Os melhores sambas-enredo de 2019

Amigos, já podemos dizer que é uma tradição: pelo quarto ano consecutivo o CH3 faz esta análise pormenorizada dos sambas-enredo mais curiosos das escolas de samba do grupo de elite do carnaval carioca. Uma oportunidade de se embrenhar nesse mundo de bambas imortais, iaiás e ioiôs, mistérios, candomblé e um certo desconhecimento do autor sobre estas figuras ocultas que tanto influenciam os sambistas.

Paraíso do Tuiuti
A até então desconhecida escola fez história em 2018, com um samba poderoso e a imagem do Temer Vampirão. Certamente foi o desfile mais marcante dos últimos 20 anos da Sapucaí, o que provavelmente incentivou a escola de Tuiuti a dar sequência aos temas sociais, uma forma de criar sua marca na avenida.
Alegoria conhecida como "deu bode na CLT"

No entanto, a escolha não poderia ter sido mais excêntrica: um bode chamado Ioiô e que chegou a ser eleito vereador lá pelos anos de 1920 em Fortaleza. Tudo isso para criticar o momento atual da política brasileira. Bem, serve para mostrar que o problema é atemporal, mas este é um caso de enredo que parece muito mais interessante para uma minissérie da Globo com Selton Mello e Matheus Nachtergaele. Espero pelo menos uma fantasia Bolso Bafomé para valer a pena.

Vila Isabel
A tradicional escola kizumbiana resolveu homenagear Petrópolis – que por sinal é a cidade natal do autor desta postagem. Como ocorre em quase todo samba-enredo de homenagem a uma cidade, a letra parece uma redação mediana de estudante do Ensino Fundamental.
Uma Versalhes de baixo orçamento

A letra começa falando em “tambor que não se cala”, a afirmação de que “Petrópolis nasceu com ar de Versalhes”, que por sua vez rima com… nada. Outro belo trecho é “a luz assentou o dormente fez incandescente a imigração”, que abre margem para múltiplas interpretações, nenhuma delas convincente. Em todo caso, a alta-sociedade petropolitana deverá ficar bem feliz e a venda de pacotes para camarotes já deve ter se esgotado nos arredores de Itaipava.

São Clemente
Surfando em uma onda nostálgica, a São Clemente irá reviver o enredo “E o Samba Sambou”, apresentado em 1990. Uma grande crítica a mercantilização do carnaval e que, de certa forma, parece chamar a atenção para todo mundo que está na plateia que eles estão presenciando uma grande palhaçada. “Nosso povo ficou fora da jogada, nem lugar na arquibancada ele tem mais para ficar”. Um tapa na cara da burguesia.
Carro que representa a opulência do desfile em contradição a pobreza de quem não está assistindo

A letra ainda cita o mercado inflacionado, com a ida de mestres-salas e puxadores para outras escolas, por conta do dinheiro. “É fantástico! Virou Hollywood isso aqui! Luzes, câmeras e som, mil artistas na Sapucaí”. Sério, eu nem imagino isso em um samba, mas com o intérprete mandando todo mundo parar e ir embora dessa farsa. Sobram críticas para os carnavalescos vaidosos, dirigentes poderosos, porque “hoje o samba é dirigido com sabor comercial”. No final, a saudade: da Praça Onze, antigo reduto de bambas, onde todos curtiam o verdadeiro samba. Ah, a boa e velha rima de samba e bamba. E isso porque era 1990.

Salgueiro
Caberá a Escola de Eri Johnson sustentar a tradição carnavalesca de desfilar enredos herméticos de difícil compreensão para os leigos em assuntos de orixás. O enredo “Xangô” lista em ordem de citação: Obá, Aláàfin de Oyó, Oba Ko So, Alujá, Oyá, Oraiêiêô, Obá Xi Obá, Aruanda, Ariaxé, Oxê, Opanixé Kaô, Ojuobá, Olori xango eieô, e Kabesilé.
Xangô chega montado em seus cavalos

Bem, tudo isso merece um glossário a parte:
Xangô: É o Orixá da Justiça, dos raios, do trovão e do fogo.
Obá: Primeira esposa de Xangô.
Aláàfin de Oyó: Título do Rei do antigo Império de Oyo. Xangô ocupou esse cargo.
Oba Ko So: Oba, sem acento, é Rei. Koso, no caso é um reino.
Alujá: Dança sagrada do candomblé, toque de atabaques para provocar a vinda de Xangô.
Oyá: Também conhecida como Iansã, uma divindade das águas.
Oraiêiêô: Saudação que significa “Salve a Senhora da Bondade!”.
Aruanda: Espécie de paraíso espiritual.
Ariaxé: Banho ritual feita pela madrugada.
Oxê: Machado de dois gumes, ferramenta utilizada por Xangô.
Opanixé Kaô: Saudação Yoruba que talvez signifique “permita-nos olhar para vossa alteza real”.
Ojuobá: “Os Olhos de Xangô”.
Olori xango eieô: Olori é uma entidade divina que está dentro de cada um, definindo caráter e destino. Xangô a essa altura você já sabe, enquanto que eieô parece ser apenas uma onomatopeia de empolgação.
Kabesilé: “aquele que sabe a resposta para todas as perguntas antes delas existirem na face da Terra”.

Imperatriz Leopoldinense
A escola de Leopoldina tentará romper um longo jejum de títulos com um enredo chamado “Me dá um dinheiro aí”, que poderia ser muito melhor aproveitado com a exploração da imagem decrépita de Silvio Santos. Mas depois de um início até promissor “me dá, me dá, me dá um dinheiro aí, gostei da comissão, me dá meu faz-me rir” a letra se perde em algumas observações genéricas, com algumas oscilações positivas, incluindo uma citação a um “pato mergulhado no dinheiro”, provavelmente o Tio Patinhas.
A propina começou logo com os índios. Não tô brincando não, isso tá na letra

O final, no entanto, é apoteótico e surreal: “Se é pra poupar, o porquinho pode até ser virtual. Haishtag no infinito, com cascalho. Eu tô bonito no espaço sideral”. O que seria uma #noinifinito? E que cascalho é esse na hashtag? Onde foi que entrou o espaço sideral que eu perdi essa parte? Qual é o sentido de se estar bonito por lá? Por quê? Por quê?

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