Justiceiros

Alguns ficaram chocados com a imagem, enquanto que outros sorriram, imaginando o cheiro do sangue em suas narinas. Raquel Sherazade fazia parte do segundo grupo. Ao ver um jovem crioulinho amarrado pelo pescoço em um poste, a apresentadora de um telejornal vibrou e não conseguiu conter o sorriso e a baba que escapava pelo canto da boca. Finalmente os cidadãos de bem haviam se unido para dar um fim aos pequenos marginais que afligem o nosso cotidiano.

O bandidinho amarrado no poste não era o primeiro e nem seria o último. Grupos de justiceiros já atuavam espalhados pelo Brasil a algum tempo, organizando julgamentos sumários de supostos delinquentes. Eles andavam juntos em grupos de motocicletas e atuavam às sombras do poder público inoperante.

Apesar das críticas de alguns burgueses da esquerda caviar, boa parte da sociedade gostou. Viram nessas surras públicas a oportunidade de construir uma nação mais livre e justa. A cena do neguinho amarrado no poste também remetia ao passado do Brasil e um país de futuro tem que olhar para a sua história. O pelourinho estava de volta.

Os grupos de justiceiros começaram a crescer. Andavam pelas ruas apontando os ladrões de corrente, os batedores de carteira e os drogados. Aplicavam uma boa surra nos infratores e depois faziam questão de exibir o prêmio. Alguns eram amarrados em postes, outros colocados na caçamba de picapes e alguns mais azarados eram pendurados nos postes. Mortos, claro. A morte era uma consequência da vida errática.

Em pouco tempo os justiceiros começaram a adotar codinomes e a se vestir com fantasias coloridas, máscaras e capas. Se julgavam super-heróis e assim eram tratados pela sociedade. Crianças de todo o país os imitavam e alguns morreram ao se jogar do alto dos prédios, imaginando que poderiam voar. Começou a circular na internet um texto de Umberto Eco falando que estes heróis eram verdadeiros mitos. Era um fake, claro, mas ninguém percebeu isso no Facebook.

Com a liberdade que eles foram ganhando, as ações foram ficando mais violentas. Empalar os criminosos foi a solução óbvia. Os corpos dos pretinhos espetados pelo ânus com lanças que atravessam o seu corpo e saíam pela boca viraram atração turística. Europeus e norte-americanos se divertiam tirando fotos na frente dos corpos empalados na orla do Leblon.

Apesar dos inúmeros serviços prestados pelos justiceiros e os milhares de delinquentes mortos mensalmente, os crimes não deixavam de acontecer. Chegaram a conclusão de que deveriam ser mais firmes nos seus propósitos e abranger o rol de criminosos a serem justiçados. Bichas passaram a ser espancadas, mas o grande momento aconteceu quando um deputado acusado de corrupção foi enforcado em seu próprio intestino. Os justiceiros começaram a cobrar mensalidades dos cidadãos que eram protegidos pelo grupo e logo levaram as punições até todos os membros da família do criminoso. Afinal, era preciso cortar o mal pela raiz.

Pessoas que jogavam um papel no chão tinham as mãos amputadas. O motorista que avançou um sinal era apedrejado. Cada vez mais duro, cada vez mais apertado. Em pouco tempo, nossas ruas estavam limpas e pacificadas. A paz voltou a reinar em nosso território.

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