O Coração de Dom Pedro



Sinal inequívoco do abuso de drogas alucinógenas, o Brasil embarcou em uma Bad Trip envolvendo o coração de um renomado cidadão falecido no ano de 1834. Como parte das comemorações do bicentenário da independência brasileira, o Governo Brasileiro solicitou ao Governo Português, que o coração embalsamado de Dom Pedro I, ou Pedro IV de Portugal, viesse passear no Brasil.

Carregado em uma urna prateada, o músculo embebido em formol foi recebido com honras de chefe de Estado e show da esquadrilha da fumaça. O objetivo da mórbida viagem foi eleitoral: por alguma razão pessoas próximas ao presidente acreditavam que a imagem da carne em conserva comoveria a população e conquistaria votos para o nosso mandatário. A ideia teria partido de uma médica que nega a ciência. Um enredo fantástico.

Dom Pedro I

Nascido em 12 de Outubro de 1798, Pedro de Alcântara Francisco Antônio João Carlos Xavier de Paula Miguel Rafael Joaquim José Gonzaga Pascoal Cipriano Serafim de Bragança e Bourbon foi o quarto filho, segundo homem, de João VI e Carlota Joaquina. Tudo apontava que seria mais um descendente inútil da monarquia, mas o trágico falecimento de seu irmão mais velho, Francisco Antônio, o transformou em herdeiro da porra toda.

“Do Porto ao Faro, além mar o Brasil. De Angola a Moçambique, Cabo Verde e Guiné-Bissau. Timor-Leste e uma porrada de cidades na Índia. Tudo isso será seu”, dizia Dom João VI com seu sotaque português do século 18.

O jovem crescia nas ruas de Lisboa, mas em 1808 os planos foram alterados e sua família precisou fugir para o Brasil para escapar do Exército de Napoleão, que já batia às portas do Palácio de Queluz. Pedrinho passou sua juventude nesse país tropical, abençoado por Deus, não chegou a ter uma nega chamada Tereza, nem a torcer pelo Flamengo, mas cá teve 14 filhos com 5 mulheres diferentes.

O Grito

Depois que a situação se acalmou na Europa, Dom João VI  resolveu voltar, não muito feliz, para Portugal. Pedro resolveu ficar por aqui, o que faz com que o processo de independência tenha um aspecto muito mais de crise geracional familiar do que de construção política. (Bem, é claro que há muita política e economia por trás, afinal, não é coincidência que todos os países da América Latina tenham se tornado independentes na mesma época. Mas aí eu teria que escrever livros que já foram escritos). 

Foi na beira do córrego do Ipiranga que Pedro Bourbon gritou "Independência ou Morte", e mais do que uma guerra, teve início um processo diplomático que envolveu pagamento de dinheiro pelo reconhecimento do processo. Foi quase um desquite.

A Coroação de Pedro

Imperador do Brasil, Alcântara Francisco continuava sendo herdeiro do trono português. E, seguindo o destino natural da vida, seu pai veio à óbito no dia 10 de março de 1826.  Ele então virou o Pedro VI de Portugal e, bem, quando alguém vira imperador de dois países, eles acabam se unindo de novo. Talvez Pedro tenha perdido a oportunidade de transformar Portugal em colônia do Brasil.

Mas o fato é que ele logo abdicou do trono, passando o comando a sua filha mais velha, Maria (Seus dois filhos homens morreram, um no parto, outro antes de completar um ano). Maria tinha então 7 anos.

Quem não gostou da situação foi seu irmão mais novo, Miguel, que apelou para a tese de que, tendo promovido a independência brasileira, Pedro teria claramente abdicado da linha sucessória o que faria dele, Miguel, o rei de Portugal. Mas, naquela época não havia muito tempo para discussões em tribunais e Miguel apelou para um procedimento conhecido como Guerra Civil. (Antes de chegar a esse ponto, Pedro acertou que logo que sua filha tivesse idade suficiente, iria se casar com o tio para pacificar o país gerando uma prole incestuosa).

Com isso, Pedro acabou abdicando do reino brasileiro, em favor de seu filho Pedro II, então com 6 anos, mostrando que o primeiro imperador brasileiro não tinha nenhuma responsabilidade parental. Tampouco administrativa. Em busca do controle hereditário do poder, ele resolveu colocar duas crianças para comandarem dois países. Enfim, Pedro passou o comando para o Pedro Junior e partiu para Portugal, para lutar na guerra civil em defesa dos direitos da sua filha, afinal, ela era rainha porque mereceu.

O Coração de Pedro

Foi uma longa batalha, na qual Pedro não hesitou em lutar no fronte, transpassando inimigos com espadas e tudo mais. No fim, ele se sagrou vencedor da disputa e a menina Maria, então com 15 anos, reascendeu ao trono, naquele que foi o baile de debutantes mais excêntrico de todos os tempos.

Poucos meses após o fim da guerra, pai de dois imperadores, mas abatido pela insalubridade daqueles tempos, Pedro Cipriano Bragança faleceu. Foi nesse momento então, diante do cadáver, que alguém pensou "vou tirar essa merda e botar no formol". E assim foi feito. 

Dizem que a retirada foi um pedido do próprio Dom Pedro, por vaidade ou seja lá o que for. Ele pediu que seu coração fosse colocado em uma Igreja no Porto - Porto, no caso, é uma cidade de Portugal, e seus restos mortais foram enterrados em um mausoléu da família em Lisboa. Em 1972 o que restou do seu corpo foi trasladado para o Monumento da Independência, às margens plácidas do Ipiranga, em São Paulo.

Aspectos visuais

Exposto em uma grande suqueira, o coração de Dom Pedro I tem aspecto inchado, como se o Imperador sofresse de uma grande insuficiência cardiaca. A cor do músculo varia entre o cinza e o amarelo, com alguns pálidos resquícios cor de rosa. Graças às ilusões óticas promovidas pelo contato entre a luz e o líquido de conserva, por vezes o órgão se apresenta completamente destrambelhado, como se fosse um polvo em decomposição, ou como se uma pessoa tivesse defecado um polvo em momento de fúria. O cheiro tende ao fétido e o sabor deve lembrar pickles. No geral, é um reforço pela luta vegetariana no país.

E pensar que daqui a alguns anos os livros revisionistas relatarão como o Imperador Jair I do Brasil, mandou que seu pênis fosse retirado, plastificado e exibido em praça pública.

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