Comentários Positivos


Neste último fim de semana, uma quantidade considerável de pessoas se deslocou até o autódromo de Interlagos, em São Paulo, para acompanhar as atrações musicais do festival Lollapalooza. O evento sonoro foi transmitido ao vivo pelos canais Multishow e Bis e também pela internet, no portal G1, fazendo com que as imagens dos artistas que se apresentavam na capital paulista fossem levadas para as casas de uma quantidade também considerável de pessoas no Brasil inteiro.

Faz algum tempo que os grandes eventos musicais brasileiros são transmitidos pela televisão. O problema é que poucas coisas são piores do que a transmissão de um show. Não por culpa exatamente dos profissionais que trabalham nessa operação televisiva, mas porque os telespectadores querem apenas escutar a música e se emocionar com canções que marcaram época. Os espaços entre uma apresentação e outra, são apenas necessidades logísticas que acabam preenchidas por uma ladainha interminável, de pessoas que tem a difícil missão de transmitir aquela emoção para um público heterogêneo.

Eis o desafio: o apresentador tem que contemporizar toda sua carga emocional e cultural – ele está ali ao vivo, pode gostar ou desgostar ou pouco se importar com a banda que está no palco, e precisar passar uma impressão do show para o telespectador, que também tem sua carga emocional e cultural – no sofá de sua casa tudo parecer ruim, mas geralmente ele gosta da banda, porque só um fã do Metronomy aguenta o show até o fim.

Em suma, os comentários entre o show parecem um encontro de duas pessoas que se conhecem, mas não tem intimidade, e quando se encontram acabam se vendo na necessidade de manter um diálogo quando o silêncio seria a melhor solução. E tal qual nesses encontros constrangedores, o que resta é fazer comentários positivos sobre a situação. Se os dois conhecidos ficam trocando elogios sobre a forma física, psicológica e emocional alheia, o apresentador entre-shows sempre solta um: “Espetacular, que grande show que acabamos de ver, realmente histórico, o maior dia da história da existência humana desde que deus criou Adão e Eva, ou desde que, sei lá, uma mutação genética deu origem ao Homo Sapiens”.

Volto a eximir os apresentadores/comentaristas de culpa, é difícil falar qualquer coisa relevante nesse momento sem parecer um afetado querendo atestar erudição, sem ofender ninguém, sem ser ameaçado de morte por uma crítica qualquer. Aliás, acho que isso é o que faz, nesse mundo atual, todo mundo sempre ser muito positivo sobre tudo.

Imaginem qual seria a relação se o Chinaína, do alto de sua confusão mental falasse “Aí está, acabamos de ver esse espetáculo deprimente em forma de música. Uma banda antiquada, tocando sem nenhuma inspiração ou vontade, apenas ganhando o dinheiro dos seus fãs idiotas” ou a Titi Muller ao lado dos chapeiros do McDonalds gourmet mandando que o show foi “simplesmente terrivel, esse vocalista perdeu a voz dele em 1999 e segue até hoje sem coragem de se aposentar”.

É mais fácil ser simpático e positivo, enxergar a beleza mesmo onde ela não existe.

Vale para as transmissões do desfile do carnaval, onde todas as escolas estão sempre de parabéns, pela garra da comunidade, pela energia positiva, pelo espetáculo, enfim. Ninguém nunca irá dizer “esse desfile foi totalmente esquecível, um samba sem sentido e criatividade, um enredo clichê e fantasias de gosto duvidoso, adornado por alegorias pobres e senso comum. Forte candidata ao rebaixamento”.

É a mesma ladainha do The Voice, em que todo mundo está de parabéns e onde infelizmente tem que ter um perdedor, mas todo mundo é vencedor por ter chegado até ali. Quem um dia irá dizer “amigo, vai estudar que isso aqui não é pra você”. Ou ainda em um mundo ideal onde algum jurado diria “para de gritar! Cantar não é gritar, porra!”, mas esse comentário levaria ao fim do programa que deveria ser conhecido como The Scream Brasil.

No fim, as críticas ficam apenas para o anonimato das redes sociais, onde é possível falar mal de todo mundo, ameaçar de morte e ainda ser preconceituoso impunemente.

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