Previsão do Tempo para o Carnaval

Após uma série de notícias políticas, Heraldo Pereira anuncia que é hora da previsão do tempo. É uma sexta-feira e o titular do programa, William Bonner está de folga. 

- E agora chegou a hora da previsão do tempo, disse um animado Heraldo Pereira.


Aliás, muito mais animado do que de costume. Estamos na véspera do carnaval e a previsão do tempo é cercada de expectativa, afinal, as condições climáticas são extremamente importantes para garantir uma justa diversão aos participantes da Folia do Momo.

A animação tem explicação. Nos próximos cinco dias será ele, Heraldo Pereira, quem estará de folga. Seu primeiro carnaval sem trabalho desde 1996, a primeira vez em muito tempo em que ele não vai precisar ficar horas na Sapucaí, ou no Anhembi, ou em algum estúdio narrando a passagem da Beija-Flor, ou noticiando alguma tragédia natural, ou vídeos de pessoas bêbadas tomando um sol escaldante em suas cabeças. No fundo, Heraldo nutre uma certa expectativa de que dessa vez ele vai ser esse folião em situação quase degradante. Ele sabe toda a escala de cobertura do carnaval na Globo e tem na cabeça os blocos que ele poderá frequentar sem ser flagrado por um colega de profissão que o obrigue a dar uma opinião ao vivo sobre o evento.

Só que ele não se definiu sobre o assunto definitivamente. É a falta de costume, sabe como é. Talvez ele só aproveite o tempo para ir na praia, ou para ficar em seu apartamento assistindo uma série. Ocupamos tanto o nosso tempo com o trabalho, que quando precisamos não sabemos o que fazer com o tempo livre. Mas, o carnaval é muito democrático, sabemos todos nós.

- Eliana Marques! Como vai estar o tempo nesse feriadão de Carnaval?, pergunta um empolgado Heraldo.

Seu tom de empolgação chega a assustar Renata Vasconcellos, mais acostumada com a sobriedade do seu companheiro de bancada. Ela, Renata, está na escala de trabalho do carnaval, mas terá um dia de folga. Seu ingresso para um camarote na Sapucaí já está garantido, é um ritual que ela repete todos os anos.

A câmera corta para Eliana Marques, que já está em frente ao Chroma Key. Ela sonha com o dia em que poderá utilizar uma camisa verde, sua cor favorita, mas o Chroma Key não permite. É um pensamento vago que surge em sua cabeça toda vez que ela vai entrar no ar e se olha no monitor. Ela está vestida em tons de rosa e a imagem mostra um mapa do Brasil com vários pontos amarelos e azuis que se movem ao sabor do vento. Esta movimentação parece lógica, mas suas interpretação não é. Em casa, telespectadores do Brasil inteiro não conseguem instantaneamente interpretar se aquilo é bom ou ruim.

- Olha Heraldo, essa madrugada marca uma mudança de ciclo no fenômeno El Niño, explica Eliana.

Sua explicação vem naquele tom professoral amigável das garotas do tempo, que explicam os mais estranhos e atípicos fenômenos climáticos como se estivessem comentando se o café servido à mesa está forte ou fraco.
- Com a diminuição da temperatura do Oceano Atlântico, uma grande quantidade de nuvens deve chegar no litoral brasileiro e provocar tempestades constantes em várias cidades litorâneas, prosseguiu Eliane.

- Poxa vida!, lamentou Heraldo Pereira.

Sua decepção ficou aparente para toda a equipe técnica presente no estúdio onde o jornal era transmitido. Aquela decepção de quem tem seus planos abruptamente interrompidos pela realidade. Como o cidadão que chegou em casa um pouco atrasado e quando ligou a TV viu que já estava 2x0 para a Alemanha com 20 minutos de jogo. Só que, tal ocorreu naquele 8 de julho de 2014, os momentos seguintes ao choque de realidade foram ainda mais traumáticos para o apresentador e pretendente de folião.

