Artimanhas psicológicas do prestador de serviços

Existiu uma época remota em que um homem não precisava de mais ninguém para realizar qualquer tarefa mundana. Ele era o responsável por levantar uma parede, cavar poços, montar uma cerca e, quando precisava comprar algum bem de consumo, o homem ia até o estabelecimento e voltava de lá carregando o objeto em suas costas ou em uma carroça puxada por tração animal. Quando precisava de uma ajuda, esta viria de um parente próximo, afinal, todo mundo estava preparado para virar uma massa, ir na floresta serrar árvores para fazer uma mesa.

Antes que você diga que estes eram bons tempos, precisamos nos lembrar de que eram tempos em que as pessoas morriam costumeiramente antes dos 40 anos, vítimas dos mais diversos, perversos e repugnantes problemas de saúde. O ser humano que conseguisse chegar ao que hoje é chamado de melhor idade era um sobrevivente que mal conseguia sair da cama e tinha todos os seus nervos e articulações estourados pelo esforço acumulado durante a passagem do tempo.
Hoje em dia você vê vídeos da Betina, o que faz com que talvez eu tenha que admitir que era melhor morrer aos 40 anos de tanto carregar peso nas costas.

As coisas mudaram e o fato é que nossa sociedade é extremamente fragmentada e especializada e se eu chamasse um grupo de amigos para fazer uma laje a verdade é que não haveria sobreviventes. Se eu for comprar uma geladeira nova não terei meios de carregar o objeto – ou então demorarei vinte e dois dias arrastando o eletrodoméstico pelas ruas da cidade até chegar na minha casa, já vítima da inanição. Sim, tudo fica mais fácil se você tiver um caminhão.

Por essas e outras razões é que nós dependemos de uma série de profissionais para realizar serviços especializados ou para entregar materiais. Pessoas que tem características muito específicas, sendo que a primeira delas é o fato de que muito provavelmente ele te acha um idiota. Com seus carros antigos em estágio de pré-decomposição e com o uso obrigatório de bonés, tudo na expressão corporal do cara do frete ou do encanador te mostram que ele considera você um fracassado.

Mas a maior característica desses profissionais é a criação de artimanhas psicológicas para te escravizar mentalmente. Funciona como se fosse um jogo – que eles têm certeza de que vão ganhar – para garantir que você está realmente disposto a abandonar sua vida para garantir o sucesso do trabalho dele.

O maior exemplo disso é que eles são incapazes de atender dentro da hora previamente estabelecida. Sim, não adianta nada você combinar um dia e horário de visita, ou pedir para o entregador ligar antes para você se programar minimamente para receber o produto. O cidadão vai fazer tudo de acordo com a cabeça dele.

Você compra um sofá e combina com a loja que eles vão te ligar quando forem entregar, para que você possa estar em casa e consiga estabelecer uma mínima programação logística para a sua vida. O que você imagina? Que o cara vai te ligar na hora do almoço perguntando se pode entregar de tarde e vocês combinam às 16h. Ou que ele vai ligar no fim da tarde acertando a entrega na manhã seguinte. Seria uma maravilha se o mundo fosse assim, mas a realidade é que o entregador vai te ligar às 16h38 avisando que já está na porta da sua casa com o sofá. Você pode até argumentar que esse não era o combinado, mas ele vai começar o jogo psicológico para te obrigar a abandonar o que estiver fazendo, caso contrário o móvel estará sequestrado para todo o sempre. O ligar para combinar acaba de maneira misteriosa se transformando em um ligar para abrir o portão.

Você vai fazer uma obra e compra tijolos, mas pede para que a entrega seja apenas na outra semana, porque é quando os trabalhos vão começar. Na segunda-feira, às 14h12, o caminhão estará na porta da sua casa – você não – e irão te fazer sentir culpado por sua ausência residencial, que será responsável por um dia de trabalho jogado fora e não adianta argumentar que isso não foi o combinado porque eles responderão que simplesmente aconteceu.

Bem, com os pedreiros, marceneiros, eletricistas, instaladores de antenas parabólicas, a coisa fica um pouco mais doentia e o jogo psicológico adquire uma nova dimensão. No caso dos pedreiros, uma prova desta artimanha diabólica é o fato de que antes da obra eles dizem que vão precisar de quatro pacotes de cimento. Uma semana depois eles pedem mais dois. E mais dois. E ao final do processo você gastou 23 pacotes. Ele podia ter te pedido pelo menos 15, mas ele preferiu a compra picada com um único objetivo: ligar para você avisando que o cimento acabou e que a obra está parada por conta disso. Sim, ele podia ter pelo menos avisado no dia anterior que o cimento estava acabando, mas a graça está em justamente espalhar o pânico e fazer com que você interrompa sua vida para atender a demanda dele por silicato.

O instalador da Sky chega a ser o mais perverso de todos. Ele vai marcar com você às 14h e vai te avisar que você está sujeito a punições financeiras e judiciais em caso de ausência. Você vai desmarcar todos os compromissos e esperar até às 14h30, quando dará um novo telefonema para o cara que vai te dizer que já está chegando e no fim das contas você passa o dia inteiro em casa esperando o instalador que não aparece.
E ele estava o tempo todo no telhado da sua casa

E não queira você cair na tentação de ir embora. Se você sair de casa às 17h39, quando voltar encontrará um papel afirmando que o instalador esteve na sua casa às 17h45 e não encontrou ninguém e agora você terá que enfrentar as consequências. Chego a imaginar que o homem da antena fica de tocaia na porta da sua casa, por dias e dias, apenas esperando o momento que você sai de lá para chegar com a notificação de ausência. Talvez ele seja como um namorado ciumento que faz de tudo para a mulher não sair de casa. Uma perversão para a qual eu não vejo saídas, exceção feita talvez à construção de saídas subterrâneas que possam vir a enganar a tocaia do instalador.

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