A importância do planejamento familiar

Formado na cidade de Niterói em 2015, o grupo Melim é mais um desses furacões musicais que invariavelmente atingem as terras brasileiras. Chegam sem maiores avisos, sorrateiramente provocam uma enorme destruição e, quando vamos ver, não há um único lugar em que você esteja seguro. Poderíamos também dizer que o trio fluminense é uma febre, provocada por um desses vírus que pareciam isolados, mas que quando vamos ver já contagiaram a população e não é possível ficar imune.

Até outro dia, o conjunto musical formado por três irmãos de sobrenome Melim estava restrito ao YouTube , gravando junções de músicas nacionais e estrangeiras, os populares medleys. Nos vídeos, os três estão sempre na praia, um dos irmãos utilizando chapéu para disfarçar a calvície precoce e a irmã com vestido floral, tocando violões e balançando os ombros em uma levada meio reggae, meio MPB, uma coisa tipo Armandinho sem maconha.

Ali nesse nicho de Itacoatiara os irmãos já mostravam a falta de limites na criação familiar, fazendo covers de coisas como Tribalistas e enfiando uma versão absolutamente horrenda de “Without You” (I Can’t liiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiive) no meio de uma par de músicas nacionais, incluindo aquela do Bochecha sem Claudinho. Sério, esse medley deve ser a coisa mais deplorável jamais feita por um ser humano.

Mas estes eram tempos inocentes. Quando partiram para suas próprias composições eles logo chegaram a marcas absurdas como 191 milhões de visualizações de um clipe de roda de ukulele na praia – sem maconha, o que deve ser a coisa mais sem graça do mundo – um número que supera algumas superproduções lançadas por Anitta e toda o establishment divulgador que existe por trás dela.

Como bons fenômenos musicais brasileiros, o Melim já esteve no palco do Domingão do Faustão, na final do The Voice e não sei mais quais são os outros espaços da TV aberta que podem ser ocupados atualmente. Rodrigo Faro, talvez? Como 191 milhões é coisa para caramba, é lógico que os seus ouvintes não estão mais apenas trancados em seus quartos com fones de ouvido, escutando “de tanto café na cama faltariam xícaras” em silêncio, temendo pelo degredo familiar diante da descoberta de tão peculiar gosto musical.

Este soft reggae puritano que o trio fraternal pratica está dominando um espaço que sempre esteve ali disponível, mas para o qual faltavam artistas com grandes pretensões. Falo, é claro, da música ambiente de shoppings centers, esse espaço onde o som tem que ser agradável, mas beirando o esquecível, não pode ser agitado e nem sonolento, não pode afugentar os clientes e precisa fazer com que eles se sintam bem, para estimular o consumo desenfreado durante uma tarde inteira por lá, como se estivessem sentados em tapetes na praia, fazendo uma roda de ukulele.

Vocês talvez nunca tenham visto este
rosto, mas certamente já escutaram
esta voz recitando Supertramp
Emmerson Nogueira foi a pessoa que durante mais tempo dominou este mercado com seus covers voz e violão de sucessos internacionais. Grande pessoa o Emmerson. Tomou para si a árdua missão de tornar ainda mais palatável uma centena de músicas que já eram extremamente pegajosas. Mas, o que é um cover diante do brilho de um trabalho autoral? O Melim certamente está provocando desequilíbrio financeiro, e consequentemente emocional, na vida do Emmerson.

Hoje você não consegue entrar em uma ótica, loja de roupas (que não seja a Renner, especialista em tocar pop lançado há dois anos), comércio de bairro, estúdio de pilates, lanchonete natural, enfim, em todo e qualquer lugar que você vá lá estarão aqueles “oohs” e “uuhs” extremamente afinados e ensaiados e depois que você assistir um clipe deles (recomendo que faça isso por sua própria conta e risco) assim que você escutar um “desejo a você o que há de melhor” irá ser automaticamente teletransportado para o chapéu do irmão que disfarça a perda de cabelo e aquele cenário de pessoas usando camisa social floral e bermuda na praia, os pés na areia e enfim. É automático, é um pesadelo.

Não tenho dúvidas que os irmãos Melim estão garantindo a saúde financeira, não necessariamente emocional, de todos os seus familiares e que eles precisam trabalhar enquanto essa onda não passa e eles não sejam relegados à usina de esquecimento na qual já estão depositadas tantas outras paixões de verão das rádios brasileiras. Mas o alerta que fica aqui desse texto é para a importância do planejamento familiar.

Nada tira esse chapéu
Você pode até pensar que é muito bonito e que é muito legal para os pais que tiveram três filhos talentosos e musicais e que estão ainda ganhando dinheiro para caramba, que o negócio é fazer uma dúzia de filhos, quem sabe eles não montam um grupo completo e não precisem nem contratar músicos de estúdios, não precisando desta forma dividir nem um centavo da imensa fortuna que os seus talentos os irão proporcionar. Mas o que você não pensa é o que esses pais precisaram aguentar antes do país. Imagina os irmãos ensaiando em casa e fazendo todos esses uhs e ahs afinadíssimos o tempo todo. E a pressão moral de saber que a música que atormenta o país foi pré-fabricada dentro do seu corpo. Vai lá fazer cinco filhos pra ver, você pode criar uma ferramenta de destruição em massa.

Exemplos de irmãos fazendo sucesso musical conjuntamente não faltam: Carpenters, Van Halen, Sepultura, Jesus & Mary Chain, Kinks, Oasis, AC/DC, Black Crowes, ou trazendo para o campo nacional: Sandy & Junior, Zézé di Camargo & etc. etc. etc. Observe que são sempre apenas dois irmãos. O problema é quando o leque familiar é ampliado.

Tudo começa com os Bee Gees. Três irmãos muito afinados que conquistaram o mundo com seus hits chicletes e depois popularizam a Disco Music e amaldiçoaram todas as festas flash back dos anos 70 com seus embalos de sábado à noite. Depois vieram os Hansons que MMMBop tocaram para MMMBop caramba e infernizaram MMMBop bilhões de pessoas com seu grande sucesso MMMBop. Recentemente tivemos os Jonas Brothers, que felizmente, graças a minha idade avançada à época (21 anos) eu não tive a oportunidade de encontrar. Mas, pelo o que entendi do caso deles, parece que são todos adeptos do sexo reprodutivo e cada um vai ter uns 18 filhos, que no futuro montarão um grupo extremista chamado Jonas Cousins.

Antes do Melim, o Brasil já teve o KLB. Quem não se lembra daqueles três irmãos esquisitos alçados ao posto de galas adolescentes com músicas insuportáveis? Ou então a Família Lima, formada por três irmãos e mais um primos do interior do RS que tocam violinos e utilizaram essa habilidade para criar canções ruins e aproveitar que o fato insólito (três irmãos e um primo do interior do RS que tocam violinos) iria garantir espaço na mídia para perpetuar esse negócio.

Você não precisava de nada para ser galã na virada dos anos 2000
Observem bem que são sempre três irmãos. Portanto, tenham cuidado com a quantidade de filhos que vocês vão ter, eles podem se tornar incontroláveis. Tenha ainda mais cuidado antes de colocar um instrumento musical nas mãos dessa criançada toda.

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