Viver era mais fácil antes das redes sociais

Meus pais se formaram na faculdade no começo dos anos 80. Faziam parte de uma turma que devia ter, sei lá, seus 40 alunos de sempre. Depois de formados, eles realizaram algumas mudanças de cidade e retornaram ao município em que receberam o diploma um par de vezes apenas. Desses mais de 30 anos pós-formatura, eles passaram uns tantos sem ter nenhuma notícia sobre os seus colegas de sala. Se retornarem no tempo e pensarem nas pessoas com as quais estudaram nos tempos de colégio, muitos se tornaram totais desconhecidos, e aqueles que ficaram guardados na memória já podem se considerar privilegiados.

Agora penso em mim, que não tenho 10 anos de formado. Eu sei por onde andam quase todos os meus colegas de faculdade. Sei também da vida da maioria das pessoas com as quais eu estudei no colégio. Sei quem é que teve filhos, quem se casou, quem está fazendo mestrado, quem virou corretor de imóveis, quem virou funcionário público. Se eu não souber da vida da pessoa, certamente terei acesso fácil a alguém que saberá. Não é apenas o estado atual delas: eu teria condições de saber cada passo da vida de cada um desses indivíduos.

A culpa disso tudo, é claro, são das redes sociais, mais precisamente do senhor Zuckerberg. É graças ao Facebook e outras redes sociais desenvolvidas de maneira independente, mas que hoje fazem parte do seu grande conglomerado, que nós temos acesso diário as fotos, opiniões, assuntos de interesses de centenas de pessoas que passaram pela nossa vida. Como diz o lema deles, eles conectam pessoas, custe o que custar.

Pode parece muito bom manter contato direto com tantas pessoas que conhecemos, pode gerar uma sensação de bem-estar e pertencimento ao mundo. Chega a ser triste pensar que meu pai pode ter passado décadas sem falar com seus colegas de república universitária e que alguns deles ele nunca mais viu e pouco sabe o que aconteceu com eles depois que todos receberam um canudo com um papel dentro.

No entanto, quero aproveitar esse momento em que a empresa do M. Zuckerberg passa por sua grande e interminável crise de imagem, para fazer um contraponto e afirmar: talvez não seja tão bom assim estar conectado com tantas pessoas o tempo inteiro. Em muitos momentos, isso é péssimo.

Excesso de Informação

Não estamos preparados para lidar com tantas informações assim. Afirmei algo parecido em um texto de retrospectiva anual de algum tempo atrás e ainda acho que isso é verdade. O ser humano viveu boa parte da sua existência em um enorme marasmo de acontecimentos, sabendo apenas do que acontecia com as pessoas que viviam no seu entorno. Esse entorno foi crescendo cada vez mais, até que ele ficasse com o tamanho do mundo.

Quando eu era adolescente a quantidade de informações a que eu era submetido cabia em um jornal impresso ou condensada em 45 minutos de TV. Hoje em dia, essa informação é praticamente infinita nos sites da internet – humanamente impossível ler tudo o que está nos principais sites, e multiplicada pelas opiniões de todas as pessoas que você conhece. Não basta ler sobre a Operação da PF, você sabe a opinião de, pelo menos, dez pessoas – três colunistas e sete pessoas aleatórias das redes sociais – e dezenas de desdobramentos sobre o assunto, em infinitos textos sobre os quais é praticamente impossível ter uma reflexão. Não é a toa que as fake news são tão populares nos tempos atuais. Com tanta informação que nos é fornecida o tempo todo, ficou praticamente impossível ter tempo para ter senso crítico.

Pressão e Depressão

Novamente penso nos meus pais: eles tiveram suas dificuldades depois de se formarem, como é comum com praticamente qualquer pessoa que tenha saído da faculdade. Afinal, essa é certamente a transição mais difícil que enfrentamos. Mas, talvez, esse processo tenha sido mais fácil para eles justamente porque eles não tinham um Facebook pressionando-os o tempo inteiro.
Lembra de mim, Vânia? O Walter da 5ª B. As coisas desandaram um pouco.

Nossas vidas nas redes sociais são apenas edições que fazemos de nós mesmos, com diferentes graus de exposição e hedonismo. Queremos receber curtidas e, para isso, nada melhor do que mostrar como somos pessoas interessantes. Vamos em lugares legais, comemos comida boa, nos vestimos bem e dizemos coisas inteligentes. Mal comparando, o Facebook é como os melhores momentos de um jogo de futebol: qualquer porcaria pode ficar interessante. Ficou ainda pior depois do surgimento do Snapchat, que teve suas funções surrupiadas pelo Instagram. Os Stories, e sua edição frenética do cotidiano, fazem com que a vida alheia pareça ainda mais perfeita e cheia de adrenalina.

E porque isso não é bom? Porque a vida é difícil, geralmente na maior parte do tempo. Trabalho desgastante, relações pessoais conflituosas, dificuldades financeiras e profissionais, enfim, temos uma série de problemas diários que dificilmente levamos para as redes sociais. Isso sem contar quando ela não é pura e simplesmente monótona. Afinal, não é legal saber que o PF¹ que você come cinco vezes por semana é horrível. Ou que você tem um chefe escroto. Que suas férias no fim das contas foram uma decepção, apesar das belas fotos². Então, você está nesse vácuo existencial, entra no Facebook e o que vê? A edição perfeita da vida perfeita de dezenas de pessoas perfeitas. Olhe, preste bem a atenção nesses rostos. A vida deles não tem defeitos, todos estão felizes, o mundo inteiro é uma enorme bolha de felicidade exceção feita a uma única pessoa: você. Só o seu trabalho é infeliz, só o seu relacionamento não é bom, só você que não consegue divertir. Quando você está em um sábado a noite em casa e entra no Stories e vê os flashs alucinantes da diversão alheia. Isso não te faz se sentir mal? Pensar em como as pessoas estão se divertindo? Enquanto você é só um traste inútil incapaz de aproveitar as delícias do mundo, jogado em seu sofá encardido, com a boca escancarada cheia de dentes esperando a morte chegar.

Mas não é verdade. Provavelmente a pessoa que compartilhou um belo prato de comida recentemente está invejando o seu look do dia e pensando como você tem estilo e é feliz enquanto a vida dela é uma merda. E o sucesso profissional então é terrível. O quão horrível é sentir que você é o único fracassado da sua turma de faculdade? Que enquanto todos os seus colegas estão viajando, escrevendo livros, traçando projetos incrivelmente interessantes, ganhando dinheiro com prazer, só você tem uma vida extenuante e maçante? Como lidar com essa pressão de não fazer o sucesso que já deveria estar fazendo pelo parâmetro daqueles que são seus contemporâneos? Não é a toa que vivemos hoje num enorme mar de depressão e ansiedade, com as pessoas na busca por um eterno estado de excitação e adrenalina. Temos a constante sensação de que somos a única coisa que não deu certo no mundo. Só você deu errado.

Isso não é verdade. Não que isso signifique que sua vida não seja uma merda. Apenas que, não é SÓ a sua vida que é uma merda. Todo mundo está junto nesse barco. Não sei se isso te ajudou.

Pessoas não são tão interessantes assim

Eis uma constatação que chega a ser um tabu, mas, o fato é que pessoas não são tão interessantes assim. Você não é interessante, eu não sou, 97% das pessoas com as quais você convive também não são interessantes. Elas podem ter eventualmente feito um comentário inteligente sobre alguma coisa, ter tirado uma boa foto, ter um gosto cultural parecido com o seu, mas isso não faz com que ele seja interessante, ou que sua trajetória e pensamentos mereçam ser constantemente acompanhados pela massa crítica e consumidora do planeta.
Querem um exemplo? Gabriel Chalita. O que aconteceu com a humanidade para que uma pessoa tão claramente desinteressante tenha atingido tamanho grau de influência. Em que planeta alguém estaria interessado em escutar o que essa figura tem a dizer sobre que assunto seja?

Somos, em nossa imensa maioria, absolutamente esquecíveis. Banais. Por mais que tentemos imaginar que nossa vida é especial, ela é bem similar a da imensa maioria das pessoas. Todos ficamos presos no trânsito alguns minutos do dia, todos temos refeições frustradas, momentos de indisposição física e nos metemos em algumas furadas. Só que ninguém divulga isso. Ninguém posta que ficou 40 minutos esperando na fila do supermercado. Porque isso não é interessante. Mas é a vida. Que talvez não seja realmente tão interessante assim.

Desgaste

Essa convivência extrema com quase todas as pessoas que você conheceu um dia acaba por gerar desgaste. Por gerar ódio mesmo. Vai dizer que hoje em dia você não suporta pelo menos uma dúzia de pessoas que estão na sua rede social. Tudo isso porque você descobriu que um cara do trabalho é misógino, que uma série de colegas de colégio, vizinhos e enfim, sejam verdadeiros babacas. Um professor que você admirava é um ser desprezível. Aquela amiga que parecia legal é preconceituosa. Enfim. A grande novidade é que, talvez, para essas pessoas, você seja o babaca. É bem provável que nesse momento alguém te considere uma pessoa desprezível e você esteja entre a uma dúzia de pessoas que ela odeia.

Não é a toa que o ódio virou uma grande moeda de troca eleitoral, humorística, de convívio social. Hoje em dia, o que une os povos é o ódio. Essa convivência extremada com tantas pessoas fez com que cada vez mais sintamos ódio. Um ódio pela nossa própria vida que parece tão ruim em relação as outras, ódio porque um cara que você já odiava no colégio parece que tem uma vida muito boa hoje, ódio porque existem pessoas tão ignóbeis, ódio por aquela pessoa que é bonita e fica se exibindo por aí, uma enorme bolha de ódio e no dia em que ela estourar vai esparramar ainda mais ódio por aí.

Isso se já não estourou.

Realmente devia ser mais fácil viver quando não precisávamos passar por tudo isso.

¹PF de Prato Feito. A citação anterior da sigla PF era relacionada à Polícia Federal.
²Só Vale falar mal de um hotel ou restaurante em rede social se suas publicações tiverem o engajamento necessário para que você seja de alguma forma compensado financeiramente por isso.

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