Você está fazendo isso errado

Fenômeno contemporâneo da atualidade, vídeos e anúncios de que você está fazendo algo absolutamente banal de forma errada têm ocupado enorme espaço dentro dos grandes galpões cheios de equipamentos disponibilizados pelas Big Techs localizados no Vale do Silício para armazenar dados. Todo dia, invariavelmente, você vai se deparar com um anúncio escandaloso dizendo que você está, sei lá, segurando um garfo de maneira errada.

Este conteúdo é altamente viral porque promete ressignificar uma série de experiências absolutamente corriqueiras. Caramba, se alguém fala que você está manuseando uma banana de forma errada, é claro que você vai querer saber do que se trata. Poucas coisas podem ser mais banais do que uma banana e se partirmos para uma investigação léxica, é provável que banal e banana  tenham origem em uma mesma palavra do latim, do romanche ou do tupi-guarani.


A banana é a fruta mais intuitiva de todas. Qualquer criança tem a capacidade de retirar sua casca para comê-la. Especialistas chegam a dizer que o trabalho de um designer nada mais é do que criar algo tão simples quanto uma banana. Como é que alguém pode utilizar uma banana de forma errada? As pessoas estão enfiando ela no rabo? Ou será que o correto é enfiar a banana no cu? Que história é essa?

Bem, no fim das contas o resultado é um cidadão cortando a banana de maneira abominável, decepando as pontas e dando uma porrada no meio, fazendo voar banana para todo lado e tentando te convencer de que isso sim é legal, que o bom é cagar sua cozinha de banana, em vez de simplesmente segurar a fruta com sua mão esquerda enquanto retira a casca precisamente com a mão direita (as mãos se invertem se você estiver entre os 9,34% de canhotos do Brasil).

As frutas estão entre os itens favoritos desses vídeos. Há por aí imagens de cidadãos fazendo estripulias com um abacaxi, operando cirurgias visuais em laranjas e tentando te convencer de que tudo isso é fácil e que o autor do vídeo é um guia de luz no meio da escuridão do desconhecimento. Mas é claro que há outros objetos de estudo.

O panetone é um que sempre viraliza nessa época do ano. Uma vendedora lá da Cacau Show, Kopenhagen ou loja similar retira o Pão Que o Padeiro Toni amassou de dentro da caixa, deita ele de ladinho e começa a fatiar o bicho, como se fosse um pão de forma. A internet inteira se queda abismada e pessoas do mundo inteiro começam a fazer o experimento em casa, sem se dar conta de que, caramba, isso acaba fazendo com que uma única pessoa coma o topo do panetone, o que pode ser um mergulho em direção a diabetes, caso a oferenda natalina seja do tipo que tem cobertura.

As afirmações de que você está fazendo isso errado também abrangem o mercado profissional, fruto direto da espetacularização coach dos últimos 10 anos. Você está investindo na bolsa errado, sendo um profissional de RH de forma errada. Marketing digital, auditoria fiscal, montagem de currículo e, inclusive, participar da missa, me informa a busca do Google, estão entre as abordagens incorretas. Mais uma vez, fico aqui na dúvida se as pessoas estão passando a mão na bunda do padre ou se deveriam fazer isso.

Bem, não resisto e acabo entrando no site do Padre Paulo Ricardo que publicou esse texto. Sim, o Padre se chama Paulo Ricardo, mas não é possível saber se esse é um novo direcionamento musical tomado pelo ex-cantor da banda RPM, famoso por seu Olhar 43 e pela música tema do BBB. Confesso que, tomado pela expectativa, não entendi nada do texto escrito pelo padre homônimo, um apanhado de teorias sobre a liturgia católica.

No Youtube, esse conteúdo viral é ainda mais popular, tendo um foco grande em exercícios físicos. Aparentemente, as pessoas não estão sabendo como ficarem marombadas. Até chegarmos ao grande caso de todos os tempos, que é um urologista que disse que todos nós, sim, absolutamente toda a humanidade está bebendo água de maneira equivocada.

Esse anúncio gerou uma comoção, sobre as pessoas especulando se seria necessário introduzir a água por outros orifícios, mas bem, na verdade o vídeo mostra um profissional que resolveu dizer que outros profissionais estão errados, ou entrando em contradição, e enfim, parece que ele não quer que as pessoas bebam dois litros de água todos os dias. O vídeo é longuíssimo e absolutamente desinteressante, o que mostra que, sim, um título bombástico é importante, porque nenhum maluco clicaria em um vídeo de um médico de barbinha falando 11 minutos sobre osmolaridade plasmática sem uma boa chamada.

Pois bem, concluo esse texto dizendo que não duvido, em absoluto, que as pessoas estejam fazendo coisas da maneira errada. Mas, provavelmente, o maior erro de todos está na maneira como se usa a internet.

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