Ter um filho pequeno significa, invariavelmente, ser apresentado a novas referências culturais. Quando você menos espera, vai conhecer dezenas de desenhos infantis, decorar falas, reconhecer episódios e, em momentos mais desesperadores, gostar mais da animação do que o seu próprio filho. A seguir, faço uma análise sobre alguma das principais obras audiovisuais contemporâneas voltadas ao público infantil.
T'Choupi na Escola
T'Choupi é um garotinho francês – pelo menos eu presumo que seja um garotinho, porque os traços do desenho não permitem uma conclusão lógica sobre que espécie animal ele é (há quem diga que é um pinguim) – que estuda na melhor escola do mundo, uma unidade de ensino waldorfiana, montessoriana, frankfurtiana ou algo do tipo. Ele passa o dia inteiro brincando, andando de pônei, fazendo mágica, tendo reforço positivo de professores e pais muito compreensivos, com colegas de classe muito parceiros e todas as suas inseguranças são resolvidas naturalmente e sem traumas. Quando você bobear já está comentando com seu filho sobre como o T’Choupi é muito legal.
Misho e Robin
Desenho croata que mostra a amizade de um gato míope com um pássaro. Os dois passam o dia inteiro cozinhando, brincando no jardim com umas corujas meio pancadas, um urso branco preguiçoso, um simpático castor que manuseia ferramentas muito bem, embalados por uma afável música de apresentação e mensagens positivas para as crianças, narradas por uma locutora muito compreensiva.
Go Jetters
Aqui o negócio começa a ficar pesado. Sabe-se lá o que são os Go Jetters, mas eles ficam andando em uma espaçonave pilotada por um unicórnio colorido lutando contra um vilão bigodudo em uma trama extremamente infantil. Para piorar a música-tema (Vai lá! Vai lá! Go Jetters! Dando a volta ao mundo) é provavelmente a melodia mais irritante jamais composta pela humanidade. A melhor estratégia é evitar que seu filho saiba da existência desse desenho e, quem sabe, entrar com uma ação na Corte Internacional de Haia pedindo sua suspensão. Caso a criança tenha entrado em contato involuntário com o desenho, não hesite em desligar o padrão da casa e simular uma queda de luz. Se preciso for, permaneça sem energia em casa durante o tempo necessário para que seu filho se esqueça da existência dos Go Jetters.
Bom Dia, Martin
Todo dia o pequeno Martin acorda de uma forma diferente. Bem, é difícil saber se ele tem algum poder mágico, ou uma imaginação muito fértil ou se é só uma criança extremamente irritante tolerada pelos outros para não gerar mais chateação. Ele já acordou como uma mariposa e quase provocou uma guerra civil entre formigas e abelhas. Ele já acordou como discípulo de Leonardo da Vinci e, infelizmente, a única função desse desenho vai ser imprimir um forte desconforto emocional na vida de todos os pais que escolheram Martin como nome do seu filho.
Pingu
Clássico da TV Cultura dos anos 90, Pingu é um desenho criado por um suíço e produzido por japoneses. Retrata a vida de um jovem pinguim sapeca em uma cidade de gelo um tanto quanto perigosa. Sua animação em massinha e a ausência de linguagem falada transformaram esse desenho em um clássico do minimalismo. Pudera, Pingu é realmente uma obra fascinante, com alguns episódios instigantes, como um em que ele sai entregando cartas aleatoriamente, ou outro em que vira moda entre os pinguins da cidade a utilização de penteados extravagantes e coloridos, ou ainda quando ele joga futebol na lua com um amigo.
Pikkuli
Na grande Torre de Babel do mundo infantil, este desenho finlandês mostra a vida de um passarinho que tem medo de voar. Por vezes ele se mete em algumas situações de difícil explicação, como um episódio em que Pikkuli e seus amigos passam horas dando bicadas em um carro abandonado no meio da floresta, aparentemente sem nenhuma razão plausível. Uma boa oportunidade de deixar seu filho entretido enquanto você cumpre alguma tarefa despretensiosa.
Tina & Tony
Animação russa absolutamente cocainômana. Tina é uma elefanta e Tony um hipopótamo que cantam uma música extremamente agitada, mas muito agitada, o desenho inteiro mantém o clima lá em cima, típico de quem se utilizou de estimulantes. A animação é dublada por crianças, o que torna torturante a experiência do telespectador adulto. As tramas são absolutamente enfadonhas, por vezes tristes e só podem ter sido criadas por crianças de cinco anos não supervisionadas por maiores idade, caso contrário eu perco um pouco mais da minha fé na humanidade.
