e, talvez, inoportuno seja pouco para descrever uma visita não avisada próximo ao horário de dormir, mas que ele precisava te falar logo, porque caso contrário ele iria se esquecer do assunto.

Este medo de esquecer assuntos sobre o trabalho seria considerada uma desculpa razoável para que colegas de trabalho, subordinados, superiores, estagiários ou qualquer outra pessoa resolvesse aparecer na sua casa em horários inapropriados para pedir favores. Alguns chegariam a te acordar às 05h, não te deixariam almoçar e interromperiam outros momentos de descanso e lazer porque, pelo amor de deus, elas não podem correr o risco de se esquecer de fazer essa pergunta.

Caso a comunicação pré-WhatsApp fosse padrão, você ligaria a televisão e encontraria uma série de pessoas completamente desconhecidas falando sem propriedade alguma sobre temas importantes. E essas opiniões completamente descabidas de qualquer senso de realidade, fruto de um total desconhecimento sobre aspectos simples da vida, essas opiniões seriam levadas a sério pelas pessoas ao seu redor, que passariam a ligar insistentemente uma para as casas das outras para ressonar esses comentários. De certa forma, a experiência da TV Jovem Pan seria antecipada em alguns anos.

Isso sem contar a convivência ininterrupta com membros da sua família, vários deles, até aqueles com os quais você não tem tanta proximidade, e esses familiares passariam o dia inteiro brigando sobre política e se ofendendo mutuamente.

Da mesma forma, você poderia estar calmamente caminhando na rua, quando de repente, todos os seus colegas de colégio aparecem ao mesmo tempo e te inserem nesse grupo com pessoas com as quais você não convive há quinze anos, e eles passam a conversar loucamente sobre assuntos que não despertam o seu interesse e de alguma forma é preciso parecer simpático com essas pessoas que você não tinha mais a menor perspectiva de encontrar novamente. O mesmo ocorre com dezenas de outros grupos aleatórios de pessoas. E de repente, elas passam a fazer anúncios sobre as coisas que elas vendem.

Todos esses cenários parecem saídos de algum filme de terror, mas o verdadeiro terror é constatar que vivemos uma pequena amostra grátis de como é essa vida. É preciso refletir porque toleramos que comportamentos tão invasivos sejam considerados aceitáveis.

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