Explosão Farmacêutica

Petrópolis, a minha cidade natal, pode ser famosa por sua colônia alemã, por ter sido a colônia de férias da família imperial ou como o berço da cerveja Bohemia. Também é conhecida por seu clima serrano, com seu frio persistente e chuva atemporal, que constantemente atrapalha os passeios pelo Museu Imperial ou pela Casa de Santos Dumont e, em casos mais extremos, proporciona inundações ou deslizamentos, tragédias amplamente divulgadas no noticiário nacional.

(Nos fim dos anos 90, a cidade também se tornou famosa pelas “Meninas Cantoras de Petrópolis”, um grupo coral juvenil que surfou na explosão dos conjuntos de arranjos vocais da época e que se apresentou pelo menos 38 vezes no programa da Hebe Camargo. No entanto, a saturação deste mercado, o envelhecimento das cantoras que negaram a mudar seu nome para “Senhoras Cantoras de Petrópolis” e o recente falecimento de Hebe Camargo fizeram com que o grupo perdesse relevância e encerrasse suas atividades em 2016).
Este post é uma oportunidade para discutir a evolução da apresentação visual das farmácias ao longo dos últimos anos. No começo, elas funcionavam em casarões como todos os outros comércios.

No entanto, uma das grandes memórias de infância que eu tenho sobre a cidade era uma peculiaridade que não deveria render fama nenhuma: o incrível número de farmácias. Andar pela Avenida¹ era trombar nos mais diversos estabelecimentos farmacêuticos, o que provavelmente tinha uma grande ligação com o avantajado número de idosos que fixaram suas residências em Petrópolis.

Só que esta antiga característica da cidade foi perdida. Não que não existam mais farmácias em Petrópolis. Uma rápida busca no Google Maps demonstra um total de 15 drogarias em um espaço de apenas 500 metros. Não foi Petrópolis que mudou, mas sim o Brasil. Vivemos em um país tomado por drogarias, um fenômeno que provavelmente tem alguma ligação com o envelhecimento da nossa população ou com o poder da indústria farmacêutica, ou ainda com o nosso caos cotidiano, quem sabe com a máfia.

A Avenida Nossa Senhora de Copacabana, por exemplo, parece uma mostra internacional de farmácias. Tal fenômeno se repete em muitas das nossas principais capitais e de suas principais avenidas. (Exceções feitas a: Avenida Paulista, que permanece sendo um enorme mostruário a céu aberto de agências do Banco Itáu; e Brasília, cujas farmácias ficam concentradas nos SFS e SFN (Setores Farmacêuticos Sul e Norte)).

Em Cuiabá, a explosão demográfica das farmácias é muito bem representada pela rede Drogasil. Esta franquia outrora desconhecida que se alojou de todo e qualquer terreno improdutivo da cidade, como se eles fossem uma espécie de Movimento dos Sem Terra. A Drogasil mudou drasticamente a aparência da cidade, conseguindo criar lojas em espaço nos quais não imaginávamos que fosse possível estacionar um carro.
Nos anos 60, as farmácias ganharam este visual clássico. Rodapé verde - cor associada à saúde - nome da farmácia pintado direto no fundo branco da parede.

Ainda temo descobrir que uma sessão secreta da Câmara dos Vereadores alterou o plano diretor da cidade, obrigando que toda esquina cuiabana tenha uma farmácia. O modus operandi da Drogasil é sempre o mesmo: elas surgem do nada. Um dia você está passando na rua e ela está como sempre esteve. No outro, surgiu um prédio amplamente iluminado com igualmente amplo estacionamento o totem vermelho com o símbolo da empresa e uma centena de clientes andando em seus corredores ridiculamente e eu diria que até ofensivamente iluminados, carregando suas cestinhas com os mais diversos remédios e os cupons de desconto que eles imprimem apenas para mostrar que não são exatamente amigos da natureza.

Há algo de hipnotizante na Drogasil, que eu não sei se tem relação justamente com a iluminação, ou com a paleta de cores, figurino dos funcionários, disposição das mercadorias, mas que sempre que você entra em uma e depois de pegar o remédio no balcão, é quase impossível não ficar andando mesmerizado por entre escovas de dente, remédios para ressaca, latas de leite em pó e tinturas de cabelo, todos produtos mais caros do que no supermercado e que no fim você não vai levar, mas despendendo ali algumas horas preciosas da sua vida.
Nos anos 2000, as farmácias passaram a apostar na cor azul e no uso de pastilhas na parede. O nome do estabelecimento deixou de ser marcado com tinta na parede e passou para os painéis de lona, muitas vezes espalhafatosos

Pois bem, do nada nos deparemos com estes grandes templos do consumo de fármacos. Só nos resta nos lembrar do que é que havia naquele local antes da Drogasil se apoderar dele. “Olha, não é aqui que ficava um estacionamento?”. “Sim, era a casa do seu Adonias”. “Caramba, eles fizeram uma loja onde funcionava uma casinha de chaveiro”.

Não que não haja outros estabelecimentos penetrando na nossa malha urbana, como as lojas de açaí e barbers shops, mas estes parecem destinados ao fracasso futuro, vítimas de alguma moda temporal que não irá prosperar. Farmácias não, elas só tendem a aumentar porque, ao que tudo indica, cada vez mais teremos pessoas doentes nesse mundo e precisando de cuidados paliativos adquiridos em um corredor hiperiluminado.
Por fim (se perceberem é a mesma farmácia da última foto), os estabelecimentos passaram a apostar na cor vermelha, em grandes painéis acrílicos cobrindo todas as paredes e em logomarcas de estilo mais limpo.

O que nos resta é torcer para um dia não chegarmos em casa e descobrimos que um dos cômodos ganhou estacionamento, totem, clientes carregando suas cestinhas com papeis de desconto, percorrendo corredores de escovas de dente sob lâmpadas potentes.

¹A Avenida Principal de Petrópolis já teve vários nomes e atualmente atende pela alcunha “Rua do Imperador”. Porém, nada disso importa, o logradouro é conhecido prosaica, cordial e provincianamente como “Avenida”.

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