Brasil: um filme dos irmãos Coen

Um dos grandes memes do ano de 2016 surgiu tardiamente, bem perto da virada do ano. Ele dizia que assim que os três ponteiros do relógio rompessem o número 12 da noite do dia 31 de dezembro, um letreiro subiria no céu com as palavras “escrito e dirigido por Quentin Tarantino”. Pudera, 2016 foi um ano tão louco, violento e surreal, que aquilo ali só poderia ser uma obra de um cineasta doentio como é o caso do Tarantino.

No entanto, se formos analisar bem, o Brasil não é tanto assim um filme do Tarantino. Se ele fosse o nosso diretor, a sessão de impeachment de Dilma Rousseff resultaria no Congresso pegando fogo, a conversa do Temer com o Joesley terminaria com os dois apontando armas na direção do órgão genital um do outro, a mulher de um deputado preso teria uma overdose depois de ir a um baile funk com um empreiteiro. Para mim, o Brasil é muito mais um filme dos irmãos Coen.

Ethan & Joel Coen realizam filmes há mais de 30 anos e já ganharam um Oscar. Suas melhores obras são marcadas por uma tensão crescente que resulta em um vazio de acontecimentos frustrantes. Pessoas morrem, merdas acontecem e raramente há justiça, não há uma explicação: as coisas acontecem, simplesmente por que a vida é assim, totalmente aleatória e não há nada que possamos fazer para resolver isso. Só podemos aceitar.

Já completamos dois meses do assassinato da vereadora Marielle Franco, abatida a tiros dentro de um carro no centro do Rio de Janeiro. Em dois meses, a investigação já descobriu o calibre da arma utilizada no crime – depois viram que tinham se equivocado – e que provavelmente o crime foi cometido pela milícia – suspeita de 71% da população na noite do crime. Ninguém foi preso.

A falta de resposta para esse crime é revoltante. Mas é bom lembrar que nos últimos três anos, apenas 11,8% dos homicídios no Rio de Janeiro tiveram o suspeito denunciado. As razões? Dificuldades de encontrar provas, falta de estrutura. As investigações no Brasil são conduzidas por uma série de xerifes iguais ao Tommy Lee Jones, de Onde os fracos Não Têm Vez. Não há muito o que fazer, é isso aí.

Mas, o que faz com que o Brasil seja puramente uma obra dos irmãos Coen é o resultado da apuração de alguns crimes notórios. Vamos nos lembrar de dois deles.

Em um período de apenas quatro meses, entre o fim de 2001 e o começo de 2002, dois prefeitos petistas de cidades paulistas foram assassinados em condições misteriosas e esses crimes tiveram elucidações um tanto quanto controversas.

Todo mundo se lembra do caso Celso Daniel, o prefeito de Santo André assassinado em janeiro de 2002. Até hoje o caso ressurge mergulhado em diversas teorias conspiratórias. O fato é que ele jantava com um empresário amigo em uma Churrascaria de São Paulo. Na saída do estabelecimento, o carro do prefeito – que era dirigido pelo empresário – foi perseguido e fechado. O prefeito foi sequestrado e seu corpo encontrado dois dias depois na margem de uma rodovia.

A investigação mostrou uma série de questionamentos: o carro do prefeito era blindado e com sistema de trava elétrica, como é que conseguiram retirá-lo de lá? O empresário – que não sofreu nenhum ferimento durante o crime – afirmou que a trava e o câmbio não funcionaram. Uma perícia não encontrou nenhum defeito mecânico no automóvel. Mistério.


Contra todas as expectativas, a polícia concluiu que tudo foi um grande engano. O prefeito Celso Daniel foi sequestrado ao acaso por criminosos que queriam sequestrar outra pessoa que eles acabaram perdendo de vista e resolveram então seguir o primeiro carro importado que encontrassem. Misteriosamente, eles levaram o prefeito e não o motorista do carro. Quando eles descobriram, pelo noticiário, quem eles tinham em mão, o chefe do grupo deu ordem para que seus funcionários se livrassem do problema. Era uma ordem apenas para soltá-lo em algum lugar, mas os comparsas atrapalhados entenderam tudo errado e fuzilaram o governante santo-andreense.

Outras controversas se seguiram: o menor que assumiu a responsabilidade por disparar a arma não soube reconhecer o prefeito por fotos, sete pessoas envolvidas no caso foram assassinadas, incluindo um investigador de polícia, um perito que atestou que o prefeito foi torturado e o garçom que serviu o último jantar de Celso Daniel. Mas, como este é um filme dos irmãos Coen, o inquérito apontou que foi tudo uma soma de grande aleatoriedades.

Menos lembrada é a morte de Toninho do PT, que era prefeito de Campinas. Ele foi assassinado na noite do dia 10 de setembro de 2011 e todos acordaram com a notícia da sua morte no Bom  Dia Brasil, mas já no jornal hoje ninguém mais se lembrava disso. Toninho foi assassinado em um cruzamento de sua cidade, depois de pegar ternos que comprou em um shopping da cidade.

Máfia dos ônibus, crime organizado, muitas hipóteses foram levantadas. Mas, para a Polícia, o que ocorreu foi outra obra do acaso. Toninho teria parado o carro de forma brusca, próximo a outro carro dirigido por criminoso que, se assustaram e resolveram atirar. Toninho era a pessoa errada na hora errada, vítima de um grande azar do destino, de uma conspiração dos astros. Se tivesse parado seu carro de forma mais suave, se os criminosos tivessem parado para comprar um cigarro no posto de gasolina dois cruzamentos antes, nada disso teria acontecido. Que azar.

E como, mesmo sendo dos irmãos Coen, o filme é brasileiro, ele jamais irá ganhar um Oscar.

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