Considerações sobre o Papai Noel enquanto ameaça comunista


O Papai Noel certamente é a principal figura do Natal. Este personagem senil, com suas barbas e cabelos brancos espessos e rosto rechonchudo acumula muito mais fama do que os duendes, as renas e, John Lennon há de concordar comigo, Jesus Cristo.

Com sua roupo e gorro vermelhos com detalhes felpudos brancos e botas de couro, Papai Noel passa a noite do dia 24 de dezembro montado em um trenó puxado por renas voadoras, percorrendo o mundo com o único objetivo de invadir a casa das pessoas e distribuir presentes para as crianças que se comportaram bem ao longo do ano.

Originalmente o Papai Noel – ou Pai Natal como dizem os portugueses – é baseado na lenda de São Nicolau, um arcebispo turco que despejava sacos com moedas de ouro na chaminé das casas das pessoas e que acabou canonizado por outro motivo completamente aleatório – a saber, ressuscitou crianças esquartejadas por um açougueiro.

Morador da Lapônia, uma região inóspita e fria da Finlândia, Papai Noel vive em uma grande casa com sua esposa – Mamãe Noel – e um grupo de duendes mágicos, responsáveis pela fabricação dos brinquedos que são distribuídos para as crianças.

Nos últimos anos, aproveitando a onda conservadora que assola o Brasil, o chamado bom velhinho tem sido alvo de polêmicas impensáveis até outrora: seria está carinhosa figura um velho safado comunista?

Ao redor do Brasil crescem os relatos de moradores ensandecidos expulsando papais noéis de lugares públicos aos gritos de “Vai pra Cuba”. Em alguns lugares, especialmente em Santa Catarina, Noéis vestidos com jaquetas e gorros verdes são cada vez mais comuns. Existem bons argumentos para caracterizar o bom velhinho como um discípulo de Karl Marx, mas outros tantos os afastam do Trotskismo, Leninismo, Stalinismo, Maoismo, Gramscismo e por aí vai. Neste texto, tentaremos discutir alguns desses argumentos, além de situar o espectro ideológico do Papai Noel.

Primeiramente, não podemos deixar de considerar a vestimenta do cidadão, toda vermelha. Cor que, é bom lembrar, jamais será a da nossa bandeira. Ao longo da história, o vermelho foi amplamente identificado como a cor dos socialistas, presente nas bandeiras da União Soviética, da China, do Partido dos Trabalhadores e várias centrais sindicais. Um papai Noel neutro poderia muito bem ter escolhida uma roupa de cetim azul, que é a cor do nosso planeta.

Vale lembrar, no entanto, que o visual do Papai Noel foi bolado pela equipe de marketing da Coca-Cola, que vem a ser um dos maiores símbolos do capitalismo mundial. Podemos pensar que a marca de refrigerantes cooptou a cor vermelha como forma de desvirtuar os movimentos socialistas, mas também podemos alegar que a Coca-Cola é uma grande empresa comunista disfarçada, que está há mais de um século lucrando absurdamente e transformando todos os seus sócios em multimilionários apenas com o objetivo de reter a renda alheia e distribuir todo esse dinheiro entre a população mundial no dia do juízo final socialista.

Há ainda de se considerar que as roupas vermelhas sejam necessárias para melhor visualização do velho barbado no meio da neve finlandesa, evitando possíveis colisões e atropelamentos. Mesmo assim, talvez fosse melhor que ele utilizasse um daqueles coletes cor de caneta marca texto. A barba, tradicional símbolo dos líderes de esquerda, pode ser relativizada em tempos atuais, quando os pelos faciais foram assimilados pelo hipsterismo.

Vamos agora falar do trabalho do Papai Noel, que é entregar brinquedos para as crianças do mundo. Trata-se de um grande projeto de distribuição de renda, visto que, permitir que todas as crianças do mundo tenham brinquedos em suas mãos é uma aspiração da esquerda mundial. Para conseguir dar conta deste trabalho hercúleo, Papai Noel conta com um avançado programa de quebra de patentes, já que seus duendes são capazes de fabricar brinquedos extremamente tecnológicos. É, provavelmente, a maior oficina de pirataria do mundo, que inexplicavelmente, permanece alheia às aspirações fiscalizatórias da Receita Federal e da Polícia Federal. Sabe-se lá como o Santa Claus consegue entrar no país carregando tantos objetos sem nota fiscal e não é incomodado pela aduana. Pessoas com meia dúzia de relógios de marca já tiveram mais problemas. Sonegação de imposto e possível abuso de poder econômico para dobrar os mecanismos de vigilância do Estado em prol dos próprios interesses são bandeiras fortes da direita.

Mas, apesar dessas aspirações igualitárias, não podemos esquecer que os duendes, ao que se saibam, não são remunerados, o que configuraria trabalho escravo. Papai Noel não se diferencia muito dos maiores capitalistas do mundo, nesse aspecto. A direita pode até considerar que são todos voluntários e que a corporação Noel Inc. seria claramente uma ONG, mas é difícil imaginar que tantos seres diminutos e mitológicos dediquem tanto tempo de sua vida assim na quebra de patentes e fabricação de intricados componentes tecnológicos, apenas para fazer o bem. Eles precisam ser dignamente remunerados. Imagina o trabalho que é fabricar um XBOX.

Também não podemos deixar de falar das renas do Papai Noel, que são obrigadas a voar em velocidades estonteantes para cumprir o apertado deadline natalino do bom velhinho. Como é de amplo conhecimento geral, renas não são capazes de voar e, desta forma, só podem estar sob efeito de pesados medicamentos para conseguir tal proeza sobrerenal. Maus-tratos animais são completamente dispares do zeitgeist esquerdista. O uso de drogas alucinógenas que provocariam no Papai Noel essa sensação de estar voando em um trenó com tração animal, talvez sejam.

Sobre a pretensa distribuição de renda do Papai Noel, um dos aspectos que não pode ser esquecido é que ele não sai por aí distribuindo brinquedos para as crianças a torto e a direito. Ele estabelece critérios meritocráticos para o seu projeto. A qualquer criança do mundo, não basta existir em sua plenitude para ser agraciada com um presente direto da Lapônia. É preciso que ela seja uma boa criança. É preciso que ela siga critérios extremamente subjetivos, já que é difícil julgar o que é, afinal, se comportar bem durante um ano, ainda mais para uma criança, que não tem muitos objetivos na vida. Ainda mais sem levar em conta as diferentes condições sociais de vida desses infantes. Para um morador da Barra da Tijuca talvez basta não fazer xixi na cama. Esta veia meritocrática do Papai Noel faz dele um possível candidato do partido NOVO. Essa fixação pela figura da CRIANÇA DE BEM, o torna um pretenso membro do governo Bolsonaro.

É Natal na Havan


Por último, mas, nem por isso, menos importante, é preciso lembrar o modus operandis do velho finlandês. Para presentear as boas crianças, o Papai Noel invade casas alheias, o que já faz dele, perante o imaginário popular, uma espécie de Guilherme Boulos. Seu método de invasão pode ser considerado um tanto quanto antiquado: a penetração por chaminés. Não é toda casa que tem uma chaminé, o que denuncia seu projeto elitista, e, além disso, principalmente no hemisfério norte, elas podem estar sujas ou, pior, em pleno funcionamento, colocando em risco a vida do Papai Noel. Não podemos ficar calados diante dessa situação e precisamos sim denunciar a falta de atualização do profissional. Muito mais adequado ao nosso tempo seria a quebra de uma vidraça para entrega do presente, ou, mais simples, deixar o presente na porta, tocar a campainha e sair galopando em uma rena voadora. Atitude que guarda um ar da delinquência tradicional, mas que demonstraria melhores intenções quanto a integridade física da propriedade privada alheia.

Veredito

Dessa forma o Papai Noel pode ser considerado uma pessoa com alguma tendência ao autoritarismo, com traços de repressão das minorias, mas tocando uma política assistencialista e populista. Estabelece um discurso meritocrático, mas atua de forma levemente anárquica. Caminha em um meio termo entre um moderno Ancap e um bom e velho coronel da velha república. Poderia ser um quadro histórico do antigo PFL, hoje DEM.

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