Análises alternativas do futebol

Por trás da aparente simplicidade, o futebol esconde enorme complexidade. A princípio, pode parecer que são apenas duas equipes de 11 seres humanos dispostas em um gramado retangular, mediados por outros três humanos, tentando fazer com que uma bola entre dentro de um retângulo delimitado por ferro. Ganha quem conseguir atingir esse objetivo por mais vezes durante um tempo delimitado de 90 minutos.

Pode parecer fácil, mas estes humanos no gramado carregam cargas genéticas, sociológicas, políticas e culturais, as suas idiossincrasias e durante a Copa do Mundo, o fazem unidos por este conceito tão abstrato, porém tangível, que é uma nação.

Neste ambiente que carrega o charme de uma grande Feira Mundial, em que os países aproveitam para mostrar ao mundo suas habilidades – por mais que nos tempos atuais seja possível ter informações detalhadas sobre a saída lavolpiana saudita – e de duração tão definida – um mês a cada quatro anos – os velhos especialistas de sempre ficam obsoletos e os meios de comunicação de massa precisam ir além das velhas análises e descobrir novos filões, porque não é fácil assumir que muito do jogo é regido pela aleatoriedade da vida.

Valor do elenco
Especialistas do mercado financeiro analisam qual seria o valor de mercado, ou seja, o valor necessário para contratar cada um dos jogadores da Copa. US$ 200 milhões para o Neymar, US$ 2,3 milhões para o Nordim Amrabat, receber 50 mil dólares pelo Willy Caballero. Soma-se o valor de todos os jogadores convocados por um país e aí se chega a conclusão de que os 23 atletas brasileiros valem 3,7 bilhões de dólares, os da França 2,9 bilhões de dólares e os do Panamá 340 pesos venezuelanos.

Na visão do Mercado, os elencos mais caros são claramente os favoritos e os fundos de investimentos fazem suas apostas. Matérias são publicadas mostrando que o Neymar equivale a todo o elenco da Costa Rica. No fim, pouco adianta: mesmo com o Messi equivalendo a todo o elenco da Islândia e, talvez, a todo o PIB islandês, Argentina e Islândia empataram. O Mercado não é muito com previsões e odeia os pobres.

Técnica
A análise mais simples e simplória de todas. Muricy Ramalho e um grupo de ex-jogadores olham para cara dos jogadores e a maneira como eles dominam uma bola e ratificam: “esse daí joga muito”, ou “esse é grosso”, “peladeiro”, “bate bem na bola”, “muito habilidoso”, “tem visão de jogo”, “cintura dura”. O analista brasileiro costuma a ter um tesão pelos dribladores e imagina que um elenco cheio de jogadores que parecem andar gingando vão vencer todos os jogos. Mas nem sempre acontece e, aí, são necessárias outras análises.

Tática
O famoso e lendário nó-tático. Todos os treinadores do mundo estão sujeitos a armá-lo ou sofrê-lo. Essa expressão em geral é utilizada quando um time mais fraco arma uma retranca que o mais forte não consegue superar. Ou, enfim, sempre que o time aparentemente mais forte encontra dificuldade. O treinador adversário armou seu time com duas linhas anfíbias, inverteu posições, botou uma linha de 5, recuou o ponteiro, abriu o corredor pro lateral, escalou o falso 9, aproximou o  camisa 10.

Eis o campo ainda futebolístico que permite as mais diversas e filosóficas elucubrações e permite que qualquer utilize um linguajar afetado e rebuscado. “Os meias dissociaram a fluidez do adversário, adicionando o pressing em linha alta com robustez. O doble pivote deu amplitude para as linhas ofensivas”.

Scouts
Os americanos adoram e, por mais que o futebol não seja exatamente o esporte mais propício às estatísticas de jogo, elas existem. No mundo atual as estatísticas futebolísticas chegaram a níveis estratosféricos e podemos conferir mapas de calor, fluxos de jogadas e outros dados que levam os especialistas a discutir por horas que a Bélgica sai jogando com Vertonghen passando para Witsel, que se este for bloqueado, só sobrará a alternativa do Alderweireld que tem passe pior e por isso é o caso de escalar o Welbeck para fazer essa marcação e ganhar o jogo. Ou não.

