Novos golpes na praça

Na ânsia pela ilicitude, grupos criminosos estão cada vez mais criativos. Uma série de golpes inovadores tem chamado a atenção de agentes policiais de todo o país, que buscam maneiras de desarticular essas quadrilhas.

Belizário Roberto* foi uma das vítimas desses grupos organizados. Senador da República e filho do presidente brasileiro, ele teve seus dados financeiros devassados pela atuação de um criminoso. Ele conta que tudo começou há mais de 30 anos, quando um integrante da quadrilha fez amizade com seu pai e passou a frequentar reuniões familiares. Mais tarde, quando ele se elegeu deputado estadual, o suposto amigo foi nomeado em seu gabinete e começou a organizar um esquema criminoso de desvio de salários, tudo com o objetivo de pagar contas pessoais de Belizário.

“Quando eu ia ver, todo mês as contas da escola das crianças, do plano de saúde, estava tudo pago. Achei estranho, mas pensei que fosse algum desconto pela minha atuação em defesa da sociedade”. Quando o esquema criminoso foi descoberto, sua vida se tornou um inferno. “Começaram a me acusar, a atacar a honra da minha família, mas eu sou inocente. Como é que eu poderia saber que uma pessoa infiltrada no meu gabinete seria capaz de um crime desse? A polícia precisa descobrir quem é que colocou ele lá dentro para minha prejudicar”. Imagens obtidas pela Polícia mostram o momento em que o agente criminoso invadiu uma agência bancária para pagar mensalidades escolares dos filhos do hoje senador.

“Esse não é o único golpe financeiro que os criminosos praticam hoje em dia”, revela o delegado Flávio Teichman. “Alguns grupos mais audaciosos chegam a clonar os cartões da vítima e roubar seus dados bancários com o objetivo de pagar os boletos delas”. Em alguns casos, os criminosos chegam a desviar dinheiro de outros lugares para impedir que a vítima fique em dívida com seus credores. “É uma grande perda social para o indivíduo, que fica impossibilitado de fazer piadas sobre boleto na internet, restando apenas às referências a Brahma Litrão”.

Pagar a conta das vítimas é apenas uma das atuações dessas quadrilhas modernas. Felisberto Casanova, que até o ano passado era ministro da Justiça, foi vítima de um bando que inseriu mensagens plenamente lícitas no seu aplicativo Telegram. “Depois eles divulgaram para a imprensa de maneira ilegal uma série de conversas lícitas que eu tive com alguns amigos e colegas de trabalho, me deixando em situação bastante constrangedora”, disse com voz de pato, sem precisar de nenhum efeito sonoro.

Sem limites para a crueldade, o grupo também se aproveitou da invasão para deixar registradas mensagens de fidelidade e amor eterno à esposa da vítima. “Ficou uma situação que gerou um melindre, porque aparentemente não havia motivo para que eu fizesse juras de amor naquele momento”, disse.

Roberval Saianovski, que chegou a ser anunciado como ministro da Educação, também foi vítima de hackers que adulteraram seu currículo lattes, gerando embaraço junto à sociedade. “Colocaram lá que eu tinha um doutorado, sendo que minha tese não foi aceita por estar muito a frente do nosso tempo”, disse.

Além dos ataques cibernéticos, as novas quadrilhas também provocam ameaças e danos físicos às suas vítimas. O empresário Floriano Peixoto passou por uma situação tensa no final do ano passado. Quando voltou para a casa depois de um extenuante dia gerando empregos e renda para a sociedade, ele encontrou a porta da sua casa aberta. “Chamei pela minha esposa e filhos, mas não encontrei ninguém em casa. Comecei a olhar todos os cômodos e, quando cheguei na cozinha, descobri que tinham lavado toda minha louça”.

Questionado pela reportagem que esse crime não chegava a ser de todo ruim, Floriano relata que teve que lidar com as queixas da esposa quando a mesma chegou em casa. “Eu nunca lavo a louça e, ao ver a pilha limpinha, com os requintes de crueldade de secar tudo e guardar no armário, ela ficou desconfiada e começou a achar que eu tinha aprontado. Acabamos nos divorciando, porque ela acha que eu tenho uma amante”.

Eri Alberto, que é dono de uma picape e produtor agrícola, conta que também foi vítima de criminosos com modus operandi parecido. “Eu sempre estaciono meu carro ocupando duas vagas de deficientes físicos. Sempre. Um dia, ao sair do mercado, não encontrei meu carro. Acionei a polícia, mas, para minha surpresa, ele estava estacionado corretamente em uma vaga a poucos metros do local”. As imagens de segurança mostraram a ação dos criminosos, abrindo seu carro e o estacionando no lugar correto. “Fiquei desmoralizando perante meus amigos e fui afastado do cargo de direção na Sociedade Agrícola da qual eu fazia parte. Comecei a ser hostilizado pelos outros donos de picape e tive que trocar meu carro por um sedã, porque só pode dirigir picape quem faz tudo errado no trânsito”.

Momentos de terror mesmo foram vividos por Luciano Serafim, dono de uma rede de restaurantes. No final de junho ele saia da academia que frequenta em um bairro de luxo da capital, quando foi rendido por três homens armados. Luciano foi forçado a se sentar no banco de trás do seu carro com o rosto vendado e por lá permaneceu enquanto os criminosos rodavam pela cidade. Quando o carro enfim parou, o empresário temeu pelo pior.

“Achei que seria brutalmente executado, ou que finalmente havia chegado ao endereço do meu cativeiro. No entanto, estávamos em um shopping center em uma cidade vizinha. Pensei que iam me obrigar a sacar dinheiro e depois iriam me matar”, relata. Ele não esperava a surpresa que estava por vir.

Sob a mira de uma arma de fogo, Luciano foi orientado a não se manifestar, caso o contrário seria morto. A vítima conta que foi levada até a loja de roupas mais caras do estabelecimento. Chegando lá, os bandidos o obrigaram a experimentar dezenas de ternos, todos muito bem cortados e de tecidos finos, além de camisas de linho e gravatas de verdadeira seda chinesa. “Eles não paravam, eu já estava ficando cansado de tanto experimentar roupas e sem entender onde é que aquilo tudo iria chegar”.

No fim das contas, os criminosos gastaram mais de R$ 20 mil nas peças de roupa. “Antes que eu pegasse meu cartão de crédito, o bandido que parecia liderar o grupo prontamente pagou a conta”. De volta ao carro, ele foi vestido com a roupa “que realmente ficou muito bonita, de muito bom gosto”. Novamente vendado no banco de trás, os criminosos ligaram para a sua esposa. “Pensei que iam pedir resgaste, mas apenas me fizeram marcar um jantar com ela no restaurante do Olivier Anquier. Me deixaram lá, onde eu a encontrei e descobrir que o jantar já estava pago”.

Toda a situação constrangedora também levou ao fim do casamento de Luciano. “Como é que minha esposa ia acreditar que eu não paguei nada por aquilo tudo? E quem é que escolheu aquela roupa, uma vez que eu não tenho senso estético suficiente. E porque eu havia pago aquilo tudo? E quem é que ia acreditar nessa história toda? Foi tudo muito doloroso”.

O delegado Flávio Teichmann alerta que é importante manter sigilo sobre suas atividades profissionais e sempre usar filtro solar, para se prevenir dessas ações.

*Todos os nomes dessa reportagem foram alterados em virtude de um ataque hacker.

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