Humilhação e Entretenimento

No ano passado, um grande alinhamento astral permitiu que o Big Brother Brasil saísse de seu reduto cativo televisivo e atingisse uma grande massa de telespectadores e internautas. A junção de um elenco carismático, a discussão sobre machismo, racismo e outras questões estruturais da nossa sociedades, somados ao início da quarentena pandêmica transformaram o BBB em um fenômeno de crítica e público. Durante algum tempo, o Big Brother era o único produto de entretenimento inédito na nossa TV.

Para 2021, a Rede Globo de Televisão resolveu dobrar a aposta. Repetiu a fórmula de misturar anônimos com quase anônimos famosos em determinados nichos. Após um período de observação o programa voltou a monopolizar o debate nacional, graças, provavelmente, ao fator humilhação. As primeiras semanas do programa foram recheadas de bullying, terror psicológico, declarações infelizes nas quais os grandes personagens foram Lucas Penteado e Karol Conká.


O primeiro parecia a Nicole Kidman de Dogville, vivendo apenas para ser humilhado e abusado por todos os outros participantes. A segunda era o próprio Lars Von Trier, criando esse universo doentio ao tempo em que dava declarações desastradas sobre praticamente todos os aspectos humanos. Agora, os dois se encontram fora do programa. O primeiro desistiu de sua participação, com o psicológico em frangalhos, enquanto a segunda foi eliminada com a maior rejeição da história do programa, da televisão mundial e digo que até mesmo da história da humanidade. De agora em diante, o programa deverá buscar um novo conflito narrativo para manter os espectadores ligados.

Toda a saga de Lucas alarmou a internet. Não foram raros os relatos de pessoas que se disseram mal com toda a situação, alertas de gatilhos psicológicos e etc. A situação do Penteado realmente foi extrema, afinal, não é todo dia que alguém é chamado de bosta ao vivo, ou tem um suposto mau hálito associado à ruindade, ou é expulso de uma mesa de almoço, associado ao goleiro Bruno e a estupros. Mas, o BBB 2021 foi apenas o extremo de uma lógica que move quase toda a produção de entretenimento nacional: a humilhação.

Pessoas humilhadas são a grande roda que move a engrenagem da diversão televisiva. Desde os grandiosos Reality Shows, até os Shows de Calouro e as meras gincanas dominicais. O que nos esperamos em frente da TV é ver pessoas humilhadas, seja em seu caminho de glória ou em seu degredo público. Aos bonzinhos, haverá a compensação de ganhar dinheiro. Os ruins foram humilhados porque mereceram.

O próprio Boninho disse em uma entrevista em 2010 que o objetivo do programa é extrair o pior dos participantes, porque se estiver tudo bem a audiência não vai assistir. Por isso as pessoas são separadas em grupos com direitos alimentares diferentes, são alcoolizados duas vezes por semana, sofrem privação de sono, participam de provas que testam o limite do corpo humano e semanalmente participam do Jogo da Discórdia, uma gincana cujo único objetivo é fazer todo mundo se sentir mal, com remorsos e exposto em rede nacional. O Big Brother Brasil oferece, afinal, situações de convivência que nós pagaríamos dinheiro para poder evitar.

Mas o Grande Irmão não é o inventor desta lógica humilhatória. Podemos voltar no tempo, para as inocentes gincanas do Topa Tudo por Dinheiro, em que pessoas desciam escorregadores com copos de groselha no colo, ou se equilibravam sobre tábuas sobre tanques cheios de água. O que queríamos era ver essas pessoas sujas e humilhadas, derrotadas e molhadas de água ou de líquido vermelho de aspecto duvidoso. Expostas e fragilizadas diante do riso geral do público. Puxe na memória situações nas quais você se sentiu humilhado, por uma bobagem qualquer, em que pessoas riram da situação em que você estava e pense se ganhar uma nota de 100 reais do Sílvio Santos compensaria essa sensação. Mas era justamente essa nota que nos fazia não sentir remorsos por rir de uma pessoa que caiu do touro mecânico. Ela ganhou dinheiro para isso.

A compensação monetária é o que fez com que não sentíssemos remorsos pela situação degradante a qual o Lucas Penteado foi exposto. Afinal, todo aquele sofrimento o tornou em um dos favoritos do programa. Ele ganharia um milhão e meio de reais por conta dessa jornada. Vale a pena?

A humilhação move as pegadinhas, com pessoas amedrontadas em elevadores com meninas fantasmas, trabalhadores humilhados ao serem abordados por caveiras motorizadas na calçada de um cemitério, cidadãos normais tendo que realizar tarefas frustrantes como ir ao mercado e ter suas compras quebradas pelo Ivo Hollanda, pessoas desempregadas se deparando com situações sobrenaturais no primeiro dia de trabalho, ou o que quer que seja porque precisam receber um salário, homens e mulheres enfrentando o sobrenatural no banco de trás de um táxi dirigido por um Augusto Liberato pessimamente maquiado, humilhados em seu trânsito por São Paulo, tudo para o nosso deleite. 


A humilhação move os shows de calouro, porque tão divertido quanto ver pessoas com talentos incríveis é poder ver pessoas sem talento nenhum realizando apresentações artísticas sofríveis, pessoas que cantam como um gato afônico sendo humilhadas pelo Ricky Bonadio, jovens sem talento algum cantando para cadeiras viradas de costas, o pavor no olhar de quem acabou de perceber que não está apto para o seu sonho.

Melhor do que pegar dicas de culinária, é poder ver chefes Ancaps ou com sotaque francês humilhando os pratos dos participantes e falando que sua produção alimentícia não deveria ser servida nem mesmo para animais. Pessoas errando pratos, pessoas comendo larvas de insetos, rastejando na lama, sendo atingidas por bolas de basquete enquanto tentam atravessar uma ponte bamba, tendo que se fantasiar de Elvis Presley para que seu carro seja reformado, tendo que fazer embaixadinhas ao vivo para ganhar uma reforma em sua casa, sob o risco de errar e perder. A humilhação, a suprema humilhação está sempre à espreita, esperando o momento de marcar sua catarse.

Afinal, o Big Brother parte de uma lógica Orweliana, mas merece uma análise Hobbesiana.

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