Os melhores sambas-enredo de 2020

Com quase 14 anos de existência, é praticamente impossível negar o impacto cultural do CH3. Desde 2006, este blog vem abalando as estruturas da existência humana e a maior prova disso está nesta série de posts, que busca elencar os cinco sambas-enredo mais bizarros do carnaval carioca.

A primeira versão desse post surgiu no ano de 2013, mas só ganhou periodicidade a partir de 2016. Naquele ano, foi uma dificuldade enorme escolher apenas cinco sambas acintosamente bizarros, devido a enorme quantidade de rimas ruins, temas desconexos, imprecisões lógicas e nosso preconceito e desconhecimento em relação à cultura afro.

A partir de 2018 a coisa foi ficando mais difícil, mas pela razão totalmente inversa: muita coisa boa estava sendo criada. Ridicularizados e expostos ao escárnio público pelo CH3, os sambistas cariocas não tiveram outra opção que não a de superar e começar a produzir um material realmente muito bom, com o qual é praticamente impossível fazer alguma piada.

Em 2012 a Porto da Pedra desfilou sobre o Iogurte. Nesse ano ainda teve enredo sobre a Coreia do Sul, Royalts do Petróleo e o Cavalo Manga Larga Marchador.

Algumas letras do ano passado chegaram a emocionar e o mesmo aconteceu nesse ano. Claro que essa ressurreição poética também pode estar relacionada às modernas leis de compliance das grandes marcas multinacionais, que encontram cada vez menos justificativa para investir quantidade suntuosas de dinheiro em um evento financiado basicamente por atividades contraventoras.

Com menos dinheiro disponível, as escolas pararam de contar com luxos extras e tiveram que voltar a apostar na criatividade. A falta de grandes patrocínios também diminuiu os enredos sobre coisas como Cuiabá e Iogurte. Nada mais como aqueles enredos da Beija-Flor sobre Guiné Equatorial. Rosa Magalhães falando da escravidão por meio das pinturas de cinco franceses que viveram em Recife nos anos de 1720. A Bayer patrocinando uma escola para falar bem de agrotóxicos. Cidades que não tem nenhuma relação sendo homenageadas. Nada, nada mais.

O carnaval deste ano está extremamente social. Cada samba-enredo parece uma monografia de mestrado em ciências sociais. Mesmo os enredos mais prosaicos estão embebidos em forte crítica humanitária.


Talvez seja uma tendência iniciada com força pela Paraíso do Tuiuti em 2018, escola completamente desconhecido e previamente condenada ao rebaixamento, mas que, ao questionar a escravidão moderna e fazer uma forte crítica à reforma trabalhista, com direito a uma representação fantasmagórica de Michel Temer, conquistou o vice-campeonato e apontou novos caminhos.

Em 2019 muitas letras sociais e um desfile histórico e campeão da Mangueira. Pode ser também que é resultado dessa mudança do carnaval, que nos últimos anos tem voltado a ser uma festa mais popular, sentida mais nas ruas e menos nos bales fechados de convidados vips de abadá, quem sabe?

Desafio é desafio e compromisso é compromisso. Mas me digam, como fazer qualquer comentário depreciativo com relação ao samba com o qual a Mangueira tentará o bicampeonato?

Mangueira. Samba que o samba é uma reza. Se alguém por acaso despreza, teme a força que ele tem. Mangueira. Vão te inventar mil pecados, mas eu estou do seu lado e do lado do samba também. 

Como é que eu vou fazer qualquer piada para uma pessoa que resolve se referir a Elza Soares da maneira como o samba da mocidade faz?

Canta Mocidade! Essa nega tem poder, é luz que clareia, é samba que corre na veia.

O primeiro palhaço negro, sofrimento dos povos indígenas, intolerância religiosa, crítica a demagogia política, os sambistas deste ano só podem estar de sacanagem.

Peço urgentemente que retornem às homenagem ao Estado de Tocantins, a uma ditadura africana qualquer, que recortem fragmentos completamente aleatórias da realidade e transformem isso em um samba de rimas pobres e penas e plumas desnecessárias. Caso o contrário, esse post deixará de fazer qualquer sentido e eu vou ter que inventar outra coisa para o carnaval 2021. Talvez analisar as escolas de São Paulo?

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