Aconteceu aqui e agora

Houve um tempo, talvez distante tempo, em que uma corrente de internet precisava ter um mínimo de coerência para prosperar. Saudosos tempos em que éramos alertados sobre os riscos de beber um drink batizado no bar e acabar dentro de uma banheira de gelo na manhã seguinte, sem os rins, vítima de um esquema internacional de tráfico de órgãos. Bons tempos em que nos falavam sobre os criminosos que jogavam ovos no para-brisa e provocavam acidentes ou os vendedores de perfume que nos faziam inalar um sonífero e o resultado novamente era algo terrível para a integridade física.

Pensem comigo: realmente é um risco deixar uma bebida desprotegida em um balcão de bar, você jamais deve fazer isso. Realmente existe a chance de alguém colocar uma droga na sua bebida e com isso te assaltar, te estuprar, te sequestrar ou te matar. Jamais vá ao banheiro e deixe sua bebida desprotegida. A parte de acordar em uma banheira de gelo era realmente uma cascata, mas era o fato surpreendente que mantinha nossa atenção na história. O resto era factível, não é mesmo?

Com o tempo, muitos de nós fomos evoluindo e pegando de primeira as pegadinhas da internet. Mas, repito, havia um quê de verdade ali, algo que fazia sentido, algo que nos mantinha conectados ao mundo real e alertas, refletindo se aquilo era verdade ou não. Para criar uma boa corrente falsa de internet, era preciso ter um mínimo de criatividade e coerência. Hoje em dia não. Hoje em dia qualquer merda que você escrever e postar em um grupo de WhatsApp será tratado como verdade.

Correu recentemente nos diversos meios que nos conectam a dezenas de pessoas com as quais deveríamos não nos conectar ou talvez conectarmo-nos eventualmente, moderadamente, a montagem acompanhada da notícia de que o rosto de Pablo Vittar estaria na nota de R$ 50, num projeto enviado a Câmera de Vereadores, que também substituiria a frase “Deus seja louvado” por “Brasil País LGBT” e tudo com o apoio da Globo e do PT.

Era tudo tão bizarro e com uma intenção até que claramente humorística que não dava pra não rir. Até o momento é claro que aparece alguém comentando indignado que aquilo era um absurdo e estavam querendo acabar com a família brasileira e que só no Brasil isso era possível mesmo. Talvez só no Brasil fosse possível mesmo que alguém acreditasse nisso, mas a pós-verdade é um fenômeno mundial, ao que tudo indica. Deve haver algum estudo que mostrar que o ser-humano é muito idiota crente e acredita em qualquer coisa que digam para ele.

Pablo Vittar é certamente hour concurs no quesito correntes bizarras de WhatsApp nas quais as pessoas acreditam. Mas são muitas. Eu me lembro especificamente de uma que contava uma fábula sobre a única família de uma aldeia que não foi atingida pela gripe espanhola. O segredo? A mulher tinha fatias de cebola espalhadas nos cantos de sua casa e as cebolas atraem as “bactérias”. O mais bizarro é que a corrente não era para propagar essa dica de guardar cebolas nos cantos da casa e assim simplesmente resolver todos os problemas que sanitaristas há décadas tentam resolver. A moral da história era: não guarde cebolas cortadas dentro da sua geladeira, porque isso vai te matar.
Meu amigo acabou de ver isso agora a pouco na Prainha, espalhem para que todos possam se preocupar

Outro fenômeno interessante é o da reprodução de imagens recentes e trágicas que aconteceram na sua cidade. Você certamente já recebeu um vídeo no WhatsApp com imagens de um assalto no hipermercado Extra da sua cidade, ação criminosa desenvolvida há instantes. A obra audiovisual é sequenciada por uma série de comentários sobre o fim do mundo, o descalabro da violência, a necessidade da implantação de um programa estatal para o extermínio de contraventores da lei, até que em determinado momento alguém traga a informação de que na verdade aquele vídeo se passa na Rússia e foi gravado em 2013 para um documentário. Depois disso, o propagador do vídeo ainda saíra por cima dizendo que fica o alerta para que todos tomem cuidado em situações assim.

Bem, ok, muitas vezes a cena é um assalto real, ocorrido realmente no Brasil, só que não foi na sua cidade e nem foi hoje. É claro que a violência é um problema e todos temos que ficar espertos, mas o que, no fundo, a pessoa que divulga o vídeo quer, não é te dar um conselho a ficar sempre atento, o que essa pessoa quer é disseminar o caos e legitimar o discurso dela, seja lá que discurso for esse. Isso aconteceu agora a pouco aqui perto de nós e você pode ser o próximo. O que vamos fazer?

É o caos, o caos. É isso que o WhatsApp proporciona. O pânico generalizado porque o mundo está acabando, meus valores são destruídos e precisamos pegar em armas para evitar o fim do meu mundo, como eu o conhecia. Certamente a Guerra do Mundo do WhatsApp seria um evento facilmente manipulado e os seus criadores não precisariam de nenhum grande esforço.

Para finalizar esse post, uma cena desse acidente que aconteceu agora a pouco no Campo D'Ourique em Cuiabá. Espalhe ele nos seus grupos, substituíndo por um local bem genérico e peculiar da sua cidade e espere o pânico.
Foto agora a pouco no Campo D'Ourique em Cuiabá. A Globo quer esconder, mas espalhem

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