O Ato de Sentar

Sentar sempre foi um verbo insosso da língua portuguesa. Verbo transitivo indireto na maioria das vezes, representa a passividade daqueles que esperavam sentados para não ficarem cansados.

Convidar alguém para sentar sempre foi um atitude educada. Um oferecimento de conforto, para que a força da gravidade não provocasse dores nas juntas e articulações da pessoa que antes permanecia em pé. Um exemplo de educação nos transportes coletivos lotados país afora.

No campo poético, era difícil fazer arte com o verbo sentar. Seria um bom conselho, ou uma ordem para que alguém se acalmasse. "Senta aqui, espera que eu não terminei", cantava Marcelo Camelo em uma música do Los Hermanos cujo nome me escapa da memória.

Isso no entanto mudou nos últimos anos. O verbo sentar se transformou em um protagonista do nosso idioma, tudo isso graças a sua mutação em uma metáfora sexual. Hoje em dia, quando se fala sobre alguém sentando, não imaginamos que o cidadão vá repousar suas nádegas em uma cadeira, em uma confortável poltrona, no chão, ou na areia com o objetivo de aliviar a fadiga nas pernas.

Agora você vai sentar

A sentada se dará sobre uma piroca rígida. Sentar virou um sinônimo de ato sexual.

Talvez a primeira vez que eu tenha escutado uma música em que sentar tinha conotação sexual era no funk do "Caubói Viado", um hit na época em que eu entrei na faculdade há 18 anos. A canção contava com um pastiche de narrador de rodeio descrevendo um trabalhador de rodeios homossexual que gostava de sentar no cavalo apenas para empinar o rabo.

Totalmente desaconselhável para qualquer padrão de convivência da sociedade atual, o funk do Caubói Viado é de certa forma inocente, por não sugerir que o vaqueiro queira ser penetrado por um pênis ereto, seu único objetivo é exibir seus glúteos. 

Lá por 2017 estourou nos ambientes de academia um funk em que dois MCs, um deles imitando os trejeitos de um tenor, cantavam uma letra cujo refrão era "agora você vai sentar. Vai sentar. Vai sentar. Vai sentar". Não havia muito mais contexto para essas afirmações, mas ficava claro que os interlocutores estavam ordenando a mulher objeto da canção (por hora chamada de potranca, malandra e ainda menina) a se agachar sobre um pau duro.

No carnaval de 2018, MC Loma transformou sua minimalista canção "Envolvimento" no improvável hit do carnaval. Em frente a paredes descascadas e às inconfundíveis gêmeas lacração, Loma cantava basicamente "sento, sento, sento, sento e quico devagar". Ele dizia inclusive que iria ensinar os ouvintes a sentar e rebolar. O que nos leva a conclusão de que o ato sexual moderno tem pelo menos três movimentos: sentar, quicar e rebolar.

Hoje em dia, a situação está fora de controle.

Praticamente todas as canções de Luisa Sonza falam sobre sentar, não deixando nenhuma dúvida de que a sentada será sobre um volumoso corpo cavernoso. (É preciso ser justo e lembrar que Sonza não canta apenas sobre sentar. Ela também canta sobre mamar). Uma breve audição não selecionada nas rádios do país é capaz de nos proporcionar inúmeros exemplos, com canções que convidam ou ordenam outra pessoa a sentar na geba do cantor, sem metáforas ou subjetividades. Afinal, a música atual eliminou a subjetividade.

Penso então, na música do Marcelo Camelo, aquela do "Senta aqui, espera que eu não terminei". Escutada hoje em dia, ela seria claramente entendida como uma afirmação para que a mulher não interrompesse o ato sexual, uma vez que o homem ainda não teria conseguido ejacular.

(Confesso que ainda não pensei em qual é a interpretação contemporânea para Verdade Chinesa do Emílio Santiago, o improvável nome daquela canção cujo refrão é "Senta, a vontade, tá em casa, toma um copo, dá um tempo que a tristeza vai passar).

No fim das contas, nós nunca temos como descobrir qual vai ser a interpretação e o sentido das palavras do futuro. Um dia talvez o verbo "pavimentar" se transforme em sinônimo de sexo anal e as pessoas que trabalham com obras públicas não terão mais paz. O inocente verbo passar talvez ganhe conotações impróprias para o horário nobre da TV Brasileira, e aquele clássico do Chico Buarque se torne extremamente ofensivo. Não sabemos.

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