Grandes dúvidas que não têm explicação (26)

Sinalizadores de buracos

Poucas coisas são capazes de provocar tanta revolta no povo brasileiro como um buraco na rua. Mais do que as filas nos hospitais, a falta de comida em creches e o desemprego, o buraco na rua representa o descaso das autoridades públicas com o dinheiro do contribuinte. Mesmo o mais paciente e tranquilo dos cidadãos, mesmo um padre franciscano praticante de Yoga é capaz de sair de si quando encontra uma cratera em via pública. Os buracos na rua são um grande combustível para a revolta popular.

O ser humano médio costuma a demonstrar sua raiva com uma série de sinais arquétipos que vão desde a tentativa de arrancar as próprias roupas pela cabeça, rasgando calças e roupas íntimas, bater a cabeça contra objetos sólidos, se arranhar, se morder, enfim, autoinfligir algum tipo de dor física, ou fazer com que outra pessoa sinta dor, ou ainda quebrar objetos de pequeno ou de grande porte. A raiva provoca a dor. Ou pedidos por café.

No caso do buraco na rua, essa raiva é manifestada de outra maneira: com a hipersinalização dos obstáculos. Ao invés de vermos pessoas nuas ou esfregando fragmentos de asfalto deteriorado contra o corpo ao lado dos buracos, o que vemos são grandes galhos de árvores introduzidos nas cavidades asfálticas, ou pneus.

Confesso que nunca presenciei o momento em que o cidadão, talvez vítima do buraco, talvez apenas alguém revoltado com sua visualização, talvez um justiceiro anônimo que percorre as ruas da cidade em busca dos defeitos de pavimentação e acredita que seu trabalho irá evitar acidentes e preservar vidas, enfim, o momento em que essa pessoa resolve sinalizar a abertura. Mas, o curioso é que essas intervenções acabam por deixar a via pública ainda mais perigosa. O que antes era um buraco capaz de entortar uma roda, passa a ser um enorme obstáculo vegetal capaz de provocar acidentes de pequenas proporções, ou obrigar o motorista a desviar por cima do meio-fio.

Alguns sinalizadores mais afoitos acabam por colocar uma palmeira inteira dentro do buraco e vários galhos ao redor da fenda, fazendo que a sinalização fique similar a uma intervenção artística ou uma macumba vegana.

Os restos de árvore são a maneira mais popular de se sinalizar um buraco, afinal, quase sempre haverá uma árvore perto da via pública e você irá conseguir algum galho caído no chão, ou poderá obter um se pendurando em um galho e tentando utilizar de força moderada para derrubá-lo, ou ainda escalando uma pequena árvore e, lutando contra a fiação elétrica e uma possível eletrocussão, retirar o facão que todo mundo carrega na cintura e golpear o galho até que ele tombe ao chão e você possa finalmente sinalizar devidamente o defeito na via pública.

Mas estas arrojadas podas vegetais não são a única maneira de se sinalizar um buraco. Os pneus são também muito utilizados e tem uma explicação lógica: a pessoa passou sobre o trecho acidentado e viu seu pneu ser rasgado. Depois de passar por aquele momento constrangedor de trocar o pneu – nunca se sabe se vai dar certo até que finalmente dê certo – ele demonstra todo seu desprezo pela vida depositando o pneu sobre o flagelo asfáltico.
Em Novo Hamburgo, um cidadão (talvez @DadoDoria) enfiou um sofá velho em um buraco. Podemos imaginar todo o trabalho que ele teve, apenas para sinalizar a fenda e provocar um acidente, como a imagem mostra

Também é possível utilizar tijolos de obras próximas ou que você eventualmente carregue no porta-malas e o que mais sua imaginação permitir. Certa vez, surgiu um buraco na Avenida das Torres aqui em Cuiabá que foi devidamente sinalizado com uma pequena floresta cenográfica. No entanto, os galhos foram sumindo lentamente e logo surgiram grandes estacas utilizadas em obras e no dia seguinte apareceu uma cadeira plástica amarela de bar, daquelas da Skol.

Sim, vocês podem imaginar o quão grande era o buraco a ponto de que fosse possível encaixar uma cadeira de ponta-cabeça dentro dele, mas o que eu fiquei pensando mesmo foi onde é que essa cadeira foi encontrada. Não havia um único bar nas proximidades da deformidade e eu não sei quem é que anda com uma cadeira da Skol no carro, ou quem é que roda a cidade atrás de uma cadeira amarela, ou quem seria capaz de agir com violência contra um ambulante sentado em uma e, enfim, a cadeira estava quebrada o que faz com seu uso prévio seja ainda mais inconclusivo.

Enfim, como o negócio é utilizar a criatividade, sugiro aqui outros objetos que podem ser usados para sinalizar estes pequenos/grandes defeitos públicos:

- Quadros de Romero Britto

Extremamente, diria até que ofensivamente coloridos, quadros do artista pernambucano radicado em Miami seria uma ótima maneira de se sinalizar os buracos nas ruas. Uma vez que o material utilizado neste trabalho de sinalização costuma a desaparecer lentamente, sendo aos poucos transformado em poeira cósmica, imagino que a utilização de quadros do Romero Britto na sinalização de buracos teria uma dupla função: sinalizar buracos e fazer com que os quadros de RB lentamente desapareçam do planeta.

Bem, uma vez que a sugestão da utilização dos quadros de Romero Britto já foi boa demais, tornando impossível a possibilidade de sugerir qualquer outra hipótese minimamente tão boa, me reservo ao direito de não fazer mais sugestões de colocar, tipo, o próprio Romero, ou o Bruno de Luca nos buracos.
Aqui podemos ver uma pessoa que utilizou seu próprio carro para denunciar o arrombamento do solo.

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