Barber Shop


Talvez estejamos presenciando um momento chave do nosso século, com a explosão da bolha das barber shops. As modernas barbearias de estilo retrô são um dos principais fenômenos do nosso tempo, ao lado talvez dos podcasts filmados. Após um período de crescimento desenfreado, pararam de surgir novas lojas e talvez algumas estejam fechando as portas.

Para os homens, cortar o cabelo sempre foi um ato extremamente burocrático. Uma atitude nada apoteótica, quase apática. Quase mensalmente, quando o cabelo começava a ficar incontrolável, o cidadão se dirigia até um salão, um ambiente geralmente insípido. Lá dentro, um velho cabelereiro, com um maço de cigarro no bolso da camisa, cortava mecanicamente dezenas de cabelos, atendendo mínimas variações sugeridas pelos clientes.

Havia sempre uma TV ligada com o volume baixo, um rádio que invariavelmente anunciava os resultados do jogo do bicho. Uma pilha de jornais, revistas playboys totalmente amassadas. Alguns clientes comentavam as notícias, outros falavam de futebol, muitos permaneciam em silêncio esperando o momento em que o trabalho fosse finalizado.

Mas, em algum momento, alguma brilhante mente teve a ideia de dar uma nova dimensão a este ato banal. Cortar o cabelo virou sinônimo de coisa de macho. Talvez seja uma resposta ao metrossexualismo personificado por David Beckham no começo dos anos 2000, ou uma tentativa de masculinizar o cuidado com a aparência. 

As barber shops são movimentos tipicamente conservadores, que buscam o resgate de um passado idealizado. Saíram de cena os senhores de mãos já trêmulas e as revistas playboy, que afinal, já nem existem mais. Os novos salões são dominados por jovens tatuados, de cabelos estilosos e uniforme. O chão quadriculado, as paredes de tijolinho ou cimento queimado. A logomarca mostra uma caveira tatuada com coque samurai e barba de lenhador, ou algo do tipo. Dois pirulitos coloridos adornam a decoração minimamente planejada para resgatar esse passado imaginado.

Teoricamente, é para que esse salão se pareça com o lugar onde seu avô cortava o cabelo. É o storytelling. Um ambiente de machos, frequentados por machos, onde toda a santidade da masculinidade estará protegida dos perigos mundanos. Invariavelmente esses salões tem mesas de sinuca e, é claro, cerveja. Desde as mais simples, passando por APAS, IPAS, infusionadas, saborizadas e etc. 

É um lugar onde o homem vai poder beber cerveja, jogar sinuca, falar coisas de homem sem correr o risco de aparecer um homossexual querendo passar um esmalte na sua unha. Se for para passar esmalte na unha, que seja outro macho porra. Se acontecer alguma coisa é na broderagem. Coisa de macho.

Esses salões começaram a surgir lá pelos idos de 2010, mas na segunda metade da década passada começaram a surgir em profusão. Toda vez que um imóvel passava por reforma, poderíamos saber que de lá surgiria um novo salão de barbeiro. Ou uma farmácia. Ou uma igreja evangélica. Ou um subway.

A coisa começou a ficar fora de controle. Em pouco tempo já não existiam mais salões unissex como todos da minha geração estavam acostumado. De um lado estavam os barber shops masculinos, do outro os salões estilo SPA para as mulheres, que serviam roupões e champanhe durante um longo dia de cuidados estéticos.

Apenas na rua principal do meu bairro eu conto que pelo menos sete salões desse tipo surgiram. Em várias outras ruas, em vários outros bairros, em muitas esquinas era só bater o olho para achar o pirulito giratório, a caveira de coque, o cabelereiro uniformizado com o cabelo descolorido. Nem que todos os homens cortassem seus cabelo todos os dias haveria demanda suficiente para o tanto de estabelecimentos que surgiam.

Mas veja bem. Dois dos salões aqui do bairro já fecharam. Quando uma casa começa a ser reformada, logo descobriremos que será uma nova farmácia. Me parece que ninguém mais pensa em abrir um barber shop. O senhor de 84 anos que tem um salão normal e viu o movimento desaparecer em anos recentes já voltou a cortar alguns cabelos diariamente com a TV passando um debate esportivo no fundo.

Talvez seja uma volta à normalidade.

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