As 5 fases da campanha eleitoral

As propagandas eleitorais televisivas são divididas em fases muito claras, muitas vezes não descritas explicitamente no manual publicitário. Vamos a elas:

1ª - Apresentação da Trajetória do Candidato
Você talvez conheça o cidadão de nome, sabe que ele foi prefeito, deputado ou senador, que é um empresário de sucesso ou um estuprador confesso, mas não sabe que ele foi muito pobre. A fase de apresentação da trajetória do candidato é uma competição não declarada de humildade. Todos os candidatos tentam mostrar que tiveram uma origem humilde, uma infância sofrida, esquentando água na lata de banha de porco e carpindo terrenos. Mas tudo isso, com a esperança de ter um futuro melhor.
O candidato era o menino da porteira
São mostradas entrevistas com parentes, amigos de infância, velhos pré-dementes que conheceram o candidato enquanto recém-nascido, todos dizendo que o garoto sempre foi muito bom e trabalhador. Sempre foi muito justo. Muito leal. Sempre teve muita fé no trabalho. Sempre foi muito humilde. Haverá alguma fábula infantil de sacrifício em prol dos menos favorecidos. Não raramente, a trajetória do candidato termina nos dias atuais em que, graças a meritocracia, ele conquistou tudo o que um homem pode querer: uma família bonita com acesso aos mais modernos e questionáveis procedimentos estéticos, filhos saudáveis que fazem intercâmbio e um cachorro grande, peludo e carinhoso.

2ª - Apresentação do Trabalho do Candidato
Já sabemos que o candidato atravessava a Baía de Guanabara nadando, porque não tinha dinheiro para pagar a balsa e ir estudar. Agora é hora de saber o que o candidato já fez pela população, mostrando que ele tem experiência e trabalho comprovado para mudar a realidade atual.

Este é o momento em que descobrimos que foi o candidato que escreveu, sozinho, a Constituição de 1988, que ele asfaltou a BR-101, sozinho, com uma enxada e fabricando seu próprio material betuminoso em uma usina artesanal movida pela energia das enxadadas que ele dava na terra. Foi o candidato que conseguiu recursos para construir uma estação de tratamento de esgoto, a Usina de Itaipu e a Sonda Espacial Voyager 2, o que faz com que ele seja muito admirado no Tijucal, no Paraguai e em Marte. Batalhou em Brasília pela assinatura da Lei Áurea, com seis anos de idade liderou as manifestações de Maio de 1968 em Paris e inventou o micro-ondas. No caso dos candidatos à reeleição, essa fase do programa mostra que se não fosse por ele, seus compatriotas continuariam chafurdando no depósito de lama e fezes humanas que era o Estado antes de sua chegada e que ele passou os últimos quatro anos construindo cascatas de caramelo que não endurecem rapidamente.

3ª - Apresentação de Propostas do Candidato
Momento de mostrar que além de ser um rostinho bonito que já carpiu muitos quintais nessa vida, o candidato ainda vê muitos lotes a serem prospectados. Hora de pensar fora da caixa e garantir ideias inovadoras para resolver o problema secular da educação, da saúde e da segurança. O candidato vai construir novas escolas e hospitais, aparelhar e reformar os já existentes, combater o crime e estimular a cultura e o esporte, acabar com a corrupção. Como? Com a simples força de vontade. Basta querer que é possível.

4ª - Fase dos Ataques Pessoais
Momento da campanha em que as pesquisas já demonstram bem quem está prestes a ganhar no primeiro turno, ou brigando para ir ao segundo turno ou praticamente fora da disputa, mas precisa pagar umas contas de campanha e não vai negar a ajuda do líder do certame que não quer sujar as mãos. Hora de mostrar que o outro candidato já atropelou uma mulher grávida e fugiu sem prestar socorro, ou que ele esteve envolvido no Caso Para-Sar (procura no Google), ou que roubou o imóvel de idosos, grilou terras em áreas indígenas (isso pode ser uma propaganda positiva em alguns Estados), estuprou cadáveres de animais peçonhentos e, enfim, a propaganda toma aquele ar sombrio, com fundo musical de denúncia e ar grave do narrador, que sempre vai concluir as acusações questionando “é isso o que você quer?” ou afirmando que “não vamos deixar isso acontecer”.

Vale lembrar que a boa acusação é apócrifa, feita nas inserções fora da propaganda eleitoral e sem deixar nenhum vestígio da autoria do ataque. Infelizmente, as regras eleitorais atual estão mais rígidas e dificultaram muito o uso da calúnia. Uma pena. De toda forma, é possível fazer um estrago bem grande no WhatsApp e Facebook.

5ª - Tentativa de Gerar Consenso
Você já mostrou de onde veio, para onde vamos e o que queremos, já mostrou as suas virtudes e os defeitos do adversário, já tomou um porre de vodca com sprite e a eleição ocorre em menos de uma semana. Não há muito o que fazer, além de tentar convencer o eleitor que está tudo decidido, que as pesquisas mostram que você vai ganhar no primeiro turno (A pesquisa Ibope mostrou e o Datafolha conformou - sobe jingle) e sua campanha ganhou o coração e as mentes da população (corte para sonora de um popular com sérios problemas de saúde bucal dizendo seu número, nome e data da eleição, afirmando que é você na cabeça). (Sim, todo esse discurso pode ser substituído por um “Ibope confirma que Candidato vai pro segundo turno”. “A virada já começou” é outro bom mote).

Além disso, você foi o melhor do último debate realizado, mostrando que é o que tem as melhores propostas, enquanto os adversários ficaram restritos aos ataques pessoais (cena do debate em que o candidato fala uma coisa ridiculamente óbvia, mas que no contexto parece digno de ganhar um Nobel da Promessa Eleitoral). O vídeo termina com o jingle alto, enquanto as imagens mostram o candidato no braço do povo gesticulando com os braços até a vitória no primeiro domingo de outubro.

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