Entendendo: Halloween


Durante muito tempo, o Halloween foi uma dessas coisas que só os americanos gostavam e entendiam, tal qual o futebol americano, os reality shows e a banda Eagles. Exceção feita a esta última, todas as outras atrações deixaram o espaço aéreo norte-americano e invadiram o restante do planeta. Nos dias de hoje é normal ser abordado na porta de sua casa por crianças em fantasias decadentes falando sem nenhuma convicção “doces ou travessuras”, tão normal quanto ir em um bar e encontrar a galera de ombreiras discutindo quantas jardas o quarterback vai precisar lançar para conquistar um touch down.

As origens do Halloween estão na puta que o pariu na tradição de vários povos de celebrar seus mortos. No Brasil nós temos o Dia de Finados, quando as pessoas levam flores para os cemitérios. O México tem seu Dia de Los Muertos, quando eles pintam caveiras com temas de Frida Kahlo. Nos Estados Unidos, as pessoas preferem utilizar fantasias extravagantes, fazer esculturas em abóboras e encher o saco da vizinhança em busca de açúcar.

Alguns dos principais símbolos desta data cheia de liturgias são:

Bruxas: o Dia 31 de Outubro é, afinal, antes de qualquer outra coisa, o Dia das Bruxas. Mulheres com aparência assustadora que costumavam a participar de rituais satânicos e manipular substâncias naturais para a criação de poções. Acusadas de canibalismo e tentativa de homicídio, eventualmente acabavam queimadas em fogueiras pela punitivista sociedade de então. Loucas, deusas, feiticeiras, mal compreendidas, vítimas do preconceito e do machismo, o fato é que a imagem das bruxas mudou e elas são vistas com mais simpatia, chegando a ganhar uma aparência fofa em abordagens contemporâneas.

Gato Preto: Felinos que, por complexas razões genéticas, nasceram com todos os pelos do seu corpo negros. Eram considerados ajudantes das bruxas, pequenos feiticeiros. Outros acreditavam que as bruxas se transformavam nos animais (um felinicídio disfarçado de caça as bruxas ocorrido na Idade Média teria sido responsável por uma superpopulação de ratos que resultou na peste bubônica). Até hoje os animais são vistos como símbolos de azar, mesmo que o azar seja só do gato que tem que conviver com gente escrota. (Ou azar de escutar Roberto Carlos cantando 'Eu sou o negro gato').

Vassoura: Vocês sabem, seu cabo é pior do que cenoura. A lenda diz que as bruxas seriam capazes de voar quando sentadas sobre elas. O que de certo fato seria uma prova da incompetência das bruxas. Com tantos objetos mais interessantes para se utilizar em um voo sobrenatural, não entendo porque alguém escolheria uma simples, relés e insossa vassoura.

Morcegos: São a porra de um animal realmente assustador, capaz de sugar o sangue das pessoas e tudo mais. Normal que as pessoas sintam medo.

Doces ou Travessuras: Durante muito tempo eu tive a seguinte interpretação sobre esta interpelação feita pelas crianças vestidas com lençóis na cabeça: elas queriam receber doces ou serem sacaneadas. Você devia entregar um pacote de balas para elas ou uma sacola com pedras ou restos de frutas em decomposição. Acho que esta minha percepção veio por conta de um clássico episódio de Halloween do Snoopy, no qual o Charlie Brown sempre recebia pedras da vizinhança. No entanto, o que as crianças góticas fazem é outra coisa, uma prática criminosa conhecida como extorsão. Elas pedem doces, ou dinheiro, e, se você não aceitar o pedido, elas irão vandalizar a sua casa, colocando em risco sua integridade física e patrimonial.

Abóboras: Seriam um símbolo da fertilidade, tal qual o chocolate e os coelhos da Páscoa. Os americanos tem o costume de esculpir rostos demoníacos nos jerimuns e então acender velas dentro deles, uma forma de guiar o espírito de um alcóolatra de tempos remotos.

Passar embaixo da escada: Não tem nenhuma relação com o Halloween, mas é praticamente impossível fazer qualquer matéria que cite gatos pretos e o oculto sem citar o perigoso ato de passar embaixo de escadas.

Parando para pensar, o Halloween é um culto ao ocultismo. Me parece um tanto quanto estranho a sua popularização neste momento de obscurantismo cristão pelo qual o Brasil passa. Algumas hipóteses para este sucesso atual:

Influência dos cursos do inglês: a hipótese mais óbvia, tão lógica que chega a ser broxante. Desde que as escolas de idioma se popularizaram no Brasil nos anos 90, elas não se contentaram apenas em ensinar o idioma de outro lugar: pretendem repercutir hábitos culturais. Como o dia de Ação de Graças é muito complexo para ser entendido e a independência norte-americana só é celebrada pelo clã Bolsonaro, restou às escolas realizarem festas de Halloween. Tal qual os caramujos africanos, o hábito saiu completamente de controle e infestou o país inteiro. O Instituto da Língua Inglesa tentou popularizar o St. Patrick’s Day, mas como não é de bom tom fazer as crianças beberem chope verde (na verdade não é bom fazer ninguém beber chope verde. Chope verde devia ser proibido), a celebração não prosperou.
Nem estou achando o Halloween tão ruim agora

Lobby da Abóbora: Existem diversos tipos de cucurbitas sendo vendidas em território nacional, nos mais diversos tamanhos e formas, fálicas ou não, incluindo as abobrinhas que, se pararmos para pensar, tem pouquíssimo em comum com as abobronas. A abóbora moranga o tipo preferido utilizado pelos escultores amadores norte-americanos é certamente a menos popular delas no nosso país, ficando bem atrás da cabotiá. Parece que dá um trabalho danado plantar abóbora e ver aquela fruta e todo o esforço necessário para que ela germinasse e chegasse até as prateleiras, enfim, ver tudo aquilo apodrecendo dói no coração de qualquer um. Por isso, é melhor incentivar o seu consumo não alimentício e tacar uma vela no meio dela, enquanto pessoas morrem de fome pelo mundo.

E é isso. Se for ficar em casa hoje, se proteja dos ataques juvenis. Se sair de casa, tome cuidado. Outro costume norte-americano para esta data é aproveitar que todos estão vestidos com fantasias que dificultam sua identificação pelas autoridades policiais para sair por aí matando geral das maneiras mais cruéis possíveis.

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