As Aventuras de Sunny Bunnies
Outro desenho russo que só pode ter sido produzido por adultos entorpecidos. Os Sunny Bunnies são umas bolinhas peludas coloridas que ficam pulando de lá para cá, mudando de cor, destruindo as coisas, em uma empolgação sem fim, acompanhados por uma trilha sonora igualmente empolgada. Não há lição de moral, arco narrativo, nada: apenas euforia, caos e transtorno.
Baby Riki
Os russos não brincam em serviço e não param de produzir desenhos para que os pais dos pequenos bolcheviques possam continuar a consumir vodca enquanto as crianças permanecem em frente da TV. Baby Riki mostra cinco bolinhas, talvez brinquedos, que demonstram uma série de sentimentos infantis diante de objetos cotidianos. Uma fofura. Pena que termine sempre com canções extremamente desnecessárias e ofensivamente ruins.
Mya Go
Mya Go, todo dia. Mya Go, que agonia. Ok, essa é apenas uma adaptação da música de abertura deste desenho irlandês. Ao que eu pesquisei sua produção conta com membros que trabalham em Peppa Pig. Também pudera, é a história de uma garotinha esperta com um irmãozinho pequeno que não faz muita coisa, com um pai meio atrapalhado, todos frequentam a escola, comem batatas, enfim. Uma Peppa Pig sem a transgressão da original.
Clube da Anittinha
Vejam vocês: Anitta, aquela mesma do Show das Poderosas, da tatuagem anal e da Skol Beats, tem um desenho infantil. Eu sinceramente nunca consegui acompanhar direito. Sei que ela canta umas músicas educativas com batida funk-infantil, mas acho que isso só pode ser um grande projeto de dominação mundial.
Senninha na Pista Maluca
Desenho baseado no (in)esquecível gibi do Senninha, lançado um pouco antes do grande piloto brasileiro morrer. O objetivo desta obra audiovisual só pode ser a de diminuir a idolatria do Ayrton Senna entre os adultos. Com uma música irritante, um enredo repetitivo e bobo e propagandas em excesso, acompanhar um único episódio completo da Pista Maluca é mais difícil do que vencer seis vezes em Mônaco.
Lucas & Emily
Dois irmãos que viajam para o Mundo da Lua em bolhas de sabão enquanto os pais estão atolados em suas rotinas domésticas. No geral esquecível, apesar da utilização de comparações estranhas, como no episódio em que o menino toma um remédio para gripe e diz que ele tem gosto de alho-poró. (Depois os irmãos vão para o mundo da fantasia onde encontram um leão gripado, que precisa tomar uma sopa e também reclama do gosto de alho-poró do remédio).
O Mundo de Nina
Desenho extremamente curioso de uma jovem latina (seria porto-riquenha? Ou mexicana?) vivendo nos Estados Unidos, junto com seus amigos e familiares latinos. Cheio de expressões como abuelita, buenos dias, e etc, a jovem Nina é muito amiga de uma estrela de brinquedo e é difícil não rolar uma compaixão com esse desenho, extremamente simpático.
Lily e a Ilha das Descobertas
Esta animação é uma grande obra de arte do ponto de vista estético. Mostra a vida da jovem Lily, uma menina que vive junto com um pai riponga em um trailer na beira do mar. O pai passa o dia inteiro a fazer sabe-se lá o que e é um mistério a forma como eles conseguem se sustentar. Lá pelas tantas, todos os dias aparece uma gaivota que avisa a menina que chegou alguma coisa na praia. A menina grita “tesouros do mar” que não são nada além de toda a sorte de lixo marítimo. Então, Lily inventa toda uma história para explicar o que é aquele plástico que apareceu na areia e embarca para a Ilha das Descobertas em um barco pilotado por um cachorro e lá encontra vários personagens. No final descobrimos que todos os brinquedos são formados por pedras, já que o pai hippie não tem dinheiro ou pretensão material para comprar alguma coisa. Crítica ao capitalismo ou miséria? Ludicidade ou abandono parental? Questionamentos.
Esta série continua outro dia já que ainda há muita coisa a ser analisada.
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