Em algum momento neste século, alguém teve uma ótima ideia: associar um mês inteiro do calendário a uma campanha de prevenção a alguma doença, ou qualquer outra mazela da sociedade. Para facilitar a compreensão de todos, esse mês seria representado por uma cor. Nascia desta forma o Outubro Rosa, o mês de alerta, prevenção e combate ao câncer de mama.
Monumentos do Brasil se coloriam de rosa para lembrar a importância de fazer exames preventivos e se atentar a qualquer alteração em seu corpo. Dezenas de empresas realizam eventos corporativos, com a presença de profissionais de saúde capazes de falar sobre o assunto. Em determinado dia do mês, o RH da firma organiza uma foto com todos vestindo roupas rosas. Programas de TV recebem especialistas.
O sucesso da iniciativa logo fez com que as cabeças pensantes desse país resolvessem estender a iniciativa mensal colorida para outros problemas. Se o outubro era rosa, o novembro seria azul, seguindo a lógica damaresiana. O mês de combate ao câncer de próstata. Era a vez de os meninos serem alertados sobre essa doença que atinge quase todos os homem depois de uma certa idade.
Auditórios lotados de homens constrangidos com a possibilidade de que alguém resolva ali mesmo enfiar um dedo no seu ânus apenas à titulo de demonstração, ou mesmo de recreação. Na falta de um autoexame, diante da enorme dificuldade de cada um se colocar de quatro e conseguir enfiar um dedo no próprio rabo até sentir a próstata e, nesta situação de extrema complexidade, conseguir distinguir um nódulo ali presente, o alerta é para ir no seu médico, perder o preconceito e cuidar da saúde.
Tudo muito ótimo e dessa forma os meses e as cores foram sendo expandidos até se chegar a um problema claro. Existem mais doenças do que meses. Mais males a serem combatidos do que cores. Tudo isso gerou uma enorme confusão de meses e cores e qualquer combinação é possível, basta pesquisar no google.
Igreja do Bonfim preparada para todas as campanhas mensais de conscientização do ano |
Algumas iniciativas são mais famosas, como o atual Setembro Amarelo, o mês de prevenção ao suicídio, período de 30 dias nos quais psicológos dão entrevistas e realizam palestras, RHs promovem encontros, o telefone do CVV é divulgado e ninguém chega a um consenso se falar abertamente sobre suicídio é importante, ou se é um gatilho. Se é necessário falar sobre as diversas formas de pôr fim na vida, ou se isso acaba sendo um estímulo.
O Dezembro Vermelho fala da prevenção a AIDS, de usar camisinha, não dividir seringas na hora de injetar drogas e etc. Então chegou a hora de alertar para a hepatite, que mata um milhão de pessoas por ano. A doença que ataca o fígado, costuma deixar a cor da pele de seus pacientes amarelada. Então chegamos ao julho amarelo. Sim, a mesma cor da prevenção ao suicídio.
Há ainda o maio amarelo, que é para prevenir os acidentes de trânsito, aquele mês em que batalhões rodoviários e agentes de trânsito realizam blitze educativas em pontos de grande movimentação de carros, para falar para as pessoas que se elas insistirem em não seguir as regras do trânsito, elas podem acabar morrendo.
Pois bem. O atual mês de setembro é amarelo para prevenir o suicídio. Mas ele também é verde para falar sobre a importância de doar órgãos. Mas também é o Setembro Verde para falar sobre a prevenção do câncer de intestino. E verde outra vez para falar da inclusão das pessoas com deficiência. Talvez chegue o dia em que palestras sobre a cor das fezes cheguem às repartições públicas de todo o país. O setembro ainda é azul para falar dos surdos e lilás para conscientizar sobre o Alzheimer.
Se você ainda acha que é pouco, o setembro é branco para falar sobre doenças neuromusculares, é branco pela paz, é roxo pela fibrose cística, chega a ser laranja pela segurança do paciente e para combater a obesidade infantil. Além de tudo, há o setembro cinza de combate às queimadas em Rondônia.
O Agosto é dourado para falar sobre o aleitamento materno. É Azul e Vermelho pela saúde vascular. É verde claro contra o linfoma. Laranja contra a esclerose múltipla. O Laranja colore janeiro para falar sobre o câncer de pele. Se une ao roxo, criando o Fevereiro Laranja e Roxo, em combate a leucemia, lupus, fibromialgia e alzheimer.
Temos o Março Vermelho de conscientização ao câncer de rim. O Março Azul Escuro do Câncer Colorretal. O Janeiro Branco da Saúde Mental. O Dezembro Roxo para estimular a doação da restituição do Imposto de Renda para o Fundo da Infância e Adolescência. Confesso que já estou jogando meses e cores aleatoriamente no Google. E todas as combinações, de alguma forma, trazem resultados.
O excesso leva à banalização, a banalização gera descrédito e o descrédito é a ruína de qualquer reputação. Deputados e vereadores de todo o país, instituições públicas e privadas, organizações da Sociedade Civil Organizada, enfim, todos precisam parar com isso. É preciso prevenir as doenças, mas esse excesso de meses e cores em breve terá um efeito contrário.
Post dedicado à memória do inestimável @DadoDoria, sempre um entusiasta de assuntos coloridos.
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