Visagismo cultural

Dia desses eu estava voltando para o meu trabalho após participar de uma reunião externa com outros colegas. Quando o carro passou pela esquina das ruas Marechal Deodoro e Cândido Mariano, que até dia desses era conhecida como a Rua das Óticas, foi possível vislumbrar um casarão antigo que hoje abriga a Barbearia Juarez.

Rapidamente, um dos colegas dentro do carro questionou o outro se ele não queria ir no Juarez. O outro não fez nenhum tipo de resposta, até porque ele, provavelmente assim como eu, desconhecia totalmente a fama do estabelecimento.

Olhando por fora, a Barbearia do Juarez parece um entre tantos estabelecimentos do tipo que se proliferam no Brasil inteiro. Suas paredes cinzas, com uma logomarca que faz uma mistura entre tesoura, asas, caveiras barbudas e coques samurais. Ao lado da porta um desses pirulitos coloridos e giratórios em branco, azul e vermelho.

Podia imaginar como seria o ambiente interno, com paredes de cimento queimado, cadeiras de estilo retrô, piso quadriculado em preto e branco, mesas de sinuca e cabeleireiros estilosos utilizando técnicas pouco ortodoxas para garantir que todos tenham seu próprio visual de lenhador.

Bem, todo esse imaginário foi interrompido no momento em que o primeiro colega informou que um corte lá custa dois mil e quinhentos reais. Sim, 2.500. Um valor que causa perplexidade em um cidadão que ainda não se acostumou com estabelecimentos que estão cobrando 50 reais. Um valor que beira o inimaginável.

As informações, no entanto, não paravam de chegar. O profissional que atua dentro daquelas paredes cinzas já cortou o cabelo do Neymar e do Gusttavo Limma. Todo cantor sertanejo que vem a Cuiabá bate ponto no local - talvez o custo esteja incluso no cachê. Ao que tudo indica, Juarez promove alguma espécie de elixir da vida eterna com suas tesouras e pentes.

Bem, o cidadão de fato é uma celebridade na internet. São 3,2 milhões de seguidores e um hit sentimental quando ele implementou um corte igual ao do Vinícius Júnior em um menino de cinco anos. Todos ficaram com olhos marejados ao ver a criança perplexa com o fato de que ela havia se transformado no próprio Vini Jr e dizendo que amava o Vini Jr e que talvez agora ele também se amasse mais.

O Instagram dele é repleto de vídeos de antes e depois de cidadãos comuns. Mas não são meros antes e depois. Há toda uma anamnese antes. Juarez pergunta aos seus clientes o que eles gostariam de ver quando se olhassem no espelho. São vídeos fascinantes e viciantes, porque é quase como se fosse uma sessão de terapia televisionada.


Diante das câmeras e do olhar piedoso de Juarez, homens das mais diversas idades abrem seus corações e explicam suas frustrações com a aparência. Em muitos vídeos há pessoas atrás observando tudo fascinadas. Em outros, o corte é feito no palco, como se fosse um TED do corte de cabelo.

Um cidadão em especial me chamou a atenção, dizendo que queria que seu visual o preparasse para a selva do dia-a-dia. O restante da conversa foi uma lamúria sobre masculinidade frágil, mas enfim. Outro quer deixar de ser o papai noel para ser um barão. Leveza, seriedade. Enfim. Para alguém como eu, que tem dificuldade de falar em um salão comum como eu quero meu corte, esse é o mundo das ideias que versava Platão.

No fim das contas todo mundo termina com um cabelo cheio em cima, invariavelmente penteado para trás e raspadinho no lado. Pessoas riem constrangidas com sua beleza recém descoberta. Outras ficam surpresas. Algumas talvez sintam aquela frustração contida. Há quem chore. Samy Dana quase chora.

Bem, o fato é que Juarez, de sobrenome Leite não é um simples barbeiro. Em sua própria descrição no Instagram ele se descreve como um visagista. Além dos questionamentos intrínsecos a contemporaneidade que essa definição gera - afinal, vivemos em uma era de redefinições profissionais como forma de ganhar mais notoriedade por fazer um trabalho outrora classificado como inferior - uma importante pergunta vem à tona sobre o Visagismo. Afinal, que porra é essa?

Segundo rápidas perguntas no Google, o Visagismo é a arte de criar uma imagem pessoal que revela as qualidades interiores de uma pessoa. O termo teria sido criado em 1936 pelo cabeleireiro e maquiador francês Fernand Aubry. Visagismo vem da palavra francesa Visage, que significa rosto. Ou seja, caso Aubry fosse norte-americano, hoje falariámos de Facismo e os profissionais seriam Facistas (pronuncia-se Feicistas para diferenciar dos eleitores de Bolsonaro). No Brasil, um bom termo seria Rostismo.

Bem, como vocês podem perceber, ao contrário de um simples cabeleireiro Leilo que te coloca sentando em uma cadeira, pega a maquininha e raspa o cabelo de um lado e faz um topete em cima, enquanto a TV exibe o Balanço Geral, o visagista tem todo um cenário para criar e desvendar, tendo o objetivo de raspar seu cabelo do lado e montar um topete na sua cabeça, cobrando dez vezes mais do que um barbeiro faria.

Apesar de ter surgido em 1936 o visagismo está se popularizando nos tempos atuais, também pudera, ele é uma espécie de coach do cabelo. Se formos analisar, o visagista consegue pegar toda essa linguagem motivacional/empreendedora/messiânica dos coachs e trazer isso para uma simples atividade que envolve tesouras próprias e cabelos alheios. Não é a toa que cidadãos que se sentam na confortável cadeira visagista acabam por abrir seus corações e falar de selva da vida real, falar de todos os receios emocionais e inseguranças provocadas por sua própria aparência. Talvez fosse papo para levar para terapia, mas ainda não se conhecem psicólogos habilidosos o suficiente para tratar seus traumas e ainda te deixar com uma aparência própria para fazer sexo.

De certa forma, os primeiros cidadãos a montarem salões com pirulitos coloridos perto da porta, parede de cimento queimado e piso quadriculado estavam andando para que o visagista pudesse correr.

Vivemos uma era de coachficação de todas as funções da sociedade. Este já citado discurso motivacional/empreendedor messiâncio acaba sendo aplicado por pessoas que dizem quais roupas usar, que coisas comer, que corte de cabelo fazer, enfim. É um caminho sem volta, pelo menos até que surja um coach de rola. Isso se ele já não existir.

Comentários