Estátuas em discussão

Na semana passada, durante alguns dos vários protestos antirracismo que tomaram conta do mundo, moradores da pacata cidade inglesa de Bristol derrubaram uma estátua de Edward Colston que adornava suas ruas. Tido como um benfeitor pelos bristolenses quatrocentões, Colston era um mercador de escravos e fez fortuna no final do século 17, revendendo mais de 80 mil corpos de seres humanos nascidos na África.
Na Wikipedia, Colston é apontado como
comerciante de escravos e filantropo.
O que eleva aquela expressão de "go-
zar com o pau dos outros" a um grau
jamais alcançado anteriormente

Não satisfeitos com a derrubada, os cidadãos de Bristol resolveram rolar a estátua pela rua até chegar a uma ponte, de onde a içaram e atiraram o enorme pedaço de metal ao fundo do Rio Avon. A estátua já foi retirada do lodo e será, de acordo com os administradores locais, preservada em local inacessível até ser disponibilizada em algum acervo publico para observação. Acredito inclusive que irá fazer sucesso: a incipiente figura metalizada de Edward Colston colocou Bristol no mapa mundi atual e acho que eu mesmo gostaria de visitar um museu onde estivesse exposta a figura vandalizada de um escravagista e falar para o meu filho “Olha, eles jogaram isso aqui no fundo do rio”.

Enquanto alguns lugares discutiam se era justo derrubar a estátua de uma figura histórica – no caso de Bristol foi lembrado que a população já tinha pedido formalmente sua retirada, não sendo atendida pela prefeitura – outros tantos lugares passaram a discutir a remoção de estátuas à base da força – ainda falando sobre Bristol, alguém argumentou que o dinheiro de Edward Colston ajudou a construir uma escola na cidade onde hoje estudam também crianças negras, um argumento bem perverso, que parte da lógica de que a escravidão foi uma espécie de poupança para que as gerações futuras pudessem ter um mínimo acesso à humanidade.

Na Inglaterra mesmo, dezenas de estátuas estão sob custódia policial. No Brasil, a icônica homenagem ao Borba Gato em Santo Amaro está com seus olhos ainda mais abertos, já que muitas pessoas são favoráveis que ela seja esmagada e seu pó atirado no Rio Pinheiros. Contra a estátua do Borba Gato, além de seu passado colonizador, há a sempre forte questão da aberração visual, comparável àquele monumento feito para o Cristiano Ronaldo no Aeroporto de Funchal.
O pior é que a nova versão nem é tão melhor assim que a original

Se esses grandes blocos de pedra ou metal que enfeitam nossas praças, canteiros centrais e rotatórias vão continuar existindo eu não sei. Mas agora, pelo menos, podemos parar um pouco para refletir quem são essas figuras esculpidas por desconhecidos artistas de talento questionável, essas representações esteticamente duvidosas. Quase nunca a estátua fica parecida com a pessoa homenageada e muitas vezes fica parecida com uma pessoa que nem era para ter sido representada ali. É o caso da estátua do Bellini no Maracanã. Era para ser apenas um monumento ao jogador desconhecido, mas todo mundo achou que era o capitão do primeiro título mundial do Brasil, mesmo que aquela representação não lembre nem um pouco o ex-jogador – ficamos mal-acostumados com estátuas. Se alguém fizer uma escultura trivial e falar que é o jovem Leonardo da Vinci, nós iremos acreditar.

Pois bem, nesse momento em que o mundo discute estátuas, talvez seja o momento de se olhar para Paraíba do Sul. Pequeno município fluminense, quase na divisa com Minas Gerais, onde vivi durante os primeiros meses da minha vida e onde morreu meu avô. Uma cidade a frente do seu tempo.

Lá pelos idos de 2004, durante uma visita a familiares da região, fui com meu tio e meu primo até a rainha das águas minerais e cidade natal de Nível Stelmann. A cidade ostentava então um portal de entrada espetaculoso, com bandeiras um tanto quanto desbotadas de todos os países do mundo.

Essa na verdad é a Samara Felippo. Ou não.
Enquanto o carro dava voltas na cidade vi uma estátua de Ayrton Senna. Mais para a frente, me deparei com outra do sociólogo Betinho (o irmão do Henfil) e manifestei minha perplexidade com meus parentes. Eles me falaram então que essa era uma iniciativa do então prefeito, que instalou várias estátuas de personalidades pela cidade, como estratégia de marketing para chamar turistas. Tiradentes, Drummond de Andrade e até o Che Guevara. Comentei que só faltava ter uma estátua do Yaser Arafat, morto poucos dias antes. “Mas tem”, respondeu meu tio, que me levou para vê-la, à beira de uma ponte.

Não sei se alguém já foi até Paraíba do Sul para ver uma estátua de Tiradentes – estranhei não haver uma de Nívea Stelmann, prodígio da terra e que cansou de fazer matérias televisivas bebendo água mineral na fonte da praça da cidade. Mas, em uma pesquisa para esse texto, descobri que Paraíba do Sul se antecipou às discussões mundiais e derrubou as estátuas de Che e Arafat em 2017. No caso do Betinho, parece que ainda não descobriram que ele era comunista.

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