Os 15 anos do Padre dos Balões

Quinze anos é um desses números cabalísticos, celebrados sempre que alguma efeméride atinge esta marca. Seja nos bailes de debutantes da vida, com adolescentes bem vestidos e celebridades cobrando por presença VIP. Ou, seja nas grandes tragédias, grandes fatos. O 15 acaba por ser mais forte do que o 20, concorre com o 10 e não supera os 25, apesar de ganhar dos 30. Quem explica?

Algumas coisas não se explicam, assim como o debutante da eternidade de hoje, o Padre Adelir Antônio de Carli. O sacerdote que aos 41 anos de vida saiu da vida para entrar na história, ou subir para a história, antes de cair fragorosamente. Há 15 anos a história do Padre dos Balões se tornou um marco na história brasileira.

Para quem não se lembra, o evento chegou a ser filmado de forma meio amadora. Sob um céu nublado e temeroso, Adelir se amarrou em mil balões de gás hélio e prometeu fazer um voo de 20 horas de duração, saindo de Paranaguá (PR), onde comandava a paróquia, para ir até Dourados. Uma distância de aproximadamente 900 quilômetros, que pode ser percorrida em 14 horas de estrada. Mas a obviedade é para os fracos.

Os objetivos não ficaram claros à época, mas depois soube-se que ele pretendia chamar a atenção e arrecadar fundos para a construção de um grande dormitório de caminhoneiros, empreitada tocada por sua Igreja, para que os motoristas pudessem dormir confortavelmente e não precisassem se drogar na estrada. Ele era paraquedista e já havia feito um voo de quatro horas de duração, amarrados a balões. Seu voo de 20 horas deveria ser um novo recorde mundial da modalidade.

O céu, como foi dito, não convidava ninguém para um voo na manhã daquele dia 20 de abril na portuária cidade de Paranaguá. Não era, por assim dizer, um céu de brigadeiro. Mas, um bom padre jamais teme os céus. Adelir se amarrou em seus balões e alçou voo. Estava munido de paraquedas, telefone por satélite e um GPS.

As imagens do padre alçando voo são parte do imaginário brasileiro. Aquele céu cinzento, um padre, veja bem ele era um padre, deveria estar lá fazendo sermão na igreja e benzendo hóstia, mas esse padre estava levantando voo amarrado em mil balões inflados com gás hélio. Parecia um daqueles desafios patrocinados pela Red Bull, mas com um padre. Diversos fiéis e curiosos observavam a cena com espantosa normalidade. Aquela normalidade que precede às tragédias. Ninguém ali se dignou a alertar os outros que aquilo iria dar merda. Ninguém segurou o padre e falou "pensa bem".
O Padre abençoou todos antes de ser alçado aos céus. No chão as pessoas comemoravam enquanto ele desaparecia no meio das nuvens.


Todos sabem como se comportam os balões de hélio (He 2, localizado bem no topo do canto direito da tabela periódica, inaugurando a prodigiosa coluna dos gases nobres). Todo mundo um dia já foi uma criança que portou um balão inflado com hélio, que em determinado momento tragicamente se desprendeu de suas mãos e voou rumo ao infinito diante das suas lágrimas descontroladas. Muita gente já esteve presente em casamentos, batizados, que em algum momento contavam com a distribuição de balões de hélio, que deveriam ser soltos simultaneamente, proporcionando um belo espetáculo visual. Os noivos se beijam e os balões sobem e sobem, até não poderem ser mais observados. Até serem atingidos por um pássaro, ou entupirem a turbina de um avião, ou simplesmente estourarem diante de condições de temperatura e pressão adversas, retornando ao solo e caindo em local imprevisível, talvez poluindo os mares, ajudando a criar ilhas de detritos humanos no meio do Oceano Pacífico.

Pois foi quase isso que aconteceu com o padre dos balões, que no fim acabou caindo no Oceano Atlântico. Logo após alçar voo, relatou pelo celular que estava tudo bem, mas que estava bem frio. Depois voltou a falar que precisava que alguém lhe ensinasse a usar o GPS, o que pensando bem, era uma preocupação importante, mas uma dúvida que deveria ter sido sanada antes de alçar voo. No fim da tarde ele sobrevoava Santa Catarina, o que significa que seu voo que deveria partir para o Noroeste, acabou indo na direção Sudeste. Os ventos o levaram para o Atlântico e não houve paraquedas que salvasse. 

Em Dourados e em Paranaguá, fiéis esperavam sua aterrissagem. Dias depois os balões foram vistos no mar. Alguns meses depois, pedaços do seu corpo foram encontrados no Rio de Janeiro. O padre virou piada, apesar de ainda morar no coração dos seus discípulos.

Nunca mais um padre saiu por aí amarrado em balões. Talvez ninguém nunca mais tenha feito isso. Um dormitório de caminhoneiros acabou erguido próximo ao porto paranaense, mas hoje ele está desativado. Caminhoneiros seguem se drogando por aí e o padre, esse sim, elevou seu nome para a história. Que seja homenageado com nome de ruas e avenidas e prêmios para iniciativas inovadoras sobre Segurança no Trabalho.

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