Racionais

É extremamente curioso andar pelas ruas da cidade nos momentos em que a sensação de caos domina a população. A real gravidade da situação não importa tanto quanto o sentimento: a noção de que o apocalipse está próximo afeta as pessoas. O pensamento de que a barbárie está próxima já é o suficiente para acelerar o processo.

Pode acontecer em um momento simples, como uma explosão de um cilindro de chopp em um shopping center, que provoca correria desenfreada, gritos de fuga, pessoas tentando descer escadas rolantes pela contramão e boatos de desabamento do prédio. Pode acontecer quando um famoso ator encena uma invasão extraterrestre pela rádio. Ou diante de um congestionamento monstruoso: o medo de nunca chegar em casa faz com que as pessoas aflorem seus instintos mais primitivos.

Quando uma greve dos caminhoneiros começa a provocar desabastecimento de vários itens em várias cidades do país, aí então não existe mais nada que impeça o ser humano de agir buscando apenas a sua sobrevivência. Desbastecimento. Que palavra forte.
Outro enorme medo: o constante erro das pessoas escrevendo ParaliZação como se não houvesse amanhã

Desde a quinta-feira tenho presenciado pessoas dirigindo loucamente no trânsito, queimando pneus para arrancar nos sinais, pilotando como se fossem os pilotos do Choque de Cultura participando de Mad Max. Qual é o sentido disso? No supermercado pessoas começaram a comprar alimentos como se fossem se trancar em um bunker subterrâneo, amontoando alimentos acima da sua capacidade de estoque. Teve gente enchendo a casa de galões de combustível. Em determinados momentos, parece até que as cornetas do apocalipse nuclear começaram a soar. Sério, o que é aquela mulher comprando 45 quilos de arroz no mercado? Imagino essa pessoa em sua cozinha, comendo com as próprias mãos, agachada no chão, para economizar água e não ser pega desprevenida.

Muitos fatores contribuem para a propagação da ideia do pânico generalizado. Eis alguns deles:

1) As redes sociais, principalmente o WhatsApp. Os Boatos do Zap são uma incontrolável instituição nacional e crescem a cada momento. A cada pessoa que afirma que teve contato com uma fonte segura que assegura que o fim está próximo, o medo cresce em nossos corações e começamos a agir como se não houvesse amanhã.

2) A estrutura descentralizada dos movimentos sociais contemporâneos. Não há uma figura clara que centralize os anseios da classe e se comunique com outras entidades e com a população. Como diria o novo slogan da Globo, são milhares de uns, cada um com seu pensamento e não é fácil chegar a um acordo com todos eles. Os políticos não sabem como negociar com esse modelo nem um pouco clássico de organização e muito menos a imprensa, que diante da falta de um norte sobre o assunto começou a propagar o caos e ajudou a aumentar o pânico.

3) Temos uma classe política desmoralizada e acovardada. Nosso presidente não passa o mínimo de credibilidade e seu ministério não tem moral para negociar com ninguém. Os nossos parlamentares, os representantes do povo, vivem encastelados tentando apenas negociar a sua própria sobrevivência e vez por outra tentando se aproveitar de uma ideia alheia para capitalizar votos.

Uma situação como essa nos mostra como nossa sociedade tão organizada, de certa forma vive em um limite próximo, perigoso e incômodo da barbárie. Uma pequena sucessão de fatos pode desorganizar completamente nosso sistema em poucos dias e a partir dessa desorganização, tudo pode acontecer. Os sistemas de negociação logo podem ruim e passa a mandar quem tem poder. Como diria o profeta de histórias de quadrinho, o fim está mesmo próximo e o nosso comportamento sempre pode fazer com que ela seja mais rápido.

Comentários