O lendário Tackleberry, aquele que um dia clicou em uns botões e acabou por fundar este blog, era um exímio contador de piadas. Eram tempos diferentes, nos quais as pessoas ainda contavam anedotas. Dito desta forma, parece que éramos um bando de senhores de suspensórios jogando bilhar nos anos 40, mas o fato é que o mundo muda rapidamente nos dias atuais.
Uma das clássicas piadas de Tackleberry contava a história do González, um senhor que morava em um vilarejo próximo a uma montanha. Certo dia, um grupo de jovens encontra o ancião, que explica para eles o caminho das serras. Empolgados, os jovens pedem para que González conte uma história com um final feliz que ele viveu nas montanhas.
O velho homem então se lembra com júbilo do dia em que uma cabra do vizinho se perdeu nas montanhas. Os homens do vilarejo se juntaram, como manda a tradição, e subiram morro acima. Eles então encontraram a cabra e, como manda a tradição, fizeram uma grande festa, beberam e depois fizeram sexo com o animal, um por um - como, você pode imaginar, manda a tradição.
Um pouco enojados com um relato tão cru de zoofilia coletiva, os jovens alertaram González de que aquela não era exatamente uma história feliz. Que ele poderia, muito provavelmente, se lembrar de algo melhor. O idoso refletiu e então se lembrou quando uma mulher da região se perdeu das montanhas. Então, seguiu-se o roteiro: homens se juntam -> sobem a montanha -> encontram a mulher -> fazem a festa -> cachaça -> transam com a mulher, um por um.
Certamente uma história sobre estupro coletivo não é nem um pouco engraçada e soa um tanto quanto descolada em uma simples anedota contada em mesa de bar. Os jovens da piada também tiveram essa percepção e talvez quisessem se levantar e ir embora. Mas, movidos por uma força estranha, tentaram uma última alternativa para não encerrar abruptamente o encontro e pediram a González que ele contasse uma história triste que viveu nas montanhas. Com os olhos marejados, o idoso diz:
Uma vez, EU me perdi nas montanhas.
A moral dessa história poderia ser a de que pimenta, ou pica, no cu dos outros é refresco. Essa é a grande metáfora, mas o ensinamento literal que o texto jocoso nos leva a refletir é a de que nós temos que tomar muito cuidado e nunca, em hipótese nenhuma, devemos nos perder na montanha. Grupos socorristas voluntários e amadores cobram um caro valor pelo serviço de resgate.
Pois bem, nos últimos tempos essa precaução tem sido deixada de lado. Se perder na montanha se tornou um hábito. Primeiro foi o Pablo Marçal que se perdeu com 32 pessoas. Uma quantidade tão grande de perdidos, que provavelmente não houve piça suficiente para cobrar a fatura. Tal fato acabou por popularizar o nome de Marçal e cacifar seu nome à prefeitura de São Paulo. Porque pelo jeito, tudo o que a extrema direita quer é alguém que faça você se perder na montanha.
De uns tempos para cá se tornou muito popular um grupo chamado Legendários, que tem o propósito de juntar vários homens para ficarem acampados em uma montanha, para que durante três dias eles possam passar por desafios físicos e espirituais como forma de reencontrar a sua própria masculinidade. Eventualmente comer o cu de algum perdido, não sabemos.
Quase todo tipo de ser abjeto que você imaginar já participou desse negócio. Desde o próprio Marçal, passando por Joel Jota - considerado por ele próprio um dos melhores nadadores do mundo, Primo Rico, Caio Coppola, Neymar Sênior, membros da bancada federal do PL e etc, todos eles já escalaram a montanha em busca da masculinidade sagrada perdida.
Afirmar que os Legendários são enrabados no pico da neblina é uma piada fácil. Até porque é difícil imaginar as razões pelas quais a masculinidade de outrora foi se refugiar na serra. Há de se imaginar que eles paguem a Tarifa González em algum momento. (E então, quando eles descem tem que fingir que encontraram algo sagrado, que foram tocados pelo divino e não tocados profundamente pelo pau de alguém, eventualmente chamado Divino). Mas essa, volto a repetir, é uma piada fácil, até por isso não vou ficar fazendo-a por aqui.
Aqui, volto a um ponto que já escrevi certa vez, ao falar do súbito boom na prática do boxe por parte de celebridades. Se formos analisar, praticar o boxe e subir a montanha tem o mesmo efeito prático - que eventualmente acaba resultando em votar no Bolsonaro.
O conceito de masculinidade sempre foi forjado na força física e na realização de atividades brutas que as mulheres não poderiam realizar. Desde sair a campo para tentar matar um javali e garantir um almoço pré-histórico, ou passar o dia inteiro carregando sacos de 50 quilos nas costas, pilotar carretas sem direção hidráulica, erguer no patamar quatro paredes sólidas (talvez mágicas), desossar um boi, demolir alguma grande estrutura de pedra, ou coisa do tipo.
Essas atividades são cada vez menos usuais nos tempos atuais. Não há muita disponibilidade para sair por aí caçando bisões em loucas aventuras que depois serão retratadas em desenhos rudimentares na parede da caverna que você considera o seu próprio lar. Este não é o mundo atual.
Não há nada de másculo em ficar oito horas por dia na frente de um computador digitando fórmulas em planilhas do Excel, ou revisando artigos, redigindo processos, conferindo metragens, fiscalizando o funcionamento de aparelhos elétricos, convencendo outras pessoas a adquirir uma airfryer, digitando mensagens no WhatsApp oferecendo linhas de crédito consignado para servidores públicos, ou subir em um palco e ficar falando bobagens sobre o poder da mente e convencendo os outros sobre o enorme potencial guardado dentro de cada um. São atividades que, veja você, uma mulher poderia fazer.
É preciso então buscar uma atividade que nenhuma mulher faria - talvez porque elas tenham mais discernimento e não estejam dispostas a serem socadas por outras pessoas em eventos televisionados. E, muito menos, a subir uma montanha para ficar rezando, cagando no mato e fazendo lutinha na lama.
A verdade é que todo vazio existencial nos leva a ideias estúpidas, provavelmente pelo fato de que temos dificuldade em aceitar o nonsense da nossa existência.

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