Os Mistérios do Chá Revelação

A Sociedade do Espetáculo é um destes livros cujo título acaba sendo muito mais marcante do que o seu conteúdo em si. Uma breve explanação conceitual já é suficiente para que você possa sair por aí falando em sociedade do espetáculo para justificar os mais diversos atos. Por isso, acho que não preciso pedir perdão para o francês Guy Debord, o autor do livro (inclusive porque ele já faleceu), para dizer que a La Société du Spetacle se faz mais presente do que nunca em um evento outrora obscuro que agora ganhou o mundo e tem exercido enorme pressão social sobre casais que vão ter filhos: o Chá Revelação.

Caso você seja um completo alienado que não sabe do que se trata, explico que o Chá Revelação é uma reunião que se forma no entorno de um casal gestante, encontro este que terá como ápice da festa a revelação do sexo da criança que está toda encolhidinha dentro do útero materno. (O Chá é opcional). O momento da descoberta se aquela criança tem um pênis ou vagina deixou os consultórios médicos de ultrassom (em alguns casos mais extremos e saudosistas, o local do parto) para ganhar uma seleta audiência de amigos empanturrados de comida e bebidas transmitindo tudo em tempo real pelos Stories do Instagram.

Como estamos falando de espetacularização, o Chá Revelação não em a simplicidade de uma cerimônia do Oscar. Não será retirado um envelope de laboratório revelando que é menino ou é menina. Será montado todo um longo processo que culminará na improvável aparição de um elemento da cor azul para dizer que é menino ou rosa pra dizer que é menina (Alô Damares).

A maneira mais simples de realizar a revelação é com o estouro de balões cheios de confetes. Os métodos, no entanto, podem ir se tornando cada vez mais elaborados, com a fabricação de um bolo com o recheio colorido, o estouro de rojões com fumaça colorida, a mistura de substâncias químicas que origina líquidos azuis ou rosas, grupos de paraquedistas, jogo de iluminação, animais, enfim, como em uma suruba, não há limites para a imaginação em um Chá Revelação. Nos Estados Unidos, por exemplo, um casal resolveu fazer uma pequena explosão e acabou incendiando uma reserva florestal.

Todas as celebridades, subcelebridades, digital influencers (seriam os digitais influencers uma nova categoria de subcelebridade? Fica a questão) e mesmo as pessoas normais se renderam ao Chá Revelação. Logo que alguém – depois de conferir que apareceram os pauzinhos necessários no exame de farmácia, que o exame de sangue apontou que a quantidade de hormônio beta-HCG estava acima de 5 e um ultrassom não deixou dúvidas de que sim, há um embrião dentro daquele corpo – anuncia que está grávida, a primeira pergunta que ela tem que responder – antes mesmo do berço, das roupas, das fraldas, das vacinas e dos acessórios – é quando, onde e como será o Chá Revelação. As pessoas se mostram de certa forma extremamente fanáticas com a possibilidade de assistirem confetes cor-de-rosa voando de um balão inflável e poderem gritar euforicamente com um cachorro quente em uma mão e um copo de cerveja na outra e gritarem euforicamente com um adesivo da mesma cor da fumaça gerada por uma explosão controlada que acordou os vizinhos que acionaram o corpo de bombeiros.

Eis o grande ponto: os gritos de euforia. Assim que a purpurina azul bebe começa a se espalhar pelo chão do salão de festa do condomínio os casais fazem cara de espanto e gritam e comemoram. Veja bem, apesar de todo o espetáculo criado ao redor deste evento, o Chá Revelação tem uma surpresa extremamente controlada: apenas duas cores poderão sair lá de dentro. Ou vai ser azul de menino ou rosa de menina (Alô Damares novamente). Não há como sair de lá o aviso de que a criança vai ser um anfíbio, uma fumaça vermelha mostrando que a criança vai ser comunista, ou um confeito amarela mostrando que o casal é contra a classificação de gênero infantil e não se importa com essa estereotipização proposta pela sociedade.

Mesmo essa surpresa controlada não impede que os casais fiquem eufóricos como se tivessem acabado de descobrir que seu filho vai ganhar um Nobel da Paz daqui a 42 anos. Ou como se eles soubessem naquele instante que o teste de gravidez deu positivo. E comemorem junto com a preliminarmente organizada torcida que se sagrou vencedora na aposta do sexo.
Pela surpresa eles devem ter descoberto que estão grávidos de Luis Carlos Prestes

Fica então a pergunta: se fosse ao contrário, não haveria comemoração? O casal que comemora efusivamente o nascimento de um menino iria se decepcionar profundamente caso o coelho que saiu de dentro da cartola do mágico estivesse com seus pelos tingidos de cor de rosa? Todos os que apostaram erradamente no sexo do feto vão começar um quebra-quebra ao som do grito “vergonhaaaaaaa, vergonhaaaaaaa, cromossomo sem vergonha”? Aquela criança vai crescer eternamente traumatizada pelos inúmeros comentários de que “preferia que você fosse homem”?
E agora?

Nada faz sentido e um dia poderemos rir disso tudo – seja por percebermos como éramos idiotas ou da nossa inocência por não adivinhar que coisas piores iriam surgir.

P.S. 1: Um dia os youtubers trolls vão ter filhos e é capaz de que eles criem a categoria de “Chá de Trollagem Revelação” em que, enfim, as pessoas são enganadas, não tinha ninguém grávido, os confetes do balão são verdes, ou eles dão um spoiller pra mãe logo no começo.

P.S. 2: Fiquei com medo de que esse texto um dia incentive as pessoas a adotarem o “Chá de Gravidez”, em que a mulher que acha que está grávida faz o exame de farmácia e reúne os amigos para ver se os pauzinhos se formaram, gerando aquela comemoração de “Tá grávida” ou, pior “ih gente, eram apenas gases”.

P.S. 3: Outra bela modalidade de Chá de Revelação seria aquela vulgarmente conhecida como “Chá de Saída de Armário”. Uma pessoa reúne os amigos para revelar para todo mundo que, sim, ela é homossexual.

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