- No Rio de Janeiro, grandes tempestades devem provocar ondas de grande volume na Barra da Tijuca, Leblon, Ipanema e Copacabana. A Defesa Civil acaba de emitir um alerta para que as pessoas evitem essas praias, devido ao alto risco de afogamento. A chuva também vai atrapalhar muito os blocos na Lapa e os desfiles na Sapucaí, já que são esperados 260 milímetros de chuva na segunda-feira. Este é o mesmo volume de chuva registrado em todo o verão do ano passado, sentenciou a garota do tempo.


A cabeça de Heraldo Pereira instantaneamente começou a descartar o circuito de blocos e mesmo a praia. Só restaria a TV e a oportunidade de finalmente terminar a última temporada de Sucession. Um pouco frustrante, entre outras coisas, porque ele nem gostou tanto dessa série e o fato de não poder externar esse desgosto por medo do julgamento alheio só aumentou sua angústia.

Já Renata Vasconcellos chegou a se preocupar por um momento, mas logo se tranquilizou. O camarote é coberto e ela nem gosta tanto dos desfiles assim. Ela gosta de viver o momento e o clima do carnaval, independente do que se passa na Sapucaí.

- A chuva vem forte também em Salvador, onde ondas de até cinco metros podem atrapalhar os trios elétricos no circuito Barra Ondina. Em Fortaleza, Recife e Olinda, há alerta de tempestade. Portanto, os foliões vão sofrer neste Carnaval, continuou Eliana.

A maneira como ela sublinhou a palavra sofrer não passou despercebida por Heraldo Pereira. Ao contrário de seus colegas, Eliana não vai ter folga no carnaval. Além da apresentação do Tempo no JN, ela estará em coberturas in loco dos blocos de carnaval na GloboNews. Entrevistando as tais pessoas bêbadas e expostas a um sol incalculável, sendo testemunha ocular desta epidemia de desidratação, em que ninguém, além de tudo, passa protetor solar.

- Ou seja, nada de praia. E o tempo em São Paulo, perguntou um esperançoso Heraldo.

Sua cabeça já ventilava a possibilidade de pegar uma ponte aérea de última hora, ou mesmo cinco horas de estrada pela Dutra. Dizem que o Carnaval em São Paulo tem seu charme e sua qualidade, talvez seja uma oportunidade, calculava a inquieta mente do jornalista.

- Em São Paulo também vai estar chovendo Heraldo. Essa chuva vai se concentrar na região da Augusta e nos bairros de Pinheiros e Vila Madalena, seguiu a jornalista temporal.

Seu sorriso no rosto já chegava a irritar quem estava no estúdio. As pessoas sentadas naqueles computadores ao fundo chegavam a duvidar que aquilo fosse verdade, pensavam que Eliana estaria pregando uma peça nos companheiros que iam ficar de folga.

- Então vai estar chovendo no Brasil inteiro?, questionou Heraldo.

Ele já estava pensando em mandar um SMS para sua esposa, para que ela retirasse a bebida do congelador e fizesse um chá de camomila. Sua mente se perguntava se ele seria o culpado disso tudo, se estava sendo vítima de uma perseguição individual por parte das entidades cósmicas responsáveis pela regência do clima que não aceitavam seu recesso.

- Olha só, não. O tempo vai estar ensolarado em Curitiba, Palmas e Macapá. Nessas cidades os moradores vão poder aproveitar o Carnaval, debochou seriamente Eliana.


O Chroma mostrava imagens de famílias caminhando no Jardim Botânico de Curitiba, demonstrando aquela típica desolação existencial de pessoas que vivem em cidades sem praia e que no fim de semana precisam ir até parques que não tem nada demais.

- Em Cuiabá, máxima de 48 graus, finalizou Eliane.

A câmera deixou ela e voltou a filmar Renata. Eliane desceu o palco irradiante com a desgraça alheia, pensando que talvez a cobertura dos blocos seja cancelada por conta das chuvas e ela ganhe algumas horas de folga para terminar de escutar os podcasts do Chico Felitti.

- No próximo bloco: futebol. Corinthians enfrenta Portuguesa para tentar acabar com a sequência ruim.

As imagens cortam para aquela câmera que parece estar no teto. Diferentemente do que geralmente acontece, Heraldo Pereira passa o intervalo comercial inteiro em silêncio.

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