As previsões para 2021



Há alguns anos que os meus primeiros de janeiro são iguais. Não que isso signifique que eu esteja preso em uma comédia natalina do Leandro Hassum e esteja utilizando esse post como um pedido de socorro. O fato é que sempre que o ano começa eu, de alguma forma, preciso cumprir com minha missão cívica de ir ao encontro de Pai Jorginho de Ogum, travar um diálogo recheado de tensão e provocação vazias, assistir todo um ritual que irá culminar com o Mestre das Almas prevendo os fatos do ano que está apenas começando.

Esse ano, é claro, tudo foi diferente. Vocês devem ter percebido que nos últimos meses todos nós fomos afligidos por uma pandemia, distanciamento social, protocolo de segurança sanitária e etc. Dessa forma, achei por bem não ir até a antiga Casa de Diversão Noturna Carnicentas procurar pelo pai-de-santo, entre outras coisas, porque aos 69 anos ele já é considerado do grupo de risco. Além da idade brevemente avançada, pesam contra ele o histórico de uma vida desregrada e consumo de cachaça.

Então, no dia 1º de Janeiro fiz uma chamada de vídeo para Jorginho. É bem provável que o dia 1º de Janeiro seja o único dia do ano em que nós temos nos falado há algum tempo. Pouco importa, isso acontece na família de vocês também, que eu sei.

Jorginho está cada vez mais magro, fruto, segundo ele, de uma dieta vigorosa e atividades físicas complementares. Sua aparência, pela primeira vez desde que eu conheci em 2004, é de uma pessoa saudável. Claro que essa impressão pode ser desmontada em um hipotético encontro presencial, mas, pelo vídeo, me surpreendi por não ter o pressentimento de que ele poderia enfartar a qualquer momento.

Após a rasgação de seda inicial, comecei a cobrá-lo pelos pífios resultados apresentados no ano passado. Disse que ele havia previsto vitórias do Donald Trump e do Flamengo, e que chegou até a prever o número de medalhas que o Brasil ganharia nas Olimpíadas, sendo que as Olimpíadas nem aconteceram. Jorginho argumentou que a pandemia atrapalhou suas previsões e eu voltei a questionar como é que ele não havia previsto uma pandemia, visto que, um ser de luz com um portal aberto ao futuro deveria, no mínimo ter uma capacidade de visualizar um evento de tamanhas proporções.

Jorginho então disse que estava cansado e que, na verdade, não sentia o menor prazer com essas previsões. Que o Trump perdeu, tá certo, mas que ele tá fazendo de tudo para melar o resultado. Que o Flamengo pode ter perdido a Libertadores, mas ganhou umas supercopas aí e o campeonato carioca. Que eu estava sendo injusto em não lembrar que ele acertou que o dólar ia bater seu recorde de valor e que surubas continuariam acontecendo em Fernando de Noronha.

Intrigado com sua justificativa quanto ao cansaço, pedi para Jorginho ser mais específico. Ele então passou a falar que não sente mais prazer com essas previsões para o futuro. De acordo com ele, o CH3, enquanto blog de humor, sempre espera por previsões engraçadinhas para depois taxar Jorginho como mito ou como charlatão. Não é esse o direcionamento profissional que ele quer dar para a vida dele.

Seguindo em seu monólogo, Jorginho afirmou que poderia e pode fazer diversas previsões sobre pequenas conquistas ou fracassos na vida das pessoas, mas que a mídia está sempre interessada no macro e o macro depende justamente desse pequeno conjunto de ações individuais. Para piorar, a imprensa não enche o bolso dele, enquanto que o atendimento pessoal é que mantém sua saúde financeira.

Pude compreender que Jorginho redirecionou sua atuação profissional. De acordo com ele, quando necessário ele ainda realiza toda aquela mise-en-scène das roupas coloridas, a dose de cachaça e a conversa com o mundo oculto. Mas, me confessa Jorginho, nem da cachaça ele gosta mais e as chamadas por vídeo permitem que ele tome água direto de uma garrafa de caninha 21. Descobri que ele agora se apresenta profissionalmente como coach Jorginho Gonçalves, seu sobrenome.

Ele montou um intricado método de fazer previsões trágicas sobre as pessoas e depois falar o que é preciso fazer para evitar e, desta forma, está cada vez mais rico. "Sempre falo que alguém próximo dela vai pegar Covid. A chance de acertar é enorme".

Com tanto dinheiro, Jorginho diz que quer mudar de vida e se afastar de práticas abusivas. Diz que ganhou muito dinheiro com a exploração sexual, mas que hoje ajuda suas antigas funcionárias a encontrarem novos empregos e paga para elas estudarem. Afirma que inscreveu Marcão em um curso de alfabetização, que ainda não começou por conta da pandemia, e que o pedreiro está frequentando reuniões dos Alcóolicos Anônimos. "Qual é a graça de um pedreiro analfabeto e bêbado?". Também está pagando a terapia de Alfredo Chagas, mas ele já saiu na porrada com dois profissionais e o tratamento não tem surtido muito efeito.

De acordo com Jorginho, a velhice vai trazendo cada vez mais pensamentos de que é preciso deixar um legado no mundo e aproveitar a vida, porque ela não vai durar muito. Já sem clima para perguntar sobre as previsões para 2021 ele vaticinou:

"Nada vai mudar. Não existe um grande ato que irá salvar a humanidade. Precisamos aceitar nossas fragilidades e que viver é sofrer e resistir na maior parte do tempo. Não há perdão, não há redenção. Há apenas sobrevivência".

Como o clima já estava fúnebre demais, resolvi perguntar sobre o Flamengo, mas Jorginho precisou encerrar o telefonema para resolver umas questões. Mas tenho certeza de que era para ir ao banheiro.

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