Reposicionamento de marca

Reposicionamento de marca é um destes termos bonitos que o mundo corporativo inventa. Uma maneira simpática de informar que a situação da empresa é calamitosa, que as finanças evaporaram, a aceitação do público se dissipou e será preciso promover uma série de demissões para tentar manter o futuro dos herdeiros da companhia. É comparável ao famoso reboot das séries de super-herói, que ocorre quando os produtores perderam qualquer ideia para continuar aquela história e informam aos fãs que é preciso começar tudo do zero e mais uma vez falar dos pais do Batman, ou mostrar que o Peter Parker viu o tio sendo assassinado e foi picado por uma aranha radioativa. (Eventos completamente aleatórios entre si, mas que tiveram profundo impacto psicológico sobre o jovem que passou a usar uma roupa de borracha e saiu por aí praticando o Le Parkour mais insano que a humanidade já viu).

Em tempos modernos, o reposicionamento de marca deixou de ser uma tendência apenas de empresas pré-falimentares e passou a ser praticado por pessoas físicas normais (ou pessoas físicas que se utilizam de um CNPJ para pagar menos impostos). Você já deve ter se deparado com um conhecido que sempre foi uma pessoa fútil, falsa, ignóbil, melindrada, traiçoeira e etc, mas que repentinamente ressurge no Instagram com uma nova imagem, bem mais positiva.

Use termos em inglês para parecer mais convincente


Geralmente essa pessoa surge com uma foto de perfil utilizando camisas Dudalina e de braços cruzados. A camisa representa o seu sucesso financeiro, que fez com que o cidadão agora seja capaz de pagar caro por camisas feias e os braços cruzados demonstram o esforço e muitas vezes valorizam o bíceps avantajado de quem passa horas na academia, seguindo a linha mente sã corpo são. A foto ainda mostra o sujeito encarando a câmera e consequentemente o seu público, com um olhar confiante e um sorriso discreto, de quem sabe que tem os segredos da vida guardados dentro da própria cabeça, de quem sabe o caminho do sucesso, sabe o que precisa ser feito para dar certo, que superou todas as dificuldades para estar aí hoje, compartilhando o seu conhecimento e sua sabedoria com seus seguidores sedentos por informações.

Aquela pessoa absolutamente desprezível de outrora reposicionou sua marca pessoal. Deixou de ser apenas um candidato ao cargo de anticristo para se tornar alguém invejável. As fotos com as já referidas camisas Dudalina acompanhadas por legendas motivacionais são entremeadas por citações de pessoas famosas, ou que pelo menos parecem ser conhecidas dentro de um círculo de sucesso, exemplos práticos para se obter o sucesso, um ou outro ato de caridade para mostrar que aquele sorriso bonito encaixado em um corpo torneado tem um bom coração, fotos da família (que sempre deve ser descrita como ‘meu maior patrimônio’ ou algo do tipo, mostrando que o acúmulo de bens não se compara ao amor fraternal) e uma outra selfie em que a pessoa está bonita. Selfies em que nosso personagem nunca encara a câmera, uma maneira de dizer, nas entrelinhas, que chega a estar constrangido de expor sua vida perfeita nas redes sociais, mas que este é um mal necessário em nome da autoconfiança.

O reposicionamento de marca pessoal é um fenômeno típico desta era que vivemos, uma espécie de casamento informal entre dois fenômenos contemporâneos: os coachs e os digital influencers. Dois tipos de pessoas completamente desprezíveis, é claro, mas que quando se juntam formam um megazord de autoconfiança capaz de destruir o mundo. A pessoa que se reposicionou não quer apenas parecer legal (algo que ela não é): ela quer, de alguma maneira, te influenciar e servir como um objetivo inalcançável de vida, ser colocado em seu próprio pedestal imaginário.

Alguns dos principais projetos de reposicionamento de marca são: 

Empreendedor
O empreendedorismo é a palavra da moda nesse Brasil partidonovista. Pessoas das mais variadas classes sonham em abrir seu próprio negócio, pelas razões que sejam: desemprego, cansaço com a vida monótona, vontade de fazer seus próprios horários (e então descobrir que agora você não tem mais nenhum horário) ou irritação com o patrão megero que tanto te incomoda (agora você quer ser o próprio patrão megero que inferniza a vida das pessoas alheias).

Empreendedores estão sempre em locais bem iluminados


Não importa que a pessoa seja uma empreendedora de rola (vulga cafetinagem); no Instagram ela é agora a própria autora daqueles livros de administração misturada com autoajuda. Cita diversos herdeiros que administram com brilhantismo os negócios de sua família, faz alguma mentoria, está sempre adquirindo conhecimento e, inevitável, a partir do momento em que abre uma loja de canecas personalizadas, deixa de fazer parte do proletariado e passa a ser um empresário que gera empregos e movimenta a economia (mesmo que o único emprego gerado seja o seu mesmo).

O reboot empreendedor é muito bom porque, se a pessoa der certo na função, ela vai poder contar como é que ela deu certo. Se der errado, ela vai poder contar onde deu errado e falar sobre os próprios erros e também ganhar dinheiro com seu fracasso.

Vida Saudável
A busca pelo corpo perfeito era uma das principais obsessões da sociedade pré-corona. Não é a toa que muitos dos principais influencers da contemporaneidade sejam pessoas que levam a vida fazendo exercícios e se alimentando de maneira absolutamente e ridiculamente saudável. Claro, estas pessoas que se alimentam de broto de alfafa e fazem séries aeróbicas circenses têm uma rotina diária muito especial e inatingível para qualquer celetista, mas, não custa tentar.

Quem tem uma vida saudável está sempre esticando o braço em uma sol sépia


De uma hora para outra aquele seu amigo que está um pouco acima do peso ou que tem pouca massa muscular ou cujo cardápio diário faria a Bela Gil chorar (adendo: é direito de qualquer pessoa estar acima do peso, ter pouca massa muscular ou fazer a Bela Gil chorar com seus hábitos alimentares) surge praticando atividades físcias diárias. Passa a ser o maior consumidor de batata doce do planeta. Vira sócio de uma granja, conhecedor de todos os produtos integrais do supermercado e passa a pagar a caro por bolachinhas sem gosto mas cujos rótulos anunciam o elixir da juventude. Aparece fazendo uns exercícios marotos com halteres e flexões que deixariam o presidente da República orgulhoso. Ele agora é fit, ele agora é saudável, ele agora pode emitir opiniões sobre sua alimentação e dar conselhos.

Geralmente este reposicionamento de marca não dura muito tempo, porque ninguém é de ferro e é difícil encarar farinha de berinjela por muito tempo e logo surge um Dia do Lixo que acaba por se converter novamente em todos os dias da semana e em pouco tempo a pessoa se reposiciona como especialista em alguma coisa, que é o que falamos logo abaixo.

Especialista
Aqui está um caminho fácil porque todo mundo tem alguma especialidade na vida, mesmo que essa especialidade seja em torrar a porra do nosso saco. Existem diversos cursos vagabundos na internet que prometem te capacitar nos mais diversos caminhos e eles tanto podem ser a porta de entrada de uma droga maior (pós-graduação) ou um vício repetitivo, ou mesmo o fim.

Especialistas estão sempre de braços cruzados e sorriso confiante


Eis que repentinamente aquela pessoa que não tinha nem capacidade de usar desodorante na época da escola agora ressurge como especialista em direito constitucional, com um currículo cheio de cursos de nomes complexos em Institutos de Ensino Superior mais ou menos conhecidos. Essa pessoa passa a dar opiniões sobre os temas mais polêmicos da atualidade, sempre fundamentado em uma bibliografia cuja checagem e acesso soam improváveis. O direito constitucional é um exemplo um pouco pesado, mas temos por aí diversos especialistas em nutrição esportiva, endomarketing, psicologia corporativa, gestão de negócios, amamentação materna, gestão do tempo, enfim, talvez sejam todos coachs.

Sim, é um tanto quanto triste pensar que no futuro todo mundo vai precisar ser coach para conseguir um posto de trabalho, que o jornalista vai ser um coach de informações sobre o mundo externo, que o vendedor de roupas vai ser um coach de estoque da loja aplicado à capacidade financeira e aparência física do cliente. Que todo mundo vai ter que gravar vídeos no Instagram, sempre em um tom de voz muito alto e emanando uma positividade incompatível com a vida inteligente e ter piadas corporativas para fazer seus clientes/mentorados captarem a sua mensagem. Mas, é a realidade.

Caridoso
Você achava que aquela pessoa era só um rosto bonito que desempenhava preguiçosamente suas funções trabalhistas, que era só um colega de classe que dormia durante a maior parte das aulas, que era um sujeito gente boa até, mas enfim, você não sabia que essa pessoa distribui comida para moradores de rua, distribui remédios na África Subsaariana, resgata animais de rua e apaga os incêndios na floresta amazônica com suas próprias roupas de flanela.

É relativamente fácil ser esse protótipo de Madre Teresa misturado com o Batman, mas, apesar disso, não é simples reposicionar sua marca para ser internacionalmente reconhecido como uma pessoa caridosa. Caridade enche o saco e em pouco tempo ninguém mais está ligando para você. A caridade explicita é muito mais um complemento ao seu perfil oficial, aquele diferencial que te torna uma pessoa ainda mais admirável. Você é especialista em contabilidade criativa e doa cobertores para mendigos. Levanta 550 kg no Leg Press e ainda nada até alto-mar para salvar baleias presas em redes pesqueiras; abriu uma creperia orgânica e também dá oficinas de plantio de nabo para quilombolas. Aí sim.

Há, é claro, casos extremos em que a pessoa física decreta falência e precisa fechar seu Instagram. Mas, como acontece com os grandes empreendedores, esse é só um tempo antes de um novo rebrand.

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