A arte da enrolação profissional

O computador é um elemento relativamente novo em nosso cotidiano. Por mais que os primeiros dispositivos tenham surgido na década de 60, foi apenas em meados da década de 90 e, principalmente, no novo século que eles se popularizaram em nossas casas, nos nossos trabalhos em nossas vidas. Assim sendo, o funcionamento do computador com seus códigos de programação e sistemas binários é um pequeno mistério para todos nós.
Sabe o que é isso aqui? Essa porra é o Google.

Quando, de vez em quando, acontece do computador não funcionar nós precisamos contactar¹ um técnico de informática. Claro que antes nós esgotamos o nosso repertório de ações para solucionar a não conexão do computador com a internet, desligamos e religamos o modem, soltamos todos os cabos e reconectamos, desinstalamos e reinstalamos alguma coisa e então, quando nada disso deu certo, você liga para o Técnico de Informática.

O profissional de TI é uma figura bem nova na nossa sociedade. Ele carrega consigo aquela carga de conhecimento diferenciado, do cidadão que domina uma coisa totalmente diferente.  Dogmático, ele chega, observa seu computador e o ambiente ao redor e profere as palavras mágicas “mas também!”. É o código para te subjugar. A culpa por aquilo ali estar acontecendo é toda sua.
Mas também... você é a doença e eu sou a cura.
- Mas também, você está com o cabo da rede conectado e o wi-fi ligado. Assim a internet não funciona.
- Mas... sempre foi assim e a internet funcionou por dois anos, até ontem a tarde.
- Mas não era.
Notem que este profissional acredita que um computador só funciona nas CNTP (Condições Naturais de Toda a Porra).

É claro que sua culpa poderia ser explicada por outros motivos.
- Mas também, o monitor está virado para o sol.
- Mas também, o Acrobat está desindexado do protocolo.
- Mas também, você é bicha. Como você quer que seu computador funcione sabendo que você dá o rabo pra qualquer um!
- Mas também, você é judeu e foi responsável por entregar Cristo aos romanos.

Nos próximos minutos, ele irá desligar e religar o modem, mexer em todas conexões, desativar e ativar a placa, mudar a máscara de rede,abrir o prompt e digitar qualquer coisa, fazer cara de “descobri o problema”, ao analisar um número, mudar aquilo, não adiantar, mexer no computador sem usar o mouse para mostrar o seu conhecimento superior, até o momento em que a internet volta a funcionar e ele diz que a razão era que a rede e o wi-fi estavam ligados. No dia seguinte, você deixa tudo como estava antes e a internet nunca mais dá problema. O técnico volta ao seu trabalho, com o objetivo de bloquear qualquer função que desvie o funcionário do seu foco de trabalho.

Na linha evolutiva da sociedade, os técnicos de informática são os sucessores dos mecânicos, na suprema arte da enrolação profissional. Vocês sabem, de tanto que os mecânicos se especializaram em enrolar os clientes, foi criada a figura da rebimboca da parafuseta, o problema máximo dos carros. Os mecânicos levam pelo menos uma vantagem em relação aos técnicos de informática: eles têm pôsteres de mulher pelada no local de trabalho, enquanto que o TI no máximo tem um do Darth Vader.

Hoje em dia os carros são mais duráveis, não tem tantos problemas e os mecânicos perderam um pouco do seu poder de barganha. Mas mesmo assim, se seu carro não der a partida de manhã e você não conseguir resolver o problema com as soluções que estão ao seu alcance – dar a partida cinco minutos depois, levantar a tampa do motor, mexer nas conexões da bateria, olhar praquilo com um ar preocupado – você liga pro mecânico, ele vem ao seu encontro, dá uma olhada no motor e faz sua cara “mas também”. Ele começa a mexer no seu carro com um ar de reprovação que você passa a acreditar em um milagre, porque era para o seu carro já ter explodido.

Outro profissional que domina a arte da enrolação são os gestores, personificados na figura dos CEOs, sigla afrescalhada para a expressão afrescalhada “Chief Executive Officer”. A enrolação deles é baseada no domínio do vocabulário e das expressões vazias que não fazem nenhum sentido para você, mas que ele fala com tanta propriedade que você não tem como contrariá-lo, para não parecer um idiota.

Se a empresa faliu, demitiu 500 funcionários ou fechou um escritório, tudo é um “reposicionamento da marca”. Logo depois ele usará expressões como benchmarking, trending topic e brainstorming, que mesmo com o presidente da empresa preso por escravidão infantil, você vai achar que está tudo certo.

Isso porque aqui eu não vou entrar nos advogados, mestres da retórica e do domínio de expressões herméticas. Aliás, acho que já fiz um texto falando que o problema do mundo é que nós temos advogados demais participando de discussões idiotas na internet. Se não fiz, um dia irei fazer.

No fundo, a verdade é que o histórico livro “O Manual do Cara de Pau” é uma verdade absoluta. Irei montar uma Igreja que o considera como o texto sagrado que contém todo o conhecimento tangível para a humanidade.

¹Nota: este blog considera que “contactar” é muito mais legal do que “contatar”.

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