As dinâmicas de grupo são uma das principais ferramentas utilizadas pelos especialistas em gestão de pessoas para aferir, mensurar e qualificar uma série de parâmetros no ambiente de trabalho. Uma oportunidade de verificar falhas, mas também trabalhar potenciais e atributos desejados nos chamados colaboradores¹.
As dinâmicas são utilizadas em ambientes de trabalho com um número o suficiente de pessoas para poder fazer uma rodinha, que possam ser divididas em grupos pequenos para realizar atividades que lembram o período escolar, mas com uma carga de tensão muito maior.
Em alguns casos, essas dinâmicas são realizadas na entrevista de emprego, o que consiste na maior crueldade que pode ser feita com alguém: ter que se humilhar na frente de um grupo de desconhecidos que tem o mesmo objetivo que você, e ter que comprovar em três ou quatro joguetes sua capacidade de entregar as funcionalidades demandadas pelo possível futuro empregador.
A dinâmica mais famosa de todos os tempos, consagrada na imaginação popular, é aquela em que as pessoas são divididas em duplas. Uma tem que ficar de costas para a outra e deixar o corpo cair para trás cegamente, na expectativa de que a pessoa que está atrás possa segurá-la.
É uma forma de trabalhar a confiança do ser que cai, para que ele saiba que pode contar com os outros colegas de trabalho, mas também trabalha a responsabilidade do ser que segura, mostrando que ele, tal qual o Pequeno Príncipe, se torna eternamente responsável pelo que cativas.
Infelizmente, essa dinâmica foi abandonada com o passar do ano devido a grande quantidade de lesões cervicais registradas e a constante recusa das seguradoras de saúde em cobrir os custos médicos justificados como acidente de trabalho.
Outra dinâmica muito popular, que tem o nobre objetivo de deixar claro o valor do trabalho em equipe, é uma em que cada pessoa enche um balão e o joga para cima. Todos devem se esforçar para nenhum balão cair no chão. Ao final, todos saberão trabalhar em equipe ou pelo menos estarão prontos para serem animadores de festas infantis.
Há ainda outras dinâmicas que se parecem um pouco com o Jogo da Discórdia do famigerado Big Brother Brasil, mas, infelizmente, sem envolver a distribuição de tortas na cara, a derrubada de líquidos fluorescentes potencialmente cancerígenos ou até mesmo um simples balde de água. Até porque seria difícil explicar isso em casa, como assim meu bem, você foi trabalhar e voltou todo molhado, o que está acontecendo?
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Tudo isso para alcançar as metas |
Enfim, as ciências do comportamento têm sido resolutas em apontar que colocar pessoas sentadas em rodas e obrigá-las a fazer escolhas envolvendo caixas misteriosas, falar abertamente das suas qualidades e defeitos ou até mesmo a elaborar trabalhos envolvendo cartolinas² são instrumentos eficientes para o desenvolvimento humano.
No entanto, é claro que toda e qualquer dinâmica de grupo envolve riscos. Certa vez presenciei uma em que cada membro de um determinado departamento recebia uma folha de papel. Eles eram instruídos a amassar essa folha de papel e, com a bolinha já amassada, eram avisados que aquilo ali representava os seus problemas. Com esta informação em mente, o que é que eles fariam com a bola de papel?
O esperado é que as pessoas contemplassem a folha de papel e a desamassassem, como forma de resolver os problemas. No entanto, o que aconteceu é que os indivíduos dentro da sala começaram a jogar as bolinhas uns nos outros, promovendo uma catarse típica dos tempos de escola. Por mais que não houvesse nenhum José Serra, pronto para ser hospitalizado ao ser atingido por uma bola de papel na testa, o comportamento não era satisfatório.
Em muitos locais, estagiários foram vítimas de uma avalanche de bolas de papel. Em casos mais extremos, funcionários tentaram enfiar as bolas dentro da boca de outrem e em casos mais extremos, dentro do cu de outra pessoa, no que elas justificaram como a melhor forma de resolver problemas³.
Mesmo as dinâmicas apenas verbais, como a da Ilha Deserta - os funcionários são instados a se manifestar sobre com qual companheiro de trabalho gostariam de ir para uma ilha deserta (supostamente uma forma de apontar as qualidades que o colega de trabalho têm que poderiam ajudar a sobreviver em um Largados e Pelados imaginário/corporativo) - acabam descambando, com servidores tendo a oportunidade de manifestar seus desejos sexuais no ambiente de trabalho, que seriam melhor correspondidos em uma suposta Ilha Deserta.
Outras dinâmicas são apenas tristes, como a da memorização, na qual as pessoas precisam contar números e aos poucos esses números são substituídos por ações como bater palmas, coçar o nariz e, dependendo da quantidade de números ofertados, cutucar o toba. O último exemplo foi extremo, mas a dinâmica é triste porque ela seria incapaz de entreter crianças de sete anos, o que dirá ensinar sobre trabalho em grupo. Outra muito triste é uma chamada de "cubos solidários", nas quais as pessoas usam cartolina - olha ela aí - tesoura, cola e outros equipamentos para realizar uma série de trabalhos manuais que ao final serão julgados por uma banca avaliadora independente.
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O mais triste é que não foram crianças que fizeram essa dinâmica |
É claro que a dinâmica não termina quando ela acaba, uma vez que todos os especialistas em comportamento corporativo dizem que é preciso coletar o feedback sobre o evento. Ou seja, após participar de joguinhos perigosos no ambiente de trabalho, o vulgo colaborador ainda tem que dar uma opinião falsamente positiva sobre a experiência pela qual ele passou, porque todos nós sabemos que responder simplesmente que aquilo foi a coisa mais ridícula que você teve que viver na sua vida e que voltou para casa humilhado e contestando o sentido da vida sem encontrar nenhuma resposta por meios místicos, que enfim, falar isso não é algo muito bem visto no ambiente corporativo e pode levar à demissão e, por consequência, a busca por um novo emprego com diversas etapas de dinâmicas de grupo envolvidas no caminho.
¹ O termo colaboradores é, muito provavelmente o auge comoditização do ser humano.
² Com o advento do Power Point, é muito provável que o mercado da cartolina apenas se mantenha ativo por conta das dinâmicas de grupo. Um último suspiro até que as crianças de hoje em dia se tornem adultas especialistas em relações humanas no trabalho.
³ O que de fato vai encontrar alguma consonância com a sabedoria popular, que diria que é sempre preciso colocar no cu de outra pessoa.
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