Foi um processo cheio de dúvidas. No começo, a experiência com outras doenças dizia que utilizar máscaras não era uma medida muito eficiente. Aos poucos, essa concepção foi sendo revista e o uso de máscaras faciais passou a ser amplamente estimulado, inclusive o uso de máscaras caseiras. Reportagens do Jornal Hoje ensinavam a fazer a sua própria a partir de camisas velhas. Dr. Áuzio Varella passou a falar pra usar. Leis municipais, estaduais e federais foram criadas obrigando sua utilização.
Mesmo assim, tanto tempo depois, continua a ser comum encontrar pessoas sem máscara na rua ou a utilizando de maneira completamente equivocada. Claramente não há uma razão óbvia que una este movimento dos sem máscara. É preciso fazer uma análise mais detalhada dos seus grupos heterogêneos.
Distraídos
Nunca podemos descartar a existência deles, os cidadãos alheios aos acontecimentos do mundo. Ingênuos, mal-informados, vítimas da senilidade precoce ou da falta de acompanhamento psiquiátrico desde a primeira idade, sempre vai aparecer alguém que não estava sabendo. Não vê televisão. Não tem WhatsApp. Viu alguma coisa sobre, mas não entendeu. Bem que alguém me falou. Pandemia? Tá brincando?
Esse é o cidadão que pode sair de casa para comprar um pão, andar 4 quilômetros e na chegada do estabelecimento falar “é mesmo” e voltar por igual distância sem máscara, mas estranhamente sem ser interpelado por nenhuma autoridade sanitária ou policial. Por vezes a falta de hábito leva ao erro. É preciso dar um desconto aos verdadeiros distraídos. Eles são poucos, mas existem. (Essa espécie está em extinção, pois não raramente acaba atropelada).
Com alguma desculpa
“É só rapidinho aqui”, diz aquele cara que resolve parar para conversar com você enquanto você tira uma sacola do porta-malas do carro. “Fica tranquilo que eu não tenho nada não” diz o dono de si, o verdadeiro significado da palavra são, o enviado por deus protegido contra qualquer intempérie. “Tô só respirando um ar puro aqui” diz o dono dos pulmõezinhos mais sensíveis e especiais do Planeta Terra.
Estes são os cidadãos que adaptam a velha tradição do jeitinho brasileiro para um contexto atual. Que sabem que não há mal que não possa ser contemporizado, que não há regra que não possa ser relaxada. Uma releitura atualizada que não deixa de ser completamente execrável.
Por alguma razão, esportistas acreditam que há alguma brecha na lei que permita praticar atividades físicas sem o uso de máscaras. O que mais vemos por aí é o pessoal dando aquela corridinha de fim de tarde sem máscara, para poder espalhar sua saliva e suor por um espaço ainda maior. “Não dá para correr de máscara”, diz o quase atleta olímpico, preocupado com sua performance enquanto trota marotamente pelas ruas do bairro. Pior ainda é que mesmo aquela galera que sai no começo da noite pra caminhar de calça legging, boné e camiseta polo desfila por aí sem máscara.
Os ciclistas são outro exemplo clássico. Aquele pessoal que veste roupas de cores claras berrantes com padrões distópicos, uma espécie de macacão/jaqueta elástico que deixa bem saliente a barriga e o pequeno pênis flácido, essa galera que gasta um dinheiro danado para comprar capacetes bonitos e reluzentes, sapatilhas atléticas e estéticas, joelheiras, luvas próprias para a prática do ciclismo, realizado sobre bicicletas que custam mais do que um carro popular. Eles adoram sair pedalando por aí sem máscara, para poder espalhar suas gotículas contaminadas a uma velocidade ainda maior.
Completos Arrombados
Pessoal favorável às liberdades individuais e que acha que se quiser pode sair por aí sem máscara. Cidadão de bem que apertou 17 na última eleição e diz que estamos vivendo uma histeria. Provável vítima da Indústria da Multa, compra cerveja na distribuidora para tomar no canteiro central com seu grupo de amigos igualmente arrombados, algum deles provavelmente já contaminados e curados, vivendo sua glória pessoal de um IGM positivo.
Cidadão que, ao ser recriminado pelo olhar, encara o interlocutor, finge portar uma arma na cintura e bate no peito seu orgulho de ser quem ele é. Questiona o fechamento das escolas e segue blogueiros que em breve poderão ser presos. Vai com sua caminhonete buscar a empregada na casa dela, se for preciso e apoiou a reforma trabalhista. Esse cidadão é o completo arrombado, com muito orgulho, com muito amor pela camisa amarelinha.
Máscara no Pescoço
Geralmente todos esses grupos acreditam que, por alguma razão, jamais ficarão doentes ou que, se fraquejarem, irão se curar facilmente com algum vermífugo. Todos são adeptos da máscara no pescoço. Seja para se concentrar em alguma coisa, para conversar com os outros – igualmente de pescoços mascarados – em uma sombra na calçada – porque assim, é impossível conversar de máscara, não é mesmo.
A máscara no pescoço gera um estranho paradoxo. Sua utilização é tão terrivelmente equivocada, que seria muito mais seguro sair sem nada na cara, do que ficar alternando o adorno entre o pescoço e o rosto, ainda mais com a boa e velha levada de dedo no nariz para ajeitar a posição.
Novos grupos ainda poderão ser catalogados em breve.
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