Psicologia comportamental
Esta é uma novidade da Copa 2018. Depois que o Messi foi visto massageando a testa durante o hino nacional argentino na partida contra a Croácia, especialistas em semiótica, linguagem corporal, psicólogos comportamentais e esportivos foram retirados do armário para afirmar que o sinal significava insegurança, sentimentos pré-suicidas e reconhecimento do fracasso pessoal diante de uma situação. Durante dias fomos alertados que Messi era um jogador de baixa estima, sem capacidade de reação e sem inteligência emocional para cobrar pênaltis.

O argentino era contraponteado por Cristiano Ronaldo. Passamos dias vendo imagens do português gesticulando de peito estufado, incentivando seus companheiros. Versículos bíblicos foram adaptados em parábolas de Cristiano Ronaldo olhando nos olhos das pessoas e convencendo que elas eram capazes de fazer coisas inacreditáveis. Dois dias depois, Cristiano Ronaldo perdeu um pênalti, Messi fez um gol e os dois foram eliminados no mesmo dia nas oitavas de final, o que pode inaugurar um novo ramo de análise: a psicologia comportamental de resultado.

Tradição e História
Neste ramo, as equipes nem precisam entrar em campo para se enfrentar, uma vez que sabemos que o vencedor será aquela equipe que tiver mais tradição no futebol. Além disso, a primeira impressão é a que fica. Se a primeira vez que você viu a Noruega jogar, eles marcaram dois gols de cabeça, essa será a verdade da Noruega até o fim dos tempos. Aquele Costa Rica x Suécia da Copa de 1990 em que um costarriquenho deu uma entrada criminosa no adversário? O suficiente para marcar todo o povo da Costa Rica como desleal. Os anos podem desmentir os fatos nos quais você acredita, mas nada será suficiente para te fazer mudar de opinião. Uma espécie de pós-verdade aplicada ao futebol.

Numerologia
Este ramo que já fez tantas pessoas adotarem nomes ainda mais ridículos do que já eram os seus originais também pode ser levada a Copa do Mundo. A razão do Neymar ir mal na copa? O começo e o final do nome com consoantes dá uma ideia de ciclo, o que explica ele rolando em campo. O Y ainda tira um pouco o peso da repetição, mas talvez fosse o caso de ele mudar seu nome para Neyymare e conquistar o título de melhor do mundo. Aliás, o próprio nome “Brasil” não tem ajudado muito, as seis letras são um empecilho para a conquista do hexacampeonato. Uma mudança para Braasil ajudaria na conquista do aguardado título.

Astrologia
Nada como analisar o mapa astral do técnico adversário para saber quais são as tendências táticas dele. Um canceriano vai jogar mais retraído, um leonino vai se expor muito, o escorpiano espera tomar o gol para agir em busca de vingança. Se o atacante adversário é sagitariano, melhor escalar um taurino e um ariano com ascendente em Peixes para marcar.

Bem, existiu um técnico que já pôs isso em prática. Raymond Domenech dirigiu a seleção francesa entre 2004 e 2010 e foi vice-campeão do mundo em 2006. Ele não convocava atletas de Escorpião e realmente utilizava a astrologia na escalação (ele não admitia a possibilidade de colocar Henry e Trezeguet em campo ao mesmo tempo). O vice-campeonato lhe manteve no trabalho - provavelmente Zidane omitiu algum ascendente - mas a eliminação na primeira fase em 2010, que contou com ameaça de greve do elenco, encerrou sua carreira.

Sociologia das gerações
Como entender o comportamento dos Millenials. O que porra é a Geração X? E a Y? Meu deus, me abstenho de falar disso.

Força do imperialismo
Análise predileta do Partido da Causa Operária. Aqui, não existem jogadores, mal existe campo. O que existe são as forças invisíveis do capital, operando a favor dos mais fortes e prejudicando os oprimidos. O jogo é logicamente uma batalha contra o imperialismo, no qual os Estados são o grande mal. Um jogo entre Bélgica e França é um terror, mas seria ainda pior ver um França e Inglaterra. Restará torcer pela Croácia e as sombras do grande marechal Tito.

Geopolítica
O campo é apenas uma representação de batalhas sangrentas. Na hora de escolher um time para torcer é preciso mergulhar na história de todos deles e escolher o povo que tenha cometido menos crimes contra humanidade.

Qualidade de vida
O resultado dentro de campo pouco importa, pois os vencedores não são aqueles que marcam mais gols, mas sim quem tem mais saúde e educação. O Brasil empatou com a Suíça, mas a Suíça tem mais dinheiro. O peru venceu a Austrália, mas logicamente os australianos vão viver mais tempo. A Dinamarca perdeu o jogo, mas ganhou o que verdadeiramente importa: uma vida confortável.

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