Considerações psicocinematográficas sobre o Batman

No próximo dia 09 de fevereiro, Joaquim Phoenix deverá ser coroado com o Oscar de melhor ator por sua interpretação do Coringa, o mais famoso vilão do Batman. Mais do que a consagração de Phoenix enquanto ator, a premiação irá coroar o personagem. Nos tempos atuais, o palhaço Arthur Fleck está se convertendo em um paradigma de atuação, algo parecido a interpretar Hamlet no teatro. Dentro de não muito tempo, atores consagrados irão brigar pelo papel de Coringa e tratar este trabalho como o maior desafio de sua vida.
Todo filme do Coringa daqui pra frente vai ter um blá blá blá sobre referências à clássica cena da escadaria

Tudo começou quanto Heath Ledger deu vida ao palhaço psicopata em um dos filmes da trilogia do Cavaleiro das Trevas. Sua maquiagem desbotada e cabelos desgrenhados rapidamente superaram a clássica imagem do Coringa da série de TV dos anos 60, reforçada pela primeira incursão cinematográfica do personagem, vivida por Jack Nicholson. O subsequente suicídio de Ledger, referendado de uma maneira um tanto quanto forçada pelo establishment do entretenimento como uma consequência dos danos psicológicos pelo complexo mergulho na alma perturbada do personagem, serviram para mistificar ainda mais o palhaço. Heath Ledger ganhou um Oscar póstumo pelo papel, vale lembrar.

Poderíamos discutir os rumos dos filmes de super-heróis e agora também dos projetos solos de seus algozes, que ganham contornos psicológicos cada vez mais intricados, dramas elaborados para justificar porque dois caras fantasiados saem na porrada no meio da rua, depredando o patrimônio alheio à margem de qualquer controle do poder público constituído. Mas, essa é uma discussão para outra hora: o que precisamos é aproveitar este filão estabelecido para imaginar uma série de filmes contando a vida conturbada dos vilões do Batman, ou melhor, de pessoas marginalizadas pela sociedade, para quem não restou nada além deste pesado, injusto e preconceituoso rótulo: vilão.

O Pinguim
A história de um ser humano que passou a vida inteira sendo vítima de bullying e tratado como uma aberração. Um homem com suas deficiências físicas, que não atende os requisitos básicos para ser aceito pela sociedade, restando a ele apenas o convívio com os pássaros, os únicos que não o humilham e menosprezam. Quando este único elo com o mundo é destruído, não resta nada para ele, além de se vingar de uma humanidade que sempre o desprezou, fazendo com que, pela primeira vez na vida, ele seja visto pelos outros. Renderá um Oscar para Tom Cruise, que engordou 48 kg para interpretar o Pinguim.

Mulher Gato
Órfã que cresce sem apego as pessoas e sobrevive do seu corpo, com sua fantasia de felina. Uma mulher à margem da sociedade que tenta sobreviver aos conflitos inerentes a sua atividade, matando os homens com quem se envolve. Ou será apenas uma maneira de fazer justiça na sociedade patriarcal? Um Oscar para Idris Elba, que fez uma cirurgia de mudança de sexo e consegue, dessa forma, apagar o fracasso do filme/musical Cats.

Bane
O homem que nasceu em uma prisão e foi condenado pelos crimes dos seus pais. Começou a matar ainda criança e foi submetido à experiências químicas. Até onde um homem pode aguentar?

Um instante.

Eu poderia ficar o resto do dia fazendo relatos pseudodramáticos sobre a vida dos vilões do Batman, mas há uma questão mais importante a ser abordada dentro do batuniverso e essa questão é psiquiátrica. A falta de uma política pública de saúde mental é a responsável por fazer com que a pacata metrópole de Gothan City tenha índices de criminalidade alarmante.
Bloco de carnaval da tarja preta

Veja bem, o cara foi criado em uma prisão. Onde esteve o Conselho Tutelar em um momento como esse? O Coringa, o Pinguim, a Arlequina, a Mulher Gato, o Charada, todas essas pessoas poderiam ter uma vida melhor caso Gothan investisse em um Centro de Atendimento Psicossocial, ao invés de insistir em uma velha política manicomial com o Asilo Arkhan. Mais do que investir em aparatos de segurança e reforço policial, as autoridades públicas de Gothan precisam urgentemente fazer concursos públicos para psiquiatras e psicólogos. Umas boas gotas de Clonazepan e doses de Haloperidol ajudariam muito mais do que policiais.

Isso vale inclusive para o Batman. Tá certo que é muito triste ver os seus país sendo assassinados enquanto você ainda é uma criança, mas isso não é motivo para você botar uma roupa de látex e sair por aí dando porrada em maluco no meio da rua, tunando carros e montando um arsenal bélico no porão da sua casa. Veja bem, não vou nem citar essa questão dele com o Robin, que também é digna de um tratamento especializado. Certamente há um remedinho capaz de tranquilizar o Bruce Wayne e ajudá-lo a se focar no trabalho, ao invés de explorar esse fetiche exibicionista como hobbie.
Porra cara, enfia essa roupa aí pra ficar andando de moto e dar porrada em palhaço? Vai procurar um médico

Sério. Alguém realmente acha que a melhor maneira de lidar com um monte de pessoas com infância traumática é colocar um cara fantasiado de morcego para capturá-los? Para esses caras já extremamente perturbados, ser perseguido por um fortão de roupa preta de borracha só pode significar mais um sintoma de sua alucinação.

Isso sem contar outro grande problema de Gothan: a falta de segurança no trabalho. O Duas Caras era promotor público respeitado até sofrer um acidente. Hera Venenosa era uma brilhante pesquisadora até sofrer um acidente no laboratório em que trabalhava. Falta fiscalização do Ministério Público do Trabalho. Além do já referido acompanhamento psicológico para as pessoas que se acidentam durante o labor.

Precisamos ir além, aliás. O caos que reina em Gothan City é fruto dessa política vigente de Estado Mínimo, em que cada cidadão tem que se virar para cuidar dos seus problemas. Sem uma rede de proteção, todo mundo se vê a mercê dos próprios problemas e, sem condições financeiras de se tratar, vai fazer o que? Botar uma fantasia e barbarizar na rua. Sobra para outro psicopata, no melhor estilo law & order, resolver colocar tudo em seu lugar com o uso da força.

“Ah, mas então eu tenho que pagar para maluco que não soube se cuidar?” se pergunta o cidadão do bem eleitor do Partido Novo. É melhor do que ter sua casa incendiada por um palhaço que não tomou seu antipsicótico, não é mesmo?

Se Bernie Sanders assumir a prefeitura de Gothan, ele resolve esse problema.

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