A Redenção de Galvão Bueno

Carlos Eduardo dos Santos Galvão Bueno é uma das figuras mais controversas do país. Desde 1974 ele emprega sua voz para carregar de emoção os principais eventos esportivos do país, boa parte destes anos na Rede Globo de Televisão, principal emissora do país. Não há quem não tenha se emocionado com várias de suas intervenções, seus históricos bordões como o desesperado “quem é que sobe?”, mas também não há quem não tenha gritado de raiva, reclamado com si mesmo e esbravejado com pessoas ao redor diante de alguns comentários desnecessários, repetitivos e pouco conectados à realidade.


O tetra não teria sido o tetra sem Galvão gritando alucinado ao lado de Pelé. Teria Bebeto marcado tantos gols de Galvão Bueno não tivesse implorado por um “Faz Bebeto”? Teria Taffarel defendido tantas cobranças de pênalti sem a afirmação do locutor que era para ele sair que a bola seria dele? Ronaldo não seria tão fenômeno e Ayrton Senna talvez não fosse uma lenda do Brasil. Quantos atletas não correram mais rápido, pularam mais alto, se esforçam ao máximo pensando no inestimável incentivo emotivo de Galvão Bueno?

No entanto é difícil se controlar quando Galvão começa a ficar nervosos com o resultado de um jogo, ao mesmo tempo em que faz contas de que se o Brasil fizer mais um gol, a Argentina levar dois e soprar um vento norte as coisas mudam e estão ficando boas para o Brasil. No geral ele tende sempre a acreditar que as coisas estão ficando boas para o Brasil. Em quantas e quantas corridas de Fórmula 1 Galvão não tentou traçar um céu de brigadeiro para Felipe massa enquanto o piloto brasileiro se arrastava em uma melancólica oitava colocação?

Torcedores já levaram uma faixa escrita “Galvão Vai Pentear Macaco” para um jogo da Copa América no Paraguai. O grito “Cala a Boca Galvão” durante a abertura da Copa da África foi um dos primeiros trending topics brasileiros, fazendo com que os estrangeiros tentassem entender o que é que acontecia. O futebol é uma paixão nacional, é fato. Já o segundo esporte favorito do brasileiro, ouso afirmar, é amar ou odiar Galvão Bueno.

Mas o fato é que veio a pandemia. Já um septuagenário e devidamente enquadrado no grupo de risco, Galvão Bueno foi afastado de qualquer transmissão esportiva ao longo de 2020. Partiu para sua fazenda na região da campana gaúcha, onde relatou sua vida produzindo vinhos e os harmonizando com culinária de alto nível. Participou de transmissões apenas da sala da sua casa, onde chorou, contou história e pode emocionar. E aí sim, encontrou sua redenção.

Em 2020 por nenhuma vez tivemos que ver Galvão Bueno relembrar uma história de Ayrton Senna em todas as corridas de Fórmula 1. Ele não precisou desmerecer nenhum piloto por não ser Ayrton Senna, o maior de todos. Ele não precisou fazer contas matemáticas para garantir que tudo ia ficar bem. Não errou nomes de jogadores. Não precisou contar histórias sobre o toco y mi voy, nem precisou falar que ganhar da Argentina é muito melhor. Galvão virou apenas um contador de histórias solicitadas, e aí não havia como não gostar dele.

Memória-viva das glórias esportivas brasileiras, Galvão passou o último ano relatando grandes momentos em contexto absolutamente necessários e curtindo a vida gourmet. Não há como não se emocionar com ele chorando durante a re-exibição do tetracampeonato. Não há como não querer experimentar seus vinhos. Não há como não ter ficado feliz com seu vídeo tomando vacina.

A imunidade é uma senha para o retorno ao trabalho que desempenhou ao longo dos últimos 47 anos. No entanto fica o questionamento: não teria a narração se tornado uma tarefa pequena demais para Galvão Bueno? Durante a pandemia ele pode ter descoberto uma função ainda maior e de ampla aprovação popular: um contador de história, um Forrest Gump brasileiro, alguém que só tem coisas boas a falar e lembrar.

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