O VAR da Vida Real

O cronômetro já passava dos 30 minutos quando um ataque brasileiro encontrou Neymar se infiltrando na esquerda da grande área adversária. O camisa 10 brasileiro dominou e fez o movimento de cortar para dentro, ajeitando a bola para o seu pé direito. A bola já estava posicionada, quando o adversário encostou na barriga do menino Ney, que interrompeu a jogada, ergueu os braços e quase caiu de costas no chão. O juiz não teve dúvidas: apitou e apontou a marca do pênalti.

Há quatro anos, os costarriquenhos poderiam reclamar solenemente, ameaçar sequestrar os familiares do árbitro holandês e eventualmente mantê-los em cárcere privado, que de nada iria adiantar: o pênalti estava marcado e Neymar posicionaria a bola na marca do cal para chutar rumo a glória ou o apedrejamento moral. Desta vez, porém, foi diferente. A copa de 2018 conta pela primeira vez com Assistente de Vídeo do Árbitro.
A equipe é formada por cinco gamers e um cidadão em pé para servir o café

Alertado no ponto de ouvido, o senhor Björn Kuipers correu para a cabine de vídeo e pode constatar claramente a impressão que o mundo inteiro teve - exceção feita ao Arnaldo Cezar Coelho - de que não ocorreu nada. Neymar havia preferido cavar um pênalti do que tentar concluir uma jogada clara de gol.

Ao longo dessa Copa, o VAR tem sido um verdadeiro estraga prazeres para dezenas de jogadores. Quando você achou que escapou, que ninguém te viu fazendo uma falta no adversário, o assistente de vídeo vai lá te dedurar. Quando você acredita que conseguiu cavar uma falta, o mesmo cidadão sentado diante de um monte de televisões vai dizer que não ocorreu nada.

Sim, pode ser uma maneira de justiça, mas vocês já pensaram como seria se a vida tivesse VAR? Se o nosso cotidiano tivesse um assistente de vídeo para verificar se as coisas realmente ocorreram conforme a sua versão?

A criança que diz que não entregou a lição de casa porque a mesma foi ingerida por seu cachorro. A professora iria ser acionada pelo VAR e ia conferir nas imagens que o cachorro permaneceu dormindo o dia anterior inteiro e só se alimentou de ração, um pedaço de pão, uma barata e fezes de gato. A câmera também mostraria que o estudante dormiu o dia anterior inteiro e ainda jogou videogame nas horas livres.

Ou o cidadão que chega em casa 11 da noite e diz que teve uma reunião com o chefe para definir uma estratégia de trabalho qualquer. A espoa chama o VAR e as imagens são claras: o sujeito saiu do trabalho às 10 pras 6 e foi direto para um bar e depois de duas cervejas se envolveu com uma morena misteriosa, embalando o encontro direto para um motel da região. Traição confirmada, cartão vermelho para o cidadão.

Não compareceu no aniversário da sobrinha porque o trabalho tava puxado? Chama o vídeo para mostrar que o cara passou o dia inteiro assistindo Netflix. A leitura labial do Fantástico confirma, ele disse que não iria na festa para não encontrar os parentes chatos.

Era só um amigo da minha irmã? O assistente confirma que é o ex-namorado dela e que eles continuam trocando mensagens. Falou pro chefe que chegou tarde porque teve que ir ao médico? Olha o árbitro conferindo que o que ocorreu foi uma bebedeira na noite anterior.

Sim, a vida seria muito mais difícil. De qualquer forma, fica a sugestão para a próxima temporada de Black Mirror.

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