A mamata realmente acabou?


Durante muito tempo, a sociedade brasileira conviveu com o conceito de “mamata institucionalizada”¹. Segundo este preceito, o cidadão médio teria garantido o direito de acessar uma mamata, desde que atendesse a uma mínima configuração ideológica. No entanto, esta tradição secular brasileira passou a ser ameaçada quando o então candidato a presidente Bolsonaro fez do fim da mamata uma das suas principais promessas de campanha.

“A mamata vai acabar! A mamata vai acabar!” era o grito retumbante que ecoava pelas ruas de nossas cidades em enormes carreatas tingidas de verde, amarelo, sangue e pólvora. Vitorioso, Bolsonaro colocou o fim da mamata como tema central de seu discurso da vitória e, posteriormente, no seu discurso de posse traduzido automaticamente para Libras por sua esposa.

Claro que o fim deste cerne enraizado em nossa civilização sub-equatorial seria um choque. Ainda estávamos nos acostumando com essa ideia, acordando domingo de manhã com um gosto amargo na boca, que em outros tempos poderíamos associar ao refluxo de bile provocado pela bebedeira da noite anterior, mas que hoje sabemos que é a tristeza por não mais encontrar uma mamata quando o sol se põe no fim da tarde. Mas, eis que diversas notícias surgiram nos mais tradicionais e alternativos meios de comunicação, dando conta de que talvez, vejam bem, eu disse talvez, a mamata não tivesse acabado e continuasse rolando solta nos subterrâneos e também nos andares superiores do poder, ou seja, além do alcance dos nossos pedestres olhares térreos.

Foi então, com essa dúvida que nós do CH3 fomos praticar o bom e velho jornalismo investigativo, sentir o cheiro das calçadas, para descobrir se, afinal, a mamata acabou ou não.

Em uma ensolarada manhã de terça-feira me dirigi até um velho conhecido meu, ligado a diretórios acadêmicos e sindicatos artísticos, que sempre soube onde encontrar uma boa mamata, isso quando ele mesmo não tinha uma para oferecer. Encontrei-o, que se chama Carlos, mas que por razões de segurança vamos chamar de Robério, em uma esquina do bairro Boa Esperança. Perguntei logo de cara se ele tinha uma mamata pra gente. Ele me olhou desconfiado e perguntou se eu não sabia que a mamata tinha acabado. Eu falei que tinha ouvido isso sim, mas que tem gente falando que não acabou não. Olhando para os lados, ele disse que não tem chance, zero de mamata. Falei para ele que não era possível, que porra, tá difícil viver assim, que ele podia quebrar essa. Certificando-se que não havia ninguém perto e que estávamos em um ponto distante das câmeras de monitoramento da Secretaria de Segurança, ele perdeu a paciência e perguntou se eu queria fuder ele, questionamento que eu respondi de maneira negativa, mas cuja resposta ele parece não ter prestado muita atenção, pois seguiu falando que ele não tinha mais ligação com a mamata não. Que se alguém perguntar ele nunca nem soube o que é isso, melhor ver com outras pessoas. Quais pessoas, eu perguntei. Se fode aí meu irmão, não vou te ajudar nisso aí não, ele respondeu, levantando a camisa e deixando a mostra um volume que ele quis fazer entender que era o cabo de uma arma, mas que eu percebi que era apenas o estojo dos seus óculos.

Percebi da conversa com Carlos, poderia chamá-lo de Robério, mas estou pouco me importando para este filho da puta, que a mamata está rolando, mas que ela mudou de mãos. Entrei em contanto então com o Marquinhos, um velho terraplanista que conheci em Rosário Oeste. Parte de um influente movimento conservador – tão conservador que é contra o heliocentrismo – ele poderia ser o caminho para descobrir onde estão rolando as mamatas.

Encontrei Marquinhos na conveniência de um posto de gasolina, cujas cadeiras amarelas são aquilo que ele pode chamar de lar. Ele costuma a passar a tarde inteira olhando o vai-e-vem dos carros, com uma cerveja dentro da garrafa térmica. Se você se der ao trabalho de observá-lo por horas, vai perceber que a garrafa permanece sempre cheia e ele mal ingere o seu líquido. Mesmo assim, seus olhos constantemente marejados passam a impressão de que o pequeno Marcos vive em um permanente estado de torpor alcoólico. Seus comentários desregulados e desconexos da realidade reforçam essa impressão.

Logo que nos encontramos, perguntei se ele sabia onde dava para encontrar uma mamata. Marquinhos se ajeitou na cadeira e inclusive abotoou o penúltimo botão da camisa que deixava a mostra um crucifixo de bronze. Como se estivesse sendo gravado, ele disse em um tom mecânico que não sabia de onde eu havia tirado essa ideia, que o presidente Bolsonaro era um homem muito sério que não havia possibilidade de ainda existir mamata.

Como ele não demonstrava segurança, insisti no assunto. Falei que eu faço dinheiro, atuo na compra e venda de carros de locadoras. Ele não esboçou uma única reação. Falei que eu conhecia duas pessoas de sobrenome Moro, um inclusive filho de desembargador e que provavelmente ajudou muito aí na campanha do capitão. Percebi o movimento de fala interrompido, as palavras batendo no céu da boca fechada, a garganta se retraindo. Ele começou a suar frio. Nem precisei falar sobre marxismo cultural que Marquinhos começou a soltar fumaça e caiu no chão em processo de combustão espontânea. O forte cheiro de fios queimados mostrou que Marquinhos era um robô. Sempre desconfiei disso.

Voltei para casa sem uma resposta definitiva, mas com a forte impressão de que a mamata  ainda existe, mas seu controle mudou de mãos. Será?

¹OAK, Olaf in “Tudo o que você precisa saber para mamar uma teta gostosa”, Editora Anual, 1997, página 12.238.

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