Balanço das Olimpíadas 2020

Já uma tradição desse blog



1) Treta Radical
Primeiro Gabriel Medina e sua esposa Yasmin Brunet provocaram um escândalo por conta da negativa do Comitê Olímpico Brasileiro em conceder uma credencial para ela. Depois, a skatista Letícia Bufoni gravou um vídeo em clima de paquera na vila olímpica. Na sequência descobrimos que ela já teve uma amizade colorida com Medina, o que talvez explicasse a insistência de Yasmin. Entre boatos de que até hoje Letícia envia nudes para Medina, a competição de skate começou e dois brasileiros ganharam medalhas de prata. Descobrimos que um deles, Kelvin Hoefler, era o excluído do rolê, e que o skate brasileiro era recheado de tretas. No surf, Medina ficou sem medalha em decisão polêmica, Yasmin declarou guerra ao Japão e, por fim, descobrimos que Medina é meio babaca das ideias. O brasileiro outsider Ítalo Ferreira levou o ouro.

Mas, nem só de tretas vive o skate. Os competidores demonstraram uma felicidade tão genuína pelas conquistas alheias, que até o Barão de Coubertin ficaria meio indignado com essa camaradagem.

2) Rebeca Andrade
Ninguém prestava muita atenção em Rebeca Andrade e poucos se lembravam de sua existência até ela se apresentar no solo da fase classificatória ao som de Baile de Favela. Mas, justiça seja feita, seu solo era apenas bom, excelentes eram seus saltos sobre o cavalo. Dois dias depois de uma medalha de prata no individual geral, que poderia ser ouro não fosse um pisão fora do tablado, Rebeca saltou absoluta para a medalha de ouro.



3) Natação Pós-Phelps
Nos últimos quatro jogos olímpicos nos acostumamos com a onipresença de Michael Phelps nas piscinas. Em Tóquio, ele esteve presente apenas na condição de comentarista de TV, deixando um vácuo de poder nas piscinas. Podemos dizer que ele foi ocupado por outro estadunidense, Caeleb Dressel, ganhador de cinco medalhas de ouro. Mas ninguém tem tanto carisma assim. Assistimos um tunisiano de 18 anos surgir do nada para ganhar um ouro nos 400 metros. Ariarne Titmus e Katie Ledecky estabeleceram um grande duelo nas provas de média e longa distância e a australiana Emma McKeon colecionou medalhas. O Brasil voltou ao pódio duas vezes nas piscinas, mas prendeu o fôlego mesmo com a atuação devastadora de Ana Marcela Cunha na apoteótica maratona aquática. Medalha de ouro.

4) Invasores da Praia
Foi-se o tempo em que o Brasil dominava as quadras olímpicas de areia. Nesta edição, pela primeira vez desde que o vôlei de praia foi introduzido nos jogos, o Brasil ficou sem nenhuma medalha. Fomos eliminados por alemãs, suíças e letões, países, que vejam vocês, não são nem um pouco ligados às praias. No feminino o ouro ficou com norte-americanas, enquanto que no masculino noruegueses levaram o ouro contra os russos, com atletas do Qatar completando o pódio. Vejam vocês que, nem Rússia e nem Noruega têm praias. Arrisco dizer que nem o sol eles conhecem direito. O caso da Noruega é pior, porque eles nem são conhecidos por jogar vôlei. É um absurdo que esses países nórdicos venham ameaçar a nossa reserva de mercado, enquanto mantém a intocabilidade deles nas olímpiadas de inverno. Nós não ameaçamos seu curling, portanto não venham invadir a nossa praia!

5) Pizza voadora
Com a saída de cena de Usain Bolt, ficou uma dúvida sobre quem é que iria assumir o protagonismo das provas de velocidade. Pois, eis que, para a surpresa de todos, esse papel coube a Itália, país que nunca foi famoso por ser rápido nas pistas. Marcell Jacobs, americano de nascimento, levou a medalha nos 100m. Poucos dias depois, a equipe italiana do revezamento 4x100 repetiu a façanha com uma arrancada final impressionante. No feminino, a jamaicana Elaine Thompson conquistou os 100 e os 200 metros pela segunda vez, além do revezamento, mostrando que ela é quem realmente sucede o reinado de Bolt. Aliás, na final dos 100 metros, as três primeiras colocadas foram jamaicanas e Elaine pareceu um tanto quanto excluída pelas outras duas. Uma pena que os investigadores de tretas brasileiras não tenham se aprofundado no assunto.



6) Medalha Compartilhada
Enquanto Marcell Jacobs se recuperava do esforço e da surpresa de sua vitória, ele foi agarrado por um cidadão enrolado em uma bandeira da Itália. Era, claro, Gianmarco Tamberi, que havia acabado de vencer a prova do salto em altura. O ouro do efusivo Tamberi veio depois de ele e o catari Mutaz Barshim empatarem na competição. Com o empate definido o juiz veio falar que eles poderiam dividir a conquista, ou então, lutar até a morte por ela. Ambos preferiram a divisão, para vergonha de alguns mais fundamentalistas. A história ganhou contornos cinematográficos quando Tamberi lembrou que havia sofrido uma lesão no tornozelo que derrubou seu desempenho e, depois de ter pensado em desistir, foi convencido a voltar justamente por Barshim.

7) Isaquias
Imagine nascer no interior da Bahia e, depois de perder um rim e sofrer queimaduras pelo corpo, decidir que seria canoísta. Imagine chegar nas Olimpíadas e participar de uma prova que, em toda história, foi vencida apenas por europeus. Imagine chegar lá e vencer esses caras todos, com uma segura margem de vantagem. Esse é Isaquias Queiroz. Depois de três medalhas nos jogos do Rio de Janeiro, ele conquistou um ouro em Tóquio e se firmou como um dos nossos maiores atletas em todos os tempos, com direito a hadouken no pódio e pedido pela volta da TV Globinho.

Ainda na canoagem, vale destacar a neozelandesa, ganhadora de três medalhas de ouro - sendo duas no mesmo dia, em um esporte que a gente cansa só de assistir.

8) Vôlei Feminino
A equipe brasileira chegou longe de estar entre as grandes favoritas, mas aos poucos foi vencendo suas partidas, alimentando a esperança da torcida e uma série de fanfics lésbicas, uma atração a parte. Ficção ou realidade? Difícil saber. O fato é que o carinho da levantadora Roberta pela medalha de prata ficará para a história.



9) A holandesa voadora
Sifan Hassan nasceu na Etiópia, mas precisou deixar o país para sobreviver. Na Holanda, se descobriu corredora, uma das melhores de sua geração. Faturou duas medalhas de ouro, nos 5 mil metros e nos 10 mil metros, está última, com uma arrancada impressionante na reta final. Além disso, conquistou o bronze nos 1.500 metros, mas foi nessa prova que registrou sua cena mais marcante. No começo da última volta da bateria de classificação, Hassan tropeçou em outra atleta que havia caído no chão e também desabou. Tropeços no atletismo costumam a ser fatais, porque o atleta não consegue recuperar o ritmo necessário. Pois Hassan partiu em alta velocidade e em uma volta ultrapassou todas as suas concorrentes para vencer a bateria, uma das grandes façanhas dessa edição.



10) Perfeição chinesa
Quan Hongchan nasceu em março de 2007 na cidade chinesa de Mazhang. Em outubro do ano passado ela passou a competir nas provas de saltos ornamentais como forma de ajudar sua mãe, que tem problemas de saúde. Dessa forma, o atraso em um ano dos Jogos Olímpicos foram essenciais para ela. Em pouco tempo ela se transformou em um fenômeno dos saltos e, em Tóquio, conquistou o ouro na plataforma dos 10 metros com 3 saltos notas 10. Em um deles, todos os juízes deram nota 10, o que deve ser algo inédito. De fato, seus saltos não parecem uma obra humana e sua precisão e leveza são de uma beleza impressionante.



11) Eliud Kipchoge
Dizem por aí que a maratona é uma prova que se define nos 10 ou 12 km finais. Até os 30 km, vários atletas conseguem manter o ritmo, mas só alguns poucos terão força para aumentá-lo em busca da vitória. Pois foi o que Kipchoge fez. O maior maratonista de todos os tempos se manteve no bolo até a marca exata de 30 km. A partir daí, resolveu que precisava correr sozinho e acelerou. Foi se distanciando cada vez mais e, enquanto alguns desistiam pelo calor, abriu mais de um minuto de vantagem, cruzou a linha de chegada sorrindo e sem demonstrar cansaço. Um fenômeno a ser admirado.

12) Merece pra caralho
Hebert Conceição ganhou atenção quando venceu sua luta pelas quartas-de-final do boxe masculino. Após garantir no mínimo a medalha de bronze, virou-se para as câmeras e disse “Eu mereço pra caralho, eu treino pra caralho”. Não houve quem não concordasse. Depois de ter sua melhor atuação na semifinal, Hebert sofreu na final, uma vez que seu adversário apostava em ficar o tempo inteiro andando para a frente e batendo de forma desordenada, como forma de mostrar mais atitude, impedir a luta do adversário e conquistar a simpatia dos juízes. Depois de perder os dois primeiros rounds dessa forma, só restava a Hebert conseguir um nocaute. E ele conseguiu, atingindo um cruzado de esquerda no nariz do seu oponente, que desabou como se o chão embaixo dos seus pés tivesse desaparecido. Um ouro impressionante.



13) Trânsito Pesado
O ciclismo olímpico é uma farra de medalhas. Há vencedores em provas de velocidade em circuitos, em provas de longas distâncias, em provas em montanhas, em manobras de bicicletinhas e em velódromos. Por lá, diversas categorias são disputadas, todas envolvidas em liturgias próprias. Uma delas é especial: o Keirin, em que um cidadão fica puxando o ritmo de todos em uma bicicleta elétrica, até deixa a pista e liberar a velocidade alheia. É uma cena sempre curiosa, mas neste ano não deu para não rir deste japonês que parecia pedalar para ir ao trabalho enquanto atrapalhava uma série de atletas furiosos.



14) Família Grael
Em um ano feliz para o Brasil nas águas marítimas, Martine Grael e Kahena Kunze conquistaram o bicampeonato olímpico em uma dessas tantas provas de barcos que existem nas Olimpíadas. Foi a nona medalha da família Grael nos jogos, que, pouco a pouco, estabelece um plano de trazer de volta para o Brasil todo ouro que nos foi levado antigamente - também de barco.

15) Roubo no Judô
Entre tantas decisões polêmicas de juízes, nenhuma foi pior do que a aplicada contra judoca brasileira Maria Portela. Depois de um combate equilibrado em que ela chegou a ter uma possível vitória analisada por juízes, Portela acabou desclassificada por falta de combatividade - sendo que ela tentou muito mais golpes durante a luta. Maria desabou em lágrimas ainda no tatame e sua entrevista logo após mostrou um choro que ia além do choro de tristeza: era o choro de raiva de quem sabe que foi prejudicado e que não pode fazer nada contra isso. Um choro de impotência.

16) Besuntados em excesso
Na abertura das olimpíadas de 2016, o atleta Pita Taufatofua, porta-bandeira de Tonga, chamou a atenção ao aparecer sem camisa e todo besuntado. Nos jogos em si, ele foi muito mal, perdendo sua primeira luta no Taekwondo. Dois anos depois, nos jogos de Inverno, ele foi novamente o porta-bandeira do seu país e novamente apareceu sem camisa e besuntado, dessa vez em um frio danado. Ele também praticava esqui cross-country e foi o antepenúltimo colocado na prova. Para os jogos de 2020, Pita estava novamente classificado para o taekwondo e prometeu uma surpresa para a cerimônia de abertura, mas tudo o que ele fez foi aparecer novamente besuntado. Acabou eliminado em sua primeira luta, com um desempenho ainda pior do que nos jogos anteriores. Além de ser péssimo no esqui e na luta, Pita ainda é péssimo na canoagem, esporte para o qual ele tentou se classificar em Tóquio, mas não conseguiu.



Pois bem, o fato é que na abertura dos jogos de Tóquio, o atleta Rillio Rio, de Vanuatu, também apareceu sem camisa e besuntado, praticamente uma afronta entre os dois países da Oceânia. Bem, não ocorreu a esperada rinha de besuntados, mas Rillio Rio mostrou que tem algo em comum com Pita: também é péssimo no que faz. Terminou sua prova no Remo na penúltima posição. 

17) Ninguém viu
Além do Surf e do Skate, outros dois esportes estrearam nas Olimpíadas em Tóquio: o karatê e a escalada. O primeiro se mostrou uma chatice enquanto o segundo ninguém sabe, ninguém viu. Junto ao golfe e ao triatlo, a escalada se transformou em um mistério das olimpíadas: ninguém pode realmente garantir qual foi o resultado da competição, porque ninguém estava vendo.

18) Recordes com barreiras
Algo acontece na prova dos 400 metros com barreiras. As finais da prova, tanto no masculino quanto no feminino, contaram com dois atletas correndo abaixo do antigo recorde mundial e um terceiro atleta fazendo o quarto melhor tempo da história. Os recordes mundiais vêm despencado de forma vertiginosa nos últimos anos e ninguém aparece com uma explicação para o fenômeno.

19) Persistir é preciso
Bruno Fratus amargou duas frustrações olímpicas para finalmente conseguir uma medalha em sua terceira tentativa. Vanessa Ferrari foi campeã mundial na ginástica aos 15 anos. Nos 15 anos seguintes amargou três quartas colocações olímpicas e algumas outras finais. Finalmente, aos 30, conseguiu uma medalha de prata. Por vezes, a insistência vale a pena. Em outras tantas é só perda de tempo e combustível para frustração mesmo.

20) Despedidas
Oksana Chusovitina foi medalha de ouro na ginástica nos jogos de Barcelona em 1992. Em Pequim, 2008, conseguiu outra medalha de prata. Em 2021, após oito participações, pendurou as ataduras. No basquete, todos se emocionaram com a aposentadoria do lendário Luis Scola, assim como com a despedida de Pau Gasol. Duas lendas olímpicas do basquete nesse século que mostram que tudo o que é bom um dia termina.

21) Respeitar as Diferenças
Atletas trans, não-binários. Protestos contra o racismo e o preconceito. Discussão sobre a super-exposição do corpo das mulheres em esportes como vôlei de praia e ginástica. Saúde mental. As Olimpíadas acompanham as discussões do mundo e precisamos cada vez mais aprender a respeitar as diferenças e corpos dos atletas.

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