As previsões para a Copa


Logo que cheguei na casa de Pai Jorginho de Ogum notei Marcão em frente ao portão, com ar preocupado, parecia fazer uma vigília. Mal abro a porta, o pedreiro veio em minha direção com ar grave. Disse que precisava falar alguma coisa comigo. Me mostrei disposto e escutei o calejado homem durante uns bons cinco minutos. Não entendi nada, mas ele parecia preocupado.

Também percebi que Cão Leproso parecia não estar bem. Mas, todavia, ele é um cachorro sem braços. Comecei a pensar que eles estavam enfrentando novamente os tradicionais problemas hidráulicos daquela vizinhança. Só fiquei realmente preocupado quando Alfredo Chagas veio até mim e me disse que Pai Jorginho não estava bem. Para que Alfredo Chagas se preocupe com alguém, pensei, Jorginho devia estar à beira da morte, ou algo ainda pior.

Fiquei alguns minutos vagando pela sala da casa do babalorixá, enquanto diversas pessoas tentavam me impedir de ir ao encontro dele. Após várias conversas, entendi que Jorginho havia feito um trabalho de incorporação mal sucedido e estava desde então vivendo como se fosse o poeta inglês William Blake.

Aquilo me pareceu estranho demais, afinal, eu estava lá apenas para pegar as previsões para a Copa do Mundo com o pai-de-santo oficial do CH3. Imaginei que todos estavam tentando me enganar e entrei dentro do seu escritório de trabalho, vulgarmente conhecido como terreiro.

Ao entrar, fui surpreendido por um Jorginho de Ogum vestindo um smoking preto por cima de uma camisa gomada. Utilizava um pince-nez enferrujado, enquanto escrevia em papéis amarelados utilizando uma caneta tinteiro. A única iluminação do local era uma vela de macumba sobre a mesa. Tão logo entrei, Jorginho olhou por cima das lentes e me disse em um sotaque ridiculamente britânico “Can I help you sir?”.

Perguntei para Jorginho que porra era aquela e ele me olhou como se eu fosse um completo retardado. Ele disse que don't understand me. Eu falei que estava ali para fazer as previsões para a Copa do Mundo e ele continuava me olhando como se eu fosse um índio prestes a ser colonizado. Arranquei uma folha de sua mão – geralmente ser ríspido com as pessoas faz com que elas fiquem nervosas e voltem as suas origens, parando de sustentar o personagem. Uma série de poemas bíblicos em inglês estavam rascunhados naquelas folhas. Ele se manteve sereno. Travei um breve diálogo em inglês com Jorginho Blake e ele me pareceu muito convincente. Pensei que, se ele não estivesse realmente incorporado, poderia ser um ótimo ator.

Voltei para sala e encontrei Marcão me olhando com um olhar esperançoso, enquanto segurava o boné na altura da barriga. Todos queriam saber qual era a minha opinião e eu falei que realmente Jorginho estava muito estranho. Sua esposa começou a chorar. Marcão começou a chorar. Alfredo Chagas ficou com os olhos marejados. “Fudeu”, pensei.

Sobre pressão, não tive nenhuma outra alternativa que não fosse a de ligar para Alfredo Humoyhuessos, o lendário pesquisador enciclopédico colombiano que sempre tem uma solução para tudo. Ele me atendeu e eu expliquei a situação. Ele disse que era grave, mas que iria até onde estávamos para resolver. Perguntei onde ele estava e ele respondeu Cartagena. Mas que logo chegava. Duvidei, mas em 16 minutos Humoyhuessos bateu à porta. Disse que se atrasou um pouco porque o trânsito na Avenida da FEB estava pesado.

Humoyhuessos disse que precisava ir logo ver Jorginho. Ficou a sós com ele por menos de 10 minutos e voltou com uma expressão de desalento. Nos comunicou que Jorginho estava possuído por um espírito poético depressivo medieval e que precisava ser exorcizado. A mulher de Jorginho deu um grito e desmaiou. Marcão se jogou no chão chorando. Alfredo Chagas saiu da casa para respirar. Cão Leproso ficou me mirando com olhos perdidos e dissimulados.

Perguntei como é que faríamos isso e Alfredo disse que precisava de um tempo para uma pesquisa. Saiu pela porta, enquanto eu fiquei esperando na sala. Ele voltou duas horas depois ao lado de um grupo de passistas de funk e um MC local. “Precisamos atormentar esse espírito e fazê-lo deixá-lo nosso Jorginho”. O linguajar do colombiano me mostrou que a situação era realmente preocupante.

Acompanhei a sessão de descarrego. Alfredo começou a falar em inglês com Jorginho, que permaneceu impávido. Depois de falar que William Blake precisava ir embora, o corpo de Jorginho pegou uma caneta e começou a rimar em inglês, dizendo que iria se matar. Alfredo Humoyhuessos falou que o espírito não seria capaz disso e nesse momento jogou caninha 21 na cara de Jorginho. O MC começou a cantar um funk, enquanto os passistas faziam uma dança hipnotizante e completamente sem coordenação. Alfredo gritou para que entrasse a feijoada e uma pessoa que eu nunca vi na vida entrou com um caldeirão de feijão. Alfredo começou a tentar forçar Jorginho a comer a feijoada, enquanto Jorginho estrebuchava e recitava Shakespeare. Aproveitando um momento de distração poética, Alfredo virou cachaça dentro da boca de Jorginho enquanto cantava um velho hit de Alcione. “O Tablet, por favor, alguém coloque um vídeo do Faustão agora”. Jorginho quebrou a cadeira onde estava sentado e começou a gritar. Alfredo o segurou pelo pescoço e ordenou que o espírito seguisse a luz e voltasse para o século XVIII. A tensão física entre os dois demorou alguns minutos e Alfredo suava descontroladamente. Muito cansado, o colombiano deu uma última ordem “Memes da Gretchen. Mostrem os memes da Gretchen”. Jorginho virou os olhos para as imagens, mas os muitos celulares não o deram alternativa. Jorginho começou a rir, a rir cada vez mais, até que se perdeu nos risos e caiu no chão, começou a ter uma espécie de convulsão, se debatendo enquanto ria cada vez mais, de maneira cada vez mais histérica, até que as luzes da sala toda se acenderam sozinhas, a janela do escritório tremeu e o pai de santo desmaiou.

Alfredo Humoyhuessos se recompôs e mandou que sumíssemos com todos os objetos estranhos. Peguei aquela pilha de papel e guardei comigo. Alfredo ordenou aos amigos que trocassem Jorginho e incendiassem o smoking dele. Disse que para que quando o velho pai-de-santo acordasse, que falassem que ele bateu a cabeça na privada e desmaiou.

Fui embora com os papéis, satisfeito por aparentemente ter salvado a vida de Jorginho, mas preocupado por não ter as previsões para a Copa.

Quando cheguei em casa, resolvi ler aqueles papéis todos e realmente eram poemas complexos sobre Jacó, Davi e personagens bíblicos que não conheço direito. Na última folha, no entanto, encontrei o seguinte manuscrito: Predictions for the World Cup. Sim, uma série de previsões para a Copa em inglês. Os traduzi livremente:

Jogo de abertura
Como a humanidade não reage
Não há mais nada que possamos esperar
Tristeza, euforia, não vamos durar
A vida eterna é uma explosão

Participação do Brasil
Os garotos estão de volta à cidade
Eles carregam cicatrizes e colapso
A paz é uma ilusão que encontramos
Quando nossas expectativas estão prestes a se comprometer

Menino Neymar
O amor não é uma maneira de ganhar
Vamos nos encontrar com o gêmeo
E morrer na sombra de um grito
Antes de a grandeza piscar

Os vencedores
Nós esperamos ser surpreendidos
Mas eles estão voltando novamente.
Nossos medos vieram sem estrelas
No alarme do carrasco

Não tenho uma opinião formada.

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