Com quem será?

Maior terror da vida de nove entre dez crianças¹ a musiquinha pós-parabéns “Com Quem Será” é de fato uma obra aterrorizante dentro de sua lógica determinista.

A canção começa fazendo uma pergunta que de fato é frequente na vida de muitas pessoas. Com quem será que o fulano, ou a fulana, vai casar? Pergunta que mexe com a imaginação, mas que tem um espectro existencial enorme quando é feita para uma criança de oito anos. Senão vejamos, ainda nos primeiros anos de sua jornada terrestre, o fulaninho, ou fulaninha – chamemos a partir de agora de João Victor, apenas para facilitar – muito provavelmente não conheceu a pessoa com a qual ele vai se casar. Isso se ele decidir se casar.

Por mais que tentemos imaginar, é difícil cravar que o João Victor vai se casar com a Vanessa, que ele vai conhecer na aula de hidroginástica daqui a 23 anos durante o processo de recuperação de uma cirurgia no joelho. Ou com o Breno, auxiliar do escritório de advocacia onde ele deu início ao processo de indenização contra a fabricante do forno micro-ondas que explodiu e incinerou sua cozinha.

Pois bem, a música restringe as opções matrimoniais da criança a um pequeno grupo de representantes de mesmo faixa etária e do sexo oposto presentes no mesmo recinto e que muito provavelmente não estão esperando nenhum casamento, só querem que que o bolo seja cortado e os brigadeiros enfim sejam liberados. Esta lógica excludente vai afirmar que o menino JV irá se casar com a Bárbara e apenas se ela quiser. Sim, não deixa de ser um avanço levar em conta a vontade da outra pessoa, mas isso acaba condenando o aniversariante a eterna solidão caso a possível parceira decida por rejeitá-lo.

Muitas vezes o casal arranjado chega a gritar para que o fictício matrimônio futuro não se concretize, mas nunca, jamais, foi registrado um único caso em que essa pressão resultou no prosseguimento da canção dizendo que ela não aceitou, viveram sozinhos e amargurados até a morte.

Pois bem, o aceite tem como consequência a geração de vários filhos e um súbito divórcio. Bem, não sei quanto a vocês, mas por vários filhos eu entendo pelo menos seis e esta previsão é cada vez menos condizente com a sociedade atual, na qual a média de filhos por casal segue caindo e tendendo a um.

Logo depois dos filhos já vem o plot twist que é a separação. Ao que tudo indica, a história do casamento meio-forçado não tem um final feliz. Estas duas crianças de oito anos irão passar pelo desgaste emocional e psicológico de um divórcio recheado de acusações mútuas e muito ressentimento.

Tudo isso para o que? Para que passado apenas um mês, os dois resolvam se casar outra vez. Bem na hora que os amigos estavam gastando todo o veneno acumulado contra o conge² alheio, os dois resolvem se comportar como um bando de desajustados e impulsivos, incapazes de agir com o mínimo de racionalidade de parcimônia, passando por esse constrangimento público de um novo casamento após um divórcio tumultuado. É muita reviravolta dramática para essas crianças, o que faz com que o medo delas seja justificado, mesmo que elas nem devam saber qual é a real razão deste medo no momento pós-parabéns, estejam apenas com anseio e certa repugnância da imagem de terem que se relacionar com uma pessoa do sexo oposto em um futuro próximo.

Geralmente a canção termina por aqui, mas ela tende ao interminável. Não há um consenso sobre o seu prosseguimento depois do segundo casamento, talvez porque ninguém leve mais o casal a sério. No entanto, as possíveis sequências versam sobre o casal fazendo sexo nos mais diversos lugares do mundo e parindo crianças em lugares exóticos, tendo que arrumar nomes que rimem com o lugar do nascimento – foi no Japão que tiveram o João, na Bahia a Maria, no Ceará um menino conhecido pelo apelido de Ceará.

Só nos resta observar esta situação e rezar para que eles jamais tenham um filho no Zimbábue e admirar a futura invejável condição financeira do casal, que permite que eles façam essa road trip gestacional pelos destinos mais insólitos, sem qualquer espécie de ruína financeira que os obrigue a ir para Santo André ter o André.

¹ A única exceção é o menino Dylan, que teme a imparável marcha do tempo que nos leva para uma inevitável morte.

² MORO, Sérgio. 2019.

Adendo: Sugestões para a letra:

Com quem será? Com quem será?
Com quem será que o João Victor vai casar?
Vai depender, vai depender
Vai depender de uma série de conjunções que não nos cabe prever

Com quem será? Com quem será?
Com quem será que o João Victor vai casar?
Não nos importamos, não nos importamos
Pode ser com quem quiser assim mesmo de você João Victor nós gostamos

Com quem será? Com quem será?
Com quem será que o João Victor vai casar?
Vai depender, vai depender
Vai depender ser a Bárbara vai querer
Ela não aceitou, ela não aceitou
E é direito dela optar por concluir seus estudos

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