O Boxe de Celebridades

Houve um tempo em que o destino de toda e qualquer subcelebridade nacional parecia estar atrelado ao pornô. Semana após semana os mais famosos desconhecidos do país eram anunciados como estrelas de novos filmes pornográficos, produtoras eróticas competiam por nomes vagamente conhecidos e, outrora estrelas, eram resgatadas do ostracismo por meio da penetração televisionada.

Tudo começou provavelmente com o Alexandre Frota. Hoje ele é só uma figura exótica do noticiário político nacional, mas no meio dos anos 2000 ele ainda era conhecido como um ator que estrelou novelas globais, que foi casado com a Cláudia Raia. Pois bem, um dia ele apareceu na capa de um filme pornô, no qual, ao longo de duas horas, ele transava com as mais variadas mulheres nos mais variados contextos, enredos e cenários.

Depois disso começou uma corrida. Rita Cadillac, Gretchen, Regininha Poltergeist, um ator das Chiquititas, o casal do programa do João Kleber, a sobrinha da Gretchen, a namorada da filha da Gretchen, enfim, o natal na família da Gretchen deve ter meio esquisito nessa época. Personagens eram criadas. Uma assistente de palco do Sérgio Mallandro fazia sexo anal com seu namorado. Chegamos até a Leila Lopes, que tinha sido estrela de novela das 8, mas que naquele momento claramente estava em surto, coitada.

Tudo isso era tratado com absoluta normalidade na internet. Até que um dia acabou. E terminou em tremenda ressaca moral. Não que esse tenha sido o motivo do fim, a principal causa para o abatimento do pornô de celebridades foi o mesmo da crise permanente que acomete o audiovisual desde meados dos anos 2000: a pirataria e os novos meios de divulgação, que logo tornaram qualquer mídia física em algo absolutamente obsoleto, o que foi triste para quem dependia da mídia física para sobreviver.

Anos depois chegamos ao boxe. Que praticamente não tem nenhuma relação com a pornografia, exceção feita a ausência de camisa dos protagonistas masculinos. Agora, em meados dos anos 2020, nada parece estar tão atrelado ao destino das subcelebridades como a chamada Nobre Arte.


O boxe sempre ocupou um espaço de destaque entre os esportes midiáticos. Sempre foi admirado por intelectuais. Norman Mailer escreveu um livro. Dizem que Hemingway lutava boxe. Filmes clássicos foram produzidos, como Rocky e Touro Indomável. A vida de qualquer criança que nasceu em meados dos anos 80 tinha a eventualidade de, em um sábado ou outro, ficar acordado até mais tarde para ver lutas do Mike Tyson, Evander Holyfield, Leonard Lewis, Júlio César Chávez e o Maguila.

Era uma pequena glória ficar acordado até tarde para ver dois homens musculosos se socando fortemente na cara. Eventualmente eles tentavam acertar o rim também, com tanta força que não é mistério para ninguém que boxeadores urinam sangue após a luta. Isso sem contar nas possíveis sequelas neurológicas. Se um cidadão normal for acertado por um singelo soco de um boxeador profissional, provavelmente entrará em um nocaute eterno.

Pois bem, o fato é que estamos na época do boxe das celebridades. No último fim de semana, o assunto mais comentado no Brasil foi uma luta de menos de 40 segundos entre o ex-campeão mundial Acelino Popó de Freitas e o ex-campeão do BBB, Kleber Bambam. Uma luta um tanto quanto díspar, convenhamos, mas que é uma tendência não apenas nacional, e sim um trend topic global.

O boxe se recém popularizou entre jovens, muito provavelmente por uma enorme quantidade de influenciadores digitais que começaram a praticar a luta. De alguma forma, essa é uma maneira que esses jovens têm de resgatar uma masculinidade adormecida, trazer uma virilidade para o seu cotidiano e suas inseguranças, trazer macheza para um trabalho nem um pouco másculo.

Porque o trabalho do cidadão é ficar na frente de um computador ou de um celular gravando vídeos. Ele não tem que ir até uma obra e carregar sacos de cimento nas costas, comprometer completamente a coluna lombar antes dos 30 anos, bater uma marmita de dois andares no almoço, apoiando-a sobre sua barriga. O influencer não dirige um caminhão carregado de conteúdo valioso por estradas perigosas e esburacadas e nem precisa parar para fazer suas necessidades fisiológicas em latrinas entupidas, mas tão entupidas que elas acabam por se transformar em um vulcão de merda, e depois almoçar em uma churrascaria duvidosa que provocaria infecção alimentar em 80% da humanidade. Ninguém precisa ficar parado debaixo de uma árvore se oferecendo para descarregar caminhão pesado. Carregar caixa em armazém e tirar um cochilo após o almoço deitado sobre um papelão surrado no chão. É só gravar vídeo. Para resgatar a masculinidade é preciso mostrar que você é capaz de dar soco na cara, que seria capaz de deitar alguém na porrada, testosterona pura.

Nada melhor então do que lutar publicamente e preferencialmente desafiando lutadores aposentados. É uma tendência da atual geração também, que acredita que facilmente pode ser considerado um especialista em sua área de interesse. O menino que joga Fórmula 1 em um simulador acha que ganharia do Lewis Hamilton em uma corrida de verdade. O cara que leu uns artigos na internet acha que pode desmentir um doutor. Outro que treina boxe três vezes por semana tem certeza que pode bater na cara do Popó.

Até o momento, Popó já foi capaz de surrar Whinderson Nunes, Júnior Dublê - seja lá quem ele seja, e Kleber Bambam, se não me falha a memória, mostrando que a diferença entre um profissional, mesmo aposentado, e um amador praticante é enorme. 

Há aí outro aspecto, que é um prazer quase mórbido em ver esses cidadãos apanhando violentamente. E talvez esteja aí o entretenimento do futuro. Pagaremos dinheiro para ver pessoas sendo espancadas por um profissional nos ringues.

Já há torcida para que Pablo Marçal, depois de aprender boxe em uma noite e começar a dar aula na manhã seguinte, aceite lutar com o Popó. Seria ótimo ver um filho do Bolsonaro aceitando esse desafio. Quantas pessoas não seriam deliciosamente espancadas em rede nacional, para deleite do público.

Enfim, acho que isso não irá ocorrer. Como dito anteriormente, o pornô de celebridades terminou em ressaca moral. Nenhum dos famosos que entrou neste ramo por dinheiro tem orgulho disso. Todos tiveram sua intimidade tão cruelmente devastada, que suas vidas nunca mais voltaram ao normal.

Há uma chance de que isso ocorra no boxe. Se não pela intimidade ferida, mas pelo orgulho mesmo. Por um dia parar para pensar no que você estava fazendo, tomando porrada na cara para ganhar dinheiro, sendo reconhecido na rua como um cara que caiu no chão após 30 segundos de porrada do Popó. Ou quando as sequelas neurológicas começarem a aparecer, tremores, falta de memória e tantas outras condições que hoje são associadas a quem levou tanto soco na cabeça ao longo da vida.

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