Festas juninas modernas

A tradicional festa junina é um evento com o qual somos treinados a nos acostumar desde crianças. Por isso, acabamos não vendo nada de estranho naqueles homens com roupas xadrezes, chapéus de palha e mulheres com vestidos excêntricos e cheio de remendos, cabelos penteados de maneira disforme e pintas no rosto. Isso sem falar nos bigodes feitos com caneta e nos dentes pintados de preto. Não vemos nada de estranho nessa sátira preconceituosa sobre a pobreza, falta de higiene, falta de cuidados estéticos e exposição excessiva ao sol daqueles considerados “caipiras”.
OLHA O PAI DA NOIVA chegando em um food truck que corta cabelo e serve cervejas artesanais

Também não estranhamos que todas essas pessoas se juntem para participar da quadrilha, esta representação moderna da via crucis, em que para que os convidados consigam chegar até um casamento, eles precisam superar pontes caídas, cobras, tempestades, a estrutura patriarcal da família da noiva, enfim. Quando toda essa situação é superada, os participantes são recompensados com pipoca, cachorro-quente, milho cozido e quentão. Ah, o quentão. Esta misteriosa bebida cuja fórmula se aproxima da composição de uma arma química.

Pois bem, a tradicional festa junina ainda contava com uma série de atrações aleatórias, como a pescaria de peixes de papel e o pau de sebo. O que poderia ser mais estranho do que um grupo de homens tentando escalar um pedaço de tronco escorregadio e libidinoso em troca de um prêmio, que, muito provavelmente, é uma caixa de cerveja?

Mas enfim, o fato é que com o passar dos anos as festas juninas foram mudando. Deixaram de ser essa mistura de festas pagãs com festa de santos, realizadas no solstício de alguma coisa. Ao redor do Brasil temos festas juninas cada vez mais estranhas, que fogem daquele clima bucólico de dentes podres, chapéus e pessoas tentando subir em troncos ensebados.

Para começar, a festa junina praticamente não existe mais e foi quase que completamente substituída pela festa julina. Apesar de ser um evento completamente previsível, uma vez que ocorre sempre no mês de junho, o brasileiro médio se vê incapacitado de planejar com um mínimo de antecedência a realização desse evento e ele acaba ficando sempre para julho. É mais ou menos como se o Ano Novo acabasse ficando ali para o dia 20 de janeiro, porque não deu tempo de organizar antes.

Como se não bastasse, as festas julinas passaram a ser tão aceitas, que nós já estamos presenciando a existência de festas agostinas, o que é uma completa palhaçada. A lógica é a mesma, julho já está acabando, as pessoas perceberam que não fizeram nenhuma festa e deixam para fazer em agosto. Nem o nome combina. Enquanto eu for vivo, irei me recusar a participar de toda e qualquer festa junina realizada em agosto.

Mas, o protocolo das festas também mudou. Acho que tudo começou com as festas juninas crossdressers, em que os homens iam vestidos de mulheres e vice-versa, aprofundando a questão de gêneros. Uma discussão pertinente para a festa junina, que sempre foi um ambiente liberal, que permitiu a troca de casais. Nas modernas festas juninas swingers, a troca de casais é para valer e na hora em que o locutor solta um anarriê, a suruba começa.

Outra modernidade é a festa junina zumbi. Na hora em que os convidados pegam o caminho da roça, são informados que além da cobra, da chuva e da ponte quebrada, há um apocalipse zumbi. Então aparece aquela caralhada de morto-vivo e a porra do vírus pega todo mundo, há aquela cena toda de canibalismo cerebral e no fim a noiva cadáver se casa, no que provavelmente é a festa junina mais babaca de todas.

Há a festa junina da maconha, em que na hora que falam que o pai da noiva está chegando, todo mundo cai no chão rindo e não para mais de rir, até que eventualmente alguém vê uma cobra e começa a perseguir a cobra com um pedaço de pau, mas não era cobra, era só uma fita do vestido de uma convidada, que começa a pensar que está pegando fogo e puta merda, descobrimos que essa é a festa junina do LSD. No final, não há cachorro-quente suficiente para todos os convidados.

Quadrilha Clubber: Sim, isso realmente existe e eu só imagino que os convidados utilizam óculos de lentes coloridas e a sanfona de fundo é substituída por uma psytrance irado.

Quadrilha pós-moderna: o que importa é o foco no corpo. Movimentos lentos acompanhados de um jazz tribal, enquanto o locutor improvisa sobre uma base eletrônica pré-programada.

“Olha a Cobra
A cobra olha
O olho de quem cobra
O cobro de quem olha
Olhando quem cobre
Olha a cobra”.

No final todos morrem. Ou pelo menos deveriam.

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