A triste alegria dos brasileiros na Inglaterra

Nesta terça-feira, dia 08 de dezembro de 2020, a Inglaterra se transformou no primeiro país do mundo a oferecer vacina contra o novo coronavírus aos seus cidadãos. A cena da primeira mulher do mundo vacinada foi amplamente divulgada, assim como a do primeiro homem, que curiosamente se chama William Shakespeare. (O que faz todo sentido: aos 456 anos, Shakespeare é do grupo além do risco).

O marco científico inaugurou uma nova editoria no jornalismo brasileiro, aquela que mostra os nossos compatriotas sendo vacinados. A busca por conterrâneos envolvidos em eventos históricos é uma tradição nossa, tratada como um fetiche pelos veículos do Rio Grande do Sul, capazes de encontrar alguma relação entre um gaúcho e qualquer tragédia noticiada nos últimos 70 anos, mesmo que seja a foto de um gaúcho na frente do estaleiro onde foi construído um barco que afundou.

Desde ontem, estamos sendo bombardeados por notícias sobre brasileiros terrivelmente felizes com a vacina que está prestes a ser aplicada em seus braços. Mas também preocupados pelo Brasil.


A mulher da foto acima é a enfermeira Áurea de Souza de 38 anos. Por ser profissional da saúde, ela deve ser uma das primeiras vacinadas e, em entrevista à rede BBC se disse triste pelo Brasil, pelo fato e o Brasil não ter o suporte oferecido pelos britânicos, por, enfim, saber que o Brasil é governado por uma pessoa sem a menor capacidade mental de tomar qualquer decisão. 

No entanto, olhem como ela está triste. Percebam que seu sorriso não transparece um único traço de tristeza. Não podemos ser levianos e falar que nossa querida Áurea está feliz também. O seu sorriso, é antes de qualquer coisa, de alívio. O alívio de estar no lugar certo no momento certo, ao invés de estar abandonado à própria sorte em um país governado por um cidadão que torce para que seus habitantes sejam exterminados.


Vejam a Maria Lúcia, que é pesquisadora do sistema britânico de saúde e do grupo de risco. Ela foi a primeira brasileira realmente vacinada. Observem sua genuína felicidade. A maneira como ela mostra seu cartão de vacinação como se fosse o passaporte da felicidade. Como ela praticamente esfrega na nossa cara que vive em um país sem um Ministro da Saúde que afirma que qualquer vacina irá demorar 60 dias para ser liberada, porque a Anvisa é extremamente criteriosa. Sua felicidade por estar lá em um país onde os membros da comunidade antivacina provavelmente não são uma base de apoio importante do governo e por isso o chefe de Estado deles não precisa ficar fazendo campanha contra a vacinação e promovendo vermífugo como hipotética cura.

Mas, ninguém supera a Beth Kresse. A simpática mulher da foto ao lado, que segura um copo já vazio com canudo metálico e limões no fundo, que muito provavelmente configuram os restos mortais de uma caipirinha, a esta altura já completamente ingerida pelo corpo de Beth, com todo aquele teor alcoólico já percorrendo suas veias e concedendo a insustentável leveza do ser. Casada com um inglês, a senhora de 70 anos deve ser vacinada nos próximos dias.

Ela afirma que viveu aos piores meses da sua vida e participou de uma reportagem da Globo. A foto que abre a matéria, justamente essa da caipirinha tomada, faz parte do seu acervo especial e foi enviada por ela para ilustrar a matéria, muito provavelmente repercutindo seu estado de espírito atual. Ela poderia ter enviado uma foto neutra na frente de um posto telefônico inglês, mas preferiu investir nessa foto com a caipirinha para afirmar que tirou um peso dos seus ombros. (Nada mais justo, afinal, caipirinhas costuma a nos deixar leves mesmo)

Todos eles, os brasileiros na Inglaterra, são muito provavelmente o grupo de pessoas mais felizes do mundo. Sorte deles mesmo.

Esse texto termina com um desejo de boa sorte aos repórteres do Zero Hora que devem estar loucamente procurando gaúchos que irão tomar vacina em breve, ou parentes de gaúcho que irão ser vacinados, ou pessoas que já estiveram no Rio Grande do Sul, ou que já foram flagradas no mesmo ambiente que um gaúcho, ou que já viram, mesmo que na internet fotos das camisas de Grêmio e/ou Internacional